domingo, 18 de diciembre de 2011

1969 - LISBOA // LONDRES // PARIS


1969, Gilberto Gil, Dedé Veloso, Caetano Veloso e José Cid.

3 de agosto de 1969

Diário Popular




Caetano Veloso e Gilberto Gil participaram no Zip-Zip de 04 de Agosto de 1969.
Provenientes do Brasil e em viagem para Londres, Gilberto Gil e Caetano Veloso, nomes firmes da música de vanguarda no país irmão explicaram ao público do Zip-Zip o que foi o Tropicalismo e porque o movimento já não existe.

Seguiu-se um "tropicalíssimo show" que o público aplaudiu calorosamente, mas talvez não o bastante para a categoria dos artistas convidados.
















Excerto da reportagem de Jorge Schnitzer realizada a 2 de Agosto de 1969 na garagem do Quarteto 1111, em Alapraia, e publicada na revista "Rádio & Televisão" de 9 de Agosto de 1969. 

«Oito horas da noite na garagem cheia de fios, guitarras e amplificadores. José Cid transportava os instrumentos e arrumava a casa. "Daqui a uma hora vou ao Estoril-Sol buscar o Gilberto Gil e o Caetano Veloso. Os dois são simpatiquíssimos, gostam muito de música, e quando os convidei a virem cá tocar e cantar connosco aceitaram logo."

(...)

Foram cinco horas de grande espectáculo. O Quarteto 1111 encontrou Gilberto Gil e Caetano Veloso e houve improviso, mesmo improviso. O 1111 tocava o seu reportório. Gilberto e Caetano cantavam. Depois, Gilberto e Caetano tocavam, o 1111 tocava e cantava. Juntavam-se pela primeira vez mas, na música, os “grandes” falam a mesma língua.»


(...)


Na foto, à frente (e-d): Isabel Wolmar, Tonicha e Caetano Veloso; 
ao fundo, sentada do lado esquerdo, Maria Bethânia. 
© 1969 RADIOPREL



Na Alapraia, na casa do Michel Silveira, a garagem onde o Quarteto 1111 gravava.
Caetano Veloso e Gilberto Gil assistiram e colaboraram nas sessões que deram origem ao primeiro álbum do Quarteto 1111, editado no início de 1970. Teve uma edição em CD em 1998 e uma luxuosa reedição em vinil em 2016.


António Moniz Pereira, Michel Silveira, José Cid e Mário Rui Guerra – Foto: Rui Coelho Dias







1969, Gilberto Gil, Dedé Veloso, Caetano Veloso e José Cid

"Um dia encontrei, nas traseiras do Casino Estoril, dois putos brasileiros que eram músicos e meti conversa com eles. Disse-lhes que tocava e cantava na banda mais conhecida do pais e convidei-os a irem até à garagem. (…) lá me seguiram com uma irmãzita pela mão. Tocamos toda a noite e um deles até me deu duas músicas. Chamavam-se Caetano Veloso e Gilberto Gil. A miúda era a Maria Bethânia.” 
“Volkswagen Blue” de Gilberto Gil aparece no álbum de estreia de José Cid editado em 1971. Nesse disco aparece também o tema “Gabriela Cravo e Canela”.

[José Cid / Revista Sábado]




1969
Revista inTerValo
Ano VII - n° 347
Setembro
Editora Abril

Capa: Denis Carvalho
Foto de Jorge Butsuem










 










 
1969
Revista inTerValo
Ano VII – n° 350

Capa: Paulo Figueiredo
Foto de Jorge Butsuem

Editora Abril




 

 


 







Caetano Veloso em Lisboa



A passagem de Caetano Veloso e Gilberto Gil por Portugal (no início de 1969) foi referida por Caetano em Verdade Tropical (1997) (*) e por Nelson Motta no livro Noites Tropicais (2000) (**), onde conta como, em lua-de-mel, se cruzou no Bairro Alto com Caetano e Gil.


2005 - Programa semanal "O Amigo da Música", transmitido na ANTENA 1. [Portugal]

"Tropicália" de Caetano Veloso - um dos hinos do Tropicalismo, que viria a dar lugar a um curioso incidente, em 1969, no castelo de Sesimbra, com o meu amigo Rafael Monteiro, que lhe "reinventou" a canção, numa inesperada e insólita interpretação, de tal forma convincente que deixou Caetano Veloso na dúvida. Caetano estava em Portugal com Gilberto Gil, de passagem para Londres, a caminho do exílio imposto pelos militares, mas o episódio marcou-o de tal forma que lhe dedica amplo espaço no seu livro "Verdade Tropical". (*)


Rafael Monteiro pertencia ao grupo da "Filosofia Portuguesa" (de Álvaro Ribeiro e Agostinho da Silva, entre outros). Caetano, como aluno de filosofia na Universidade de Salvador, tinha conhecido Agostinho e contactado com esta corrente filosófica, o que contribuíu ainda mais para a surpresa do cantor.



(*)

“. . .

Mas meus amigos me empurravam para a música e para o Rio. Gil, como já disse, exigia minha participação. Um dia, Solano Ribeiro veio a Salvador à procura de canções para inscrever num festival que ele dirigiria na TV Excelsior de São Paulo. Ele queria que eu indicasse jovens talentos a serem descobertos e fazia questão de levar uma canção minha. Achei gozado ser tratado como alguém já estabelecido na profissão. Entreguei-lhe a canção "Boa palavra", que eu tinha feito a partir de refrões de sambas-de-roda do vale do Iguape. A canção terminou sendo classificada e chamou a atenção de gente de peso. Mas minha ida para o Rio se deveu mais que tudo à pressão feita por Roberto Pinho. Roberto me fora apresentado por Alvinho Guimarães (é notável como Alvinho Guimarães parece ter me apresentado a tudo e a todos!) como alguém que tinha idéias originais e um coração grande e puro. Ele me impressionou desde os primeiros encontros pela certeza com que proferia suas observações a um tempo realistas e proféticas. Ele fora formado pelo professor Agostinho da Silva, o fascinante português fugitivo do salazarismo e que via no Brasil um esforço de superação da fase nórdico-protestante da civilização. Era um paradoxal sebastianismo de esquerda que se nutria de lucidez e franco realismo e não de mistificações. Se aquilo era um ardil da saudade do catolicismo medieval lusitano ou um modo de expressar a intuição de uma via independente, não ficava claro para mim. Eu elegia conscientemente o aspecto da trilha inexplorada, embora não deixasse de me entregar a supersticiosas constatações de coincidências entre as "revelações" e os fatos reais. Roberto defendia Jung contra Freud (nunca me convenceu) e, naturalmente, indicava O sagrado e o profano de Mircea Eliade..." 
[Caetano Veloso, Verdade Tropical, 1ª edição, 1997, INTERMEZZO BAIANO, páginas 92-93]

“ . . .
Quando, cerca de um ano mais tarde, saímos do Brasil rumo ao exílio londrino, passamos antes em Portugal. Meu amigo Roberto Pinho me pediu que o acompanhasse até Sesimbra, onde ele tinha um encontro com um senhor português que tomava conta do castelo medieval da colina e era tido como alquimista. Lembro de umas ovelhas de chifre revirado que se punham perto do velho como se fossem animais de estimação. E do mar muito azul rodeando de longe as muralhas de pedra. A uma certa altura, Roberto pediu que eu cantasse "Tropicália" para o alquimista ouvir. Não lembro se cantei ou se apenas recitei as palavras da letra. Mas estou seguro de que comuniquei a integra do texto ao português. Ao final, este olhou-me com uma expressão exultante e, com uma piscadela cúmplice a Roberto, apresentou a mais insólita interpretação de "Tropicália" de que eu já tivera notícia. Tudo na letra era tomado à letra e valorado positivamente. "Eu organizo o movimento", por exemplo, significava que, não necessariamente eu, mas alguma força que podia dizer "eu" através de mim, organizava um importante movimento; e "inauguro o monumento no planalto central do país" era clara e meramente uma referência a Brasília como realização da profecia de são João Bosco. E pronto. Nenhum traço de ironia era notado, nenhum desejo de denúncia do horror que vivíamos então. Não lembro se sublinhei o trecho "uma criança sorridente feia e morta estende a mão" quando tentei explicar-lhe que minhas motivações para compor a canção tinham sido o oposto de um ufanismo, mas é certo que tentei discutir o assunto. Ele, que a princípio me parecera não imaginar outra razão possível para que eu escrevesse tal canção a não ser a certeza feliz de um destino grandioso para o Brasil, não se mostrou surpreso diante dos meus protestos e, rindo para Roberto e repetindo "eu sei, eu sei...", arrematou: "O que sabem as mães sobre os seus filhos?". Entendi que ele estava certo de conhecer melhor as intenções da minha composição do que eu. Isso não era novidade: eu já sabia então que as canções têm vida própria e que outros podem revelar-lhes sentidos que seu autor não teria suspeitado. Tampouco era-me de todo desconhecido o aspecto positivo que aquela canção dava à representação do Brasil. E, mais que isso, eu não era inocente do fato de que toda paródia de patriotismo é uma forma de patriotismo assim mesmo - não eu, o tropicalista, aquele que antes ama o que satiriza, e não satiriza facilmente o que odeia. Mas que aquele homem não quisesse levar em consideração o fato de na minha canção eu estar descrevendo um monstro - e era um monstro que confirmara sua monstruosidade agredindo-me a mim -, era algo que, à medida que ia acontecendo, ia-se-me tornando mais fascinante do que irritante.
Mas também eu não era de todo estranho aos interesses que uniam meu amigo Roberto e aquele suposto alquimista. O ponto de ligação entre eles era o professor Agostinho da Silva, o intelectual português que participou da formação da Universidade da Paraíba, da Universidade de Brasília, e que, como já contei, durante o período dos grandes projetos culturais da Universidade da Bahia no final dos anos 50 e início dos 60, organizou e dirigiu o Centro de Estudos Afro-Orientais em Salvador. Esse pensador heterodoxo disseminou uma forma de sebastianismo erudito de inspiração pessoana, e com isso atraiu algumas pessoas que me pareciam atraentes. Não foi sem pensar nelas que incluí a declamação do poema de Fernando Pessoa no happening da apresentação do "É proibido proibir". 
[Caetano Veloso, Verdade Tropical, 1ª edição, 1997, DIVINO, MARAVILHOSO, páginas 336-337]



". . .
Em breve os policiais nos estavam conduzindo até o interior do avião que nos levaria para a Europa e um deles me disse:
"Não volte nunca mais. Se pensar em voltar, venha se entregar logo que chegue para nos poupar trabalho!.

Saltamos em Lisboa na manhã seguinte sem que eu tivesse dormido um só segundo. Guilherme Araújo - que tinha ficado na Europa sem poder voltar ao Brasil desde o episódio do Midem - estava nos esperando no aeroporto em companhia de Roberto Pinho. Conversamos muito sobre que rumo tomar. Guilherme já tinha se decidido por Londres (já que nem cogitaríamos de ir para os Estados Unidos), mas queria que víssemos com nossos próprios olhos. Ficamos cerca de uma semana em Portugal. Tivemos tempo de passar um dia em Évora, de ir a Sesimbra (onde o suposto alquimista fez a interpretação sebastianista de "Tropicália") e de ouvir fado em varias casas de Lisboa. Tudo nos era enternecedor mas deprimente. Portugal ainda estaba sob Marcelo Caetano, que era o herdeiro político de Salazar, e a impressão que se tinha era a de um povo triste jogado fora da História em um belo lugar. Dali fomos para Paris, onde nos sentimos bastante intranqüilos. Estávamos em 69 e a cidade vivia a ressaca dos acontecimentos de maio do ano anterior. O proverbial mau humor dos parisienses estava à flor da pele e os policiais nos abordavam a cada esquina para pedir documentos. Guilherme nos apresentou a Violeta Gervaiseau, irmã de Miguel Arraes, que estava exilada na França desde 64. Ela nos acolheu com um misto de carinho e firmeza que só se encontra nos verdadeiros nordestinos (os baianos não são nordestinos). Mas as adoráveis noitadas em sua casa. uma casa de gente franca, elegante e inteligente (Violeta sendo-o mais exuberantemente do que todos, antes ressaltando do que obscurecendo essas mesmas qualidades na discrição de seu marido Pierre), eram uma continuação - intensificada pela distância – dos embates ideológicos vividos no Rio de Janeiro. Assim, Lisboa era anacrônica e Paris, tensa. Londres apresentava o oposto desses dois cenários. Estável, tranqüila e na última moda, a capital inglesa, com toda a sua estranheza nórdica e não latina, e com seu clima intragável, mostrou-se a solução mais racional. Seja como for, eu mais aceitei a decisão do que influí nela, embora fingisse discutir os pontos que apareciam nas conversas. 
[Caetano Veloso, Verdade Tropical, 1ª edição, 1997, BARRA 69, páginas 420-421]



(**)
". . .
No dia seguinte, partimos para Lisboa, onde encontramos Caetano, Gil e Guilherme Araújo, que passavam uma temporada na cidade a caminho do exílio em Londres. Eles ficaram dois meses presos no Rio e depois de breve liberdade condicional na Bahia e de um apoteótico show de despedida no Teatro Castro Alves, foram mandados embora: seriam presos se voltassem.

Era a primeira vez que os encontrava, desde o show na Sucata. Gil me pareceu muito bem, mais leve, alegre e animado. Caetano nem tanto, parecia mais tristonho, meio murcho. Guilherme animadíssimo, chamando todo mundo de “meu querido” e fazendo planos. Era divertido ver a reação dos portugueses, em plenas trevas salazaristas, diante das calças estampadas de Caetano descendo o Bairro Alto:
“Florzinha! Florzinha!”, gritavam os gajos. E Caetano ria. . . ."


[Nelson Motta, Noites Tropicais1ª edição, Novas alianças, página 195]


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