domingo, 7 de octubre de 2012

2010 - CELSO ATHAYDE entrevista a CAETANO VELOSO


Una interesante entrevista del blog Porradão de 20, donde Celso Athayde entrevista personalidades de distintas áreas.


Caetano Veloso...

Na pressão!!!

Semana passada o “Porradão de 20” chegou muito bem com Preto Zezé, um verdadeiro intelectual orgânico, como diria Luiz Eduardo Soares.


Hoje , recebemos aqui no “Porradão de 20” ninguém menos do que o filho de dona Canô, o sempre polêmico Caetano Emanuel Vianna Teles Veloso.

Um artista conhecido no mundo inteiro pelo seu talento para a música e por suas opiniões. Não há quem nunca tenha cantado uma música dele. Um dos criadores de um dos maiores movimentos do Brasil, a Tropicália, o baiano está aqui no Porradão para colocar a cara (independente se sua “cuca vai ficar Odara”). Bem, sem delongas, com vocês: Caetano Veloso.


1 - Qual foi seu primeiro sucesso, quando realmente apareceu para o grande público?

Foi com a música "De manhã". Bethânia cantou no show "Opinião", em 1965, gravou no lado B do compacto do "Carcará" e o pessoal gostou. Logo Simonal gravou também. E, mais tarde, Eliseth Cardoso. Mas eu era só um nome no rótulo dos discos. Fiquei conhecido do público no programa “Essa Noite Se Improvisa, em que eles diziam uma palavra e a gente tinha de cantar uma música que a contivesse. Ganhei vários Gordinis como prêmios. Isso durou de 1966 a 1967. Quando lancei "Alegria, alegria" no festival da Record, o público já me conhecia.

2 - As polêmicas que você sempre se envolveu eram pensadas?

Nunca iniciei uma polêmica deliberadamente (exceto, talvez, no diálogo com José Ramos Tinhorão, quando, ainda em Salvador, escrevi artigo defendendo a bossa nova e a assimilação de formas musicais estrangeiras, coisas que ele combatia numa atitude nacionalista que à época me parecia estreita). Minhas posições, reveladas em entrevistas, atitudes e timbres musicais, muitas vezes causaram reações surpresas ou indignadas - e eu respondi às agressões (ou às meras discordâncias) apenas em alguns casos.

3 - Sempre tive a imagem que de você era um revolucionário político, por conta do exílio. Como se deu sua saída do Brasil de fato?

Os milicos tinham me botado (a mim e a Gilberto Gil) na cadeia por dois meses em quartéis da PE e do PQD, no Rio (embora nós morássemos em São Paulo: mas naquele tempo essas arbitrariedades não podiam ser contestadas). Depois ficamos presos na cidade de Salvador, tendo de nos apresentar a um coronel por 4 meses. Gil já tinha duas filhas e eu também já era casado. Gil se queixou com o coronel de que estávamos há quase 6 meses sem poder trabalhar e perguntou se ele não podia perguntar aos superiores em Brasília sobre nossa liberação . Ele voltou com a solução: o exílio. Agentes da Polícia Federal nos trouxeram para o Rio, prepararam nossos papéis e nos puseram num avião para a Europa. O federal literalmente me pôs dentro do avião e disse: "vai e não volte; e, se voltar, vá direto entregar-se à PF para nos poupar o trabalho de procurá-lo". Eu não era um revolucionário político. Minhas simpatias iam para a esquerda - e eu odiava o regime militar. Participei de passeatas de protesto. Sinceramente, eu gostava de Marighella. Mas os militares não sabiam disso. Acho que a presença nas passeatas somadas aos cabelos grandes e às roupas estranhas deixavam as autoridades desorientadas.

4 - Poucos artistas conseguiram atravessar tantas gerações sendo referência para todas elas, porque acha que isso acontece com você?

Cresci admirando artistas que mantiveram grande prestígio por décadas: Cauby Peixoto, Ângela Maria, Aracy de Almeida, Frank Sinatra, Henri Salvador, Ray Charles... E na minha própria geração há toda uma turma que nunca foi esquecida: Milton Nascimento, Chico Buarque, Bob Dylan, Paul McCartney, Paulinho da Viola, Gil, Mick Jagger... Não acho que meu caso seja diferente.

5 - Você ainda se coloca contra as cotas para negros? Porquê?

Na verdade, nunca me decidi intimamente a respeito dessa questão. No final dos anos 60 eu ansiava por uma racialização da discussão política brasileira. Assim também pela entrada de temas sexuais e ecológicos. A partir dos anos 70 houve uma compartimentalização desses assuntos, sempre seguindo um modelo americano. Continuei achando necessário. Mas a partir de um ponto, tanto a especialização de grupos organizados em torno de um tema quanto a racialização do debate político me pareceram deixar de ser informação nova. O discurso não racialista brasileiro tradicional, com o mito da democracia racial e o elogio da mestiçagem, existe porque tem razão de ser. E essa razão não é apenas o conservadorismo que serve à reafirmação das estatísticas horrendas. É também a diferença da experiência brasileira. Não termos tido racismo institucionalizado como nos EUA e na África do Sul faz com que, quaisquer que sejam as decisões tomadas, resultem em algo diferente do que aconteceu nesses países.
Em 1974, ouvi, na Nigéria, Abdias do Nascimento dizer de público que o Brasil era mais racista do que a África do Sul do apartheid porque o racismo aqui é dissimulado. Bem, servia como uma frase provocativa. Mas ainda hoje leio livros dizendo a mesma coisa, só que com longas argumentações teóricas. O ódio que livros como os de Ali Kamel, Demétrio Magnoli e Antônio Risério são manifestações dessa mesma atitude. Eu gostaria que os comentários discutissem objetivamente as estatísticas apresentadas por Kamel, por exemplo, em vez de simplesmente desqualificá-lo só porque ele não pensa igual. Razões emocionais estão presentes em ambos os lados: as dos negros e mesmo dos racialistas não negros são óbvias; as de Kamel nascem da acolhida sem preconceitos que sua família de imigrantes árabes teve aqui. A impressão que o Brasil causou a Stefan Zweig na época do nazismo não é de se jogar fora: hoje ela é mais enriquecedora do que nunca. Só assinei (com um grão de sal, como disse a Yvonne Maggie) o documento contra a lei que instituía cotas porque dou muito valor ao fato de o Brasil não ter tido leis destritivas baseadas nas supostas raças das pessoas. Mas não estou seguro de que cotas não possam desempenhar um papel útil como ação afirmativa. E, por outro lado, estou certo de que o medo de que esse gesto de racialização produza ódio racial com consequências trágicas é um medo exagerado. Talvez suspeito. Claro que hoje, com a escola pública desmontada, vejo crianças "brancas" (meus filhos...) crescerem em escolas onde praticamente não há pretos. Isso era impensável para mim. Mas vi agora nos Estados Unidos a ressaca racial da eleição de Obama. Nosso DNA nacional não tem aqueles elementos.





6 – Esse é um tema muito tenso, que precisa ser pensado com equilíbrio. Mas você não acha que o Ali Kamel transformou esse tema em sua bandeira pessoal, usando um veículo importante e desqualificando em parte qualquer discurso contrário, sobretudo se pensar que esses não dispõem dos mesmos espaço?

Não. Ali Kamel escreveu sobre um assunto que tinha virado tabu. A originalidade da experiência brasileira, o mito da democracia racial, Gilberto Freire, tudo isso estava (e está) anatemizado. Acho que quase todas as pessoas que pensam a questão racial estavam e permaneceram contra tudo o que Kamel tenta defender. E quem não tinha essa posição (grande parte dos leitores do Globo) na verdade aprendeu ali mais sobre a sorte desigual entre negros e brancos no Brasil do que jamais pensou em saber.

7 – A pouco tempo o Brasil tinha o racismo como política oficial do governo. Os pretos eram servidos como banquetes para crocodilos pelo crime de, por exemplo, não conseguir carregar pedras para construir igrejas católicas. Não é justo pensar em reparação?

Como disse na resposta sobre cotas, acho que é justo pensar em reparação. Os horrores da escravidão não podem ser esquecidos nem perdoados. É limpidamente certo que a escravização de seres humanos não possa mais ser admitida - ao menos nos países civilizados. É uma vitória nossa. Muitos lutaram por ela. Nas Américas os negros importados da África foram as vítimas de um esquema internacional (de que alguns poderosos negros africanos não estão inocentes, assim como também os árabes, antes dos europeus). Isso racializou a prática escravista de um modo muito nítido, como não tinha acontecido na Grécia ou em Roma. Mas não podemos racializar a história retroativamente nem pensar a racialização de modo absoluto. Os países americanos têm de achar jeitos de reparar esses crimes. O que não se pode admitir é que só por ser branco alguém hoje mereça punição. Só se deve punir o que for ainda racismo opressor. Algum "racismo anti-racista", como dizia Sartre, não pode deixar de acontecer: seja o Ilê Aiyê ou os Racionais, Abdias ou Liv Sovik. Mas a convivialidade espontânea dos brasileiros é tesouro nosso. A profundidade da mestiçagem aqui também é algo de se notar. Tudo bem: entre pobres, todos são "iguais", convivem, tudo rola. Mas a elite se pretende branca e discrimina os mais escuros. Sou mulato claro de uma região onde a maioria é negra. Meu pai era um mulato mais escuro, quase igual a Obama. Conheço isso por dentro. Acho que ainda vai rolar muito conflito, mas no fim das contas (e das cotas) o Brasil vai ser predominantemente o que ele é. O Brasil hoje é mais do mundo. E, no mundo, brasileiro não é branco. Ser americano é uma informação que, globalmente, tem mais força do que ser negro. Ser brasileiro já é ser negro, simbólica e/ou geneticamente. Não dá para olhar para trás - e o nosso futuro tem esses significados crescendo tão rápido quanto a temática racial cresceu entre nós. Não adianta ser preto e ver pequeno, porque coisas grandes virão, estão vindo - só espero que não sejam as piores. Se forem as boas, o Brasil terá muito o que dizer. Procuremos -  discutindo, concordando, amando, brigando, pensando juntos - estar à altura das nossas oportunidades. Assim, poderemos, sendo o maior país negro depois da Nigéria, reerguer a África, salvá-la, traduzir seu destino.

8 – Lembro que em 2006, na casa do Cacá Diegues, você e o Mv Bill se alteraram numa discussão tensa sobre esse mesmo tema. Fale um pouco sobre esse fato.

Gostaria de lembrar tudo o que dissemos. Acho que o estopim foi um comentário sobre algo que Jabor teria dito em Parati. Minha excessiva veemência se devia ao fato de que, desde sempre, vi em Bill um exemplo instintivo (e muito lúcido) de esboço do brasileiro que descrevi acima. E me impacientava que ele ainda estivesse amarrado ao estágio do movimento que era ainda a maré montante da racialização. Na verdade, concordo com tudo o que já ouvi Bill dizer de público. Ali era uma discussão íntima, como se ele fosse um irmão mais novo e mais dotado para lutar a boa luta que estivesse perdendo tempo em combater o mito da democracia racial ou algo assim. Seria o caso de perguntar a Bill como ele lembra o que foi dito. Mas o fato é que, com todas as aparências de que tínhamos posições opostas, cada vez mais vejo Bill parecido com o que eu queria defender. A firmeza e a doçura dele sempre me mostraram um herói natural da história brasileira. Mas precisava ser sincero com Bill e não evitar dizer a ele que eu próprio penso além disso - e que vejo que ele é capaz de ir até aí e fazer ainda melhor.

9 - Houve um momento em que você foi vaiado ao cantar funk nos seus shows, como você encara este tipo de reação?

Vaia e funk foi algo que só pintou quando eu cantava "Um tapinha não dói". Era bonito: esse funk vinha ligado à minha "Dom de iludir", que, por sua vez, é uma resposta transfeminista ao "Pra que mentir" de Noel Rosa. Eu achava idiotas os que vaiavam. Mas não atrapalhou quase nada. Já fui vaiado diversas vezes. Até por ter dito que achava errado as pessoas não pararem no sinal vermelho. Quando voltei de Londres, o público do Recife me vaiou ao ouvir minha versão de "Asa Branca". Não é que eles, pernambucanos, achassem estranho um clássico da região ser desconstruído: eles não pareciam sequer conhecer a música! Eram jovens que esperavam pop-rock e estranharam a gemedeira. No Rio, umas moças modernosas dos anos 70 vaiaram as experimentações do show do "Araçá Azul". Além, é claro, do "É proibido proibir" de 1968.

10 – Houve também uma vaia histórica que marcou sua carreira. Em algum momento isso te incomodou?

Sobre a vaia histórica, Augusto de Campos fez o poema Viva Vaia em parte dedicado a mim. É do "É proibido proibir" que você está falando. Em 68, fui cantar no festival da Globo (fase paulista) essa minha música, acompanhado dos Mutantes, com um arranjo para o grupo concebido por Rogério Duprat. Era uma marcha em 3/4 tratada como rock de vanguarda: timbres estranhos e sons atonais. A platéia urrava de raiva. Uma mistura de protesto nacionalista com dificuldade de acolher música moderna. Eles achavam que ter um grupo de rock era submeter-se ao imperilismo ianque: eles não fariam diferente com os rappers de hoje - e não aguentavam nada que não fosse melodia convencional e poesia romântica (inclusive no sentido político). Jogavam coisas no palco. Um pedaço de madeira machucou a perna de Gil (que eu convidei ao palco). Eu gritei tudo o que eu pensava daquela gente: "é essa a juventude que diz que quer tomar o poder? - vocês vão sempre matar o velhote inimigo que morreu ontem". Coisas assim.

11 – O primeiro show com grandes astros da música dentro de uma favela foi em 2000 (na Cidade de Deus) em plena noite de natal, numa festa realizada pela CUFA, onde você cantava ao lado de MV Bill, Cidade Negra, Dudu Nobre e Djavan. Quais os motivos que te fizeram chorar naquela noite?

Essa festa foi uma das coisas mais bonitas de que já participei (link). Chorei porque emoções muito intensas e variadas tomavam conta de mim. Vi ali a promessa de superação da vida precária que aquela gente sensível e vital se via obrigada a levar. Via o nascimento do movimento que vocês fazem na CUFA. Sentia a história da música brasileira, tão devedora das favelas cariocas desde a volta dos soldados da Guerra de Canudos.

12 - Porque você nunca se filiou ou se aproximou de partidos políticos ao contrário de artistas como Chico Buarque?

Acho bonito que Chico tenha se filiado ao PT. Mas eu nunca me filiei a partido nenhum. Usei uma estrelinha vermelha por umas semanas quando o partido foi fundado. Achava que aquilo contribuiria enormemente para a modernização e humanização da política brasileira. Fico feliz de ver que eu não estava errado. Mas não tenho temperamento para pertencer a um partido. Preciso ficar com minhas opiniões (com todas as suas oscilações) livres.

13 - Agora você passa a escrever para o jornal o Globo, acredita que haverá patrulha?

Já escrevi no Pasquim. No final, quem me patrulhava era o próprio Pasquim. Eu estava decidido a não aceitar ter coluna em jornal. O Globo já tinha me convidado fazia um tempo. Logo em seguida a Folha de São Paulo me chamou também. (Falo desse convite de agora, pois ambos os jornais já tinham me sondado em outras ocasiões.) Eu sempre dizia que só escreveria por muito dinheiro (mentira: sei que jornais não podem pagar tanto dinheiro assim: minha motivação era economizar energia e tempo, além de evitar estar dizendo coisas toda semana). Depois considerei que talvez com a coluna eu passe a estar menos e não mais presente nos jornais - e dizendo menos coisas. Sou um senhor respeitável, ninguém vai me patrulhar. Se o fizerem, porém, não será uma novidade em minha vida.


 

14 - Dizem que existe uma ordem judicial que proíbe a revista Veja de pronunciar o seu nome. Isso é verdade? Se for, qual a motivação disso?

Nunca ouvi falar de tal ordem judicial. Infelizmente a Veja desmerece o credo liberal que ela diz ou finge representar. Tive tantos problemas com essa revista - e esses problemas revelaram tão grande desonestidade ali dentro - que, embora eu ainda a ache tecnicamente uma revista boa, não tenho confiança nenhuma nela. Não tenho o direito de ter. O que sei é que há muitos anos que me nego a falar com a Veja. E que ela, depois de uma canalhice brutal que fez comigo, deixou de mencionar meu nome. Por algum tempo. Pedi a uma advogada que fizesse um processo contra a revista e eles perderam. Mas só tiveram de pagar uma multa. Para eles não é nada. Proibição de mencionar meu nome não estava nas intenções do processo. Acho que a Veja tomou um tom quase chulo de nova direita, um tom cafajeste misturado com manipulação dos fatos que chega a ser uma coisa tétrica. O cara que escreve sobre música popular é fraquíssimo - e fez o que agradaria aos chefes dele quando precisou ser canalha comigo. A moça que escreve sobre cinema é muito melhor: faz o dever de casa. Estuda. Eu respeito. O de literatura é meio chato também. Pela primeira vez estou achando a Época mais legal do que a Veja. Mas a Veja sempre foi a melhor Time brasileira. Só que é um compacto de tudo o que tem de imundo na imprensa.

15 - Em 98, quando Bill e eu começamos a gravar o documentário “Falcão - meninos do Trafico”, previmos que em 2013 haveria uma epidemia de Crack e em 2017 a pior de todas, a epidemia de Merla. Fazendo uma reflexão sobre tudo isso você é a favor da discriminalização das drogas?

Pessoalmente eu odeio drogas. Não gosto de alteração de estado de consciência. O álcool tem a manha de ir tirando sua timidez, depois seu medo, e quando você fica meio louco já não tem grilo. A maconha já te enlouquece de vez (o "tapa"), sem amortecedores. Fico em pânico. Cocaína é ruim de tudo. Cheirei uma só vez, uma "bundinha", nos anos 70. Fiquei sem medo mas minha boca ficou dormente e minha voz saía como se estivesse usando um megafone. Mas o que parece legal no álcool (e que deve ser a razão por que ele é aceito na maioria das sociedades) perde a graça quando você tem de aguentar alguém bêbado demais e, sobretudo, com os estragos que faz a longo prazo. Mas eu era favorável à legalização e controle de todas as drogas: os impostos seriam pagos, a economia paralela deixaria de existir, a interminável "guerra" aos narcóticos desapareceria - e a publicidade seria proibida (como a do cigarro é hoje).
Um dia, em Salvador, vi uma mulher totalmente destruída andando na frente do táxi em que eu ia. Ela estava magérrima, toda manchada, arrancando uns cabelos da cabeça. Era uma visão poderosa. O motorista me disse, com naturalidade: "é crack". Depois vi meninos assim. Decidi deixar meus pensamentos de legalização para mais tarde. Crack destrói muito depressa, vicia muito depressa, é uma droga-lixo, barata, não é algo que se possa pensar em legalizar. As pessoas se atraem pela mudança de estado de consciência: talvez se possa dizer que sempre haverá drogados. Mas algo emergencial deve ser feito a respeito de crack e merla. Depois retomamos o argumento da legalização. Ou: esse argumento deve ser revisto à luz dessas novas modalidades de entorpecentes.

16 - Quem são os cincos homens e as cinco mulheres mais inteligentes do Brasil? Comente se quiser...

Não sei. Então mando 10. Pensei logo em João Gilberto, Augusto de Campos, Antônio Cícero, Lula e Roberto Mangabeira; Rogério Duarte, Jorge Mautner, Romário, Boni e José Miguel Wisnik. Mas isso se sua pergunta é só sobre brasileiros vivos. E "não sei", ainda assim, continua sendo a resposta. Mulheres: Maria Bethânia, Marina Silva, Marilena Chaui, Paula Lavigne e Tati Quebra-Barraco; Suzana de Morais, Regina Casé, Elza Soares, Pitty e Ivete Sangalo. Mas é "não sei".

17 - Alguns artistas apoiaram o Fernando Collor de Mello e até hoje esse apoio é lembrado negativamente pelo fato do ex- presidente ter sofrido o impeachment e ficado em baixa. Você fez comentários sobre o presidente Lula  que viraram outra polêmica nacional, a diferença é que ele estava em alta. Como você avalia essas reações?

Não vejo nada de essencialmente mau em alguém ter acreditado no Collor e expressado isso publicamente. Eu não acreditei, mas admirei Brizola e ACM por terem ficado do lado dele até o fim. Quando Collor se elegeu, procurei captar o que poderia ser positivo para o Brasil, passei a torcer para que ele fosse minimamente bom. Mas a apresentação do plano econômico na TV, com Zélia Cardoso de Melo sem saber nem mesmo falar, me apavorou. Hoje acho que tem valor ele ter aberto o mercado. Mas só. Lula é um personagem muito maior e muito mais positivo. Quando comentei que ele fala como analfabeto e muitas vezes de forma grosseira e cafona (ao contrário de Marina Silva e de Obama) não estava dizendo nenhuma novidade. Nem era isso visto como negativo. Eu tinha começado por dizer que Marina era Lula e Obama, ou seja, a referência a Lula era usada como um elogio. Termos um presidente de baixa escolaridade e que fala como os que não puderam ir à escola é motivo de orgulho para nós. E é visto com tal. Os linguistas elogiam e a população aprova. Mas a vocação para desenvolver um nível acadêmico alto que Marina mostra (tendo sido alfabetizada aos 16 anos!) é também algo que merece atenção e traz outros aspectos do amadurecimento político brasileiro. Mas o pessoal preferiu me xingar. O que revela o pior lado do fenômeno Lula: o risco de um "lulismo", da criação de um populismo latinoamericano à antiga. O bom é que Lula é mais esperto do que isso. Até aqui, com toda a euforia e deslumbramento narcísico, ele não caiu na tentação.

 

18 - Você teve a oportunidade de passar por vários governos, qual o maior mérito do Lula e seu maior equívoco?

Esta e todas as minhas opiniões políticas devem ser tomadas com reticência. Não fui um menino vocacionado para a política e, tendo sido mau aluno de matemática, leio artigos sobre economia com muito esforço e pouco proveito. Posso dizer que Lula é uma figura histórica de dimensões épicas. Sua vida, sua ascendência, a oportunidade de sua chegada, tudo aponta para isso. Ele ter tido a sabedoria de manter o real de Fernando Henrique - e o essencial da política econômica que ele e o PT desancavam quando eram oposição - pode ter feito uma parcela mínima da esquerda petista se afastar dele (e, por exemplo, criar o PSOL) mas não desfez a coesão do partido e contribuiu para que ele fosse aprovado pela maioria dos brasileiros. Mesmo que ele tenha entrado falando em "herança maldita", expressão infeliz e cínica lançada por José Dirceu, a grande jogada de Lula foi aproveitar o conseguido no governo FH - saindo-se melhor do que este, não apenas pela sorte de encontrar uma situação internacional favorável, mas também por ouvir os conselhos de Delfim Neto (sendo Palocci um petista perfeitamente compatível com as políticas econômicas liberais) no que diz respeito a câmbio, balança de importação-exportação etc. Isso são coisas que fui vendo nos jornais ao longo do governo dele. Não gosto de certas atitudes no campo da política externa (embora adore ouvir Celso Amorim falar, inclusive em inglês, de modo tão bem articulado, ao contrário de Marco Aurélio Garcia, que muitas vezes parece um grosseirão). Muita coisa soa como aceno para a galera. A ambição de entrar no conselho de segurança da ONU de forma permanente é legítimo. Mas não todas as atitudes tomadas para isso. Apoiar aquele egípcio meio doido em detrimento de um brasileiro de alto nível para a UNESCO foi horrível. E o episódio de Honduras foi, no mínimo, atrapalhado.

19 - Qual a relação com seus filhos e qual você acha que deva ser a maior dificuldade em ser filho de Caetano?

Quanto às possíveis dificuldades de ser filho meu, só cada um deles pode falar. Acho difícil ser filho de qualquer pai. Embora saiba que há pais melhores que outros. Para mim, meus filhos são uma felicidade, são a maior felicidade. Ninguém pode esperar que os filhos sintam da mesma forma em relação aos pais. Eles nos amam, mas a vida deles está no futuro, eles têm de sair de nós. Enquanto para nós, eles são nosso futuro, além de serem nossa história. Nunca tive conflito com nenhum dos três, gosto de estar com eles o maior tempo possível - procurando não encher o saco deles com minha demasiada presença. Felizmente para eles, eu viajo um bocado. Gosto de adolescentes, me identifico com eles. Assim, não reencontrei os clichês que são repetidos sobre a relação com adolescentes. E cada um dos meus 3 filhos é muito diferente do outro. Gosto de tudo isso. Moreno foi grudado comigo desde pequenininho e até hoje podemos ficar horas conversando (além de colaborarmos um com o outro profissionalmente). Zeca morou comigo por cerca de um ano, até faz alguns meses, quando voltou a viver na casa da mãe dele. Tom fez com que eu me interessasse por futebol - coisa que meu pai não conseguiu (veja aí a diferença que descrevi do que sentem os pais pelos filhos e vice-versa). Zeca tem 18 e Tom, 13 anos. As ondas adolescentes deste estão começando. Decidi dizer a mim mesmo que sou ateu desde os 9 ou 10 anos de idade. Mas meus 3 filhos são religiosos. Hoje não tenho tanto interesse em dizer (a mim mesmo) que sou ateu, embora ainda ache que é chato lhe dizerem que não fica bem dizer na televisão que você é ateu (o João Gordo, que era o punk entrevistador, ficou chocado - e sugeriu abrandamento das declarações - quando eu e o Danton Mello dissemos a ele, no programa da MTV, que éramos ateus). Tenho temperamento místico e acho fascinante e sem dúvida pleno de significado o fato de meus filhos terem decisão interna religiosa.

20 - Sua vida é cheia de conquistas e realizações. Você se considera um homem realizado? O que ainda espera conquistar na vida?

Não. Não sou um homem realizado - se é que isso existe. Espero um dia mostrar a Zeca e a Tom um filme, um poema, um romance que os apaixone, que os aproxime de minhas experiências estéticas e intelectuais mais fundas. Mostro algumas coisas a eles, mas ainda não consegui chegar lá. Com Moreno houve muitos momentos de comunhão na fruição de algumas obras. Com Tom e Zeca, muita alegria e divertimento, além de reconhecimento mútuo de inteligência. Eles gostam dos Beatles desde pequenos. E gostam de muito do que eu faço. Mas queria ler João Cabral de Mello Neto com eles. Zeca lembra letras inteiras dos Racionais que Tom agora cultua (ele e toda a turma de 13 anos com quem anda adoram Racionais e hip-hop em geral): às vezes fico emocionado ouvindo Zeca dizer em coro com Tom raps quilométricos dos Racionais. Desejo também um dia fazer uma canção ou um filme ou um livro realmente bonito (não acho minhas canções satisfatórias). E, finalmente, ver confirmados os sinais de que o Brasil poderá ser grande e influenciar o mundo por causa de seus aspectos luminosos - não pelo horror da crueldade e da baixeza que ainda reina entre nós.

No hay comentarios:

Publicar un comentario