martes, 4 de junio de 2024

2012 - OÁSIS DE BETHÂNIA

 




Foto: José Raphael Berrêdo 



29 de março de 2012

Bethânia lança 50º disco e prepara show para o segundo semestre

De fora do álbum, Caetano terá música incluída no palco, promete cantora.

Aplicativo e rádio são lançados nesta quarta (28/3); CD sai na sexta (30/3).

José Raphael Berrêdo (Do G1 RJ)


A foto de Gringo Cardia na capa do 50º CD de Maria Bethânia, que chega às lojas na próxima sexta-feira (30), mostra o sertão de Alagoas, numa paisagem silenciosa. Trata-se do "Oásis de Bethânia", título do disco, e o retrato do lugar que a cantora imagina para se manter centrada, com os pés no chão. 

"Sertão é onde não tem nada. Não tem água. Falta tudo. É um limite que Deus coloca. Para mim, é como se fosse uma fonte, uma nascente pura. Tenho sempre que lembrar que existe esse lugar no meu país. Me bota do tamanho que eu sou. É a vida seca. É o filho de Deus, criado sem apoio, sem ajuda, sem nada. Retrata muito a coisa árida do mundo, e ao mesmo tempo o amor que o sertanejo tem por sua terra", explicou a cantora nesta quarta-feira (28), na entrevista coletiva para o lançamento do novo trabalho, em Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro.

 

 

"O sertão me coloca do 
tamanho que eu sou"

 

Bethânia

 

Em cada uma das 10 faixas (metade delas inéditas), Bethânia convidou um artista para fazer arranjo original, sobre música autoral ou não. Djavan assina sua própria e inédita "Vive", na qual ainda toca violão. Lenine cria sobre "Velho Francisco", de Chico Buarque ("Precisava de mais pegada, o Chico é suave e o Lenine dá uma pancada", explicou). Hamilton de Holanda, Jorge Helder, Jaime Além, Maurício Carrilho, Marcelo Costa e André Mehmari também assinam canções intepretadas pela Abelha Rainha da MPB. 

"Como o Brasil tem apresentado uma geração de extraordinários músicos, queria estar perto deles de algum modo. Como sou muito intérprete, mais do que cantora, era um sonho que não sabia se poderia realizar. Tive a alegria de eles se interessarem. E vieram lindos, amorosos. O resultado saiu como eu queria." 

Um compositor em especial ficou de fora: o irmão Caetano Veloso. "Na primeira lista ele estava, com uma canção estranhíssima, que fez em 1967 para mim. Ele musicou um poema de Sá de Miranda. Mas quando eu terminei, vi que estava sobrando. É mais uma coisa que eu posso guardar para a cena. O espetáculo que pretendo para o disco tem que ser diferente." 


Na rede

Bethânia concordou em fazer da internet o principal meio de divulgação do CD. Ignorante confessa do meio, no entanto, deixou a cargo da gravadora as questões virtuais. "Agora tudo é internet. Vocês estarem aqui hoje eu sei que é uma coisa antiquíssima, do século 18. A gravadora procurou ver a melhor maneira e me falou que seria pela internet, como todos hoje, Chico (Buarque) e Marisa (Monte). Acho maravilhoso, legal que façam. Eu só sei fazer o que  sempre fiz, sentar e falar sobre o meu trabalho. Sei que tem um monte de coisa aí e se é útil para a música, para o trabalho, é interessantíssimo, mas confesso total ignorância", disse, provocando risos. 

O "monte de coisa" a que se refere inclui a pré-venda no iTunes Brasil - em uma semana o disco conquistou o quinto lugar entre os mais vendidos, ao lado de "21" de Adele, "The Wall" do Pink Floyd e "Nothing but the beat" de David Guetta -; um aplicativo, disponível a partir desta quarta (28) nos gadgets da Apple (iPhone, iPod e iPad), com fotos, discografia e informações sobre o novo disco; e a Rádio Maria Bethânia, com todas as músicas dela no site da Biscoito Fino e com links para o iTunes e redes sociais da gravadora.

 

'Mundo grosseiro'

Com 50 discos no currículo ("Soube ontem [terça-feira] que eram 50", confessou), a baiana ainda se emociona ao ver o trabalho concluído. "Sempre me comove. Sinto uma coisa forte porque, como artista, sou muito verdadeira, lido com coisas muito finas. Poesia, música, corda vocal, que é mais tênue que um fio de cabelo. O mundo tá grosseiro, sem classe, sem delicadeza, sem querer prestar atenção aos detalhes. Quando vejo o trabalho pronto, é sinal de que eu andei assim mesmo. É o que me conforta e me faz vaidosa. Quando penso que talvez eu fragilize e depois vejo que fiz, é um prazer." 

Primeira brasileira a atingir a marca de 1 milhão de discos vendidos, com "Álibi", em 1978, Bethânia finalmente expõe no disco outra paixão sua, a poesia. Na faixa "Carta de amor", recita, entre a letra e melodia de Paulo César Pinheiro, um texto autoral. Um dos poucos, aliás, que não foram queimados. Ela explica: "Escrevo e queimo. Acho purificador. Aquilo existe em um momento e deve desaparecer. Não pretendo ser escritora".


 

Maria Bethânia: "A estupidez faz mais barulho

No lançamento do disco "Oásis de Bethânia", na sede gravadora Biscoito Fino, no Rio de Janeiro, a cantora Maria Bethânia comentou, pela primeira vez, os ataques ao projeto de divulgação de poesia na internet, através de um blog, coordenado pelo cineasta Andrucha Waddington e pelo antropólogo Hermano Vianna. Os produtores foram autorizados a captar até R$ 1,3 milhão na Lei Rouanet. Bombardeado por críticas, o projeto terminou arquivado. Na conversa com jornalistas, Bethânia abordou de forma indireta e, por um momento, sem sutilezas, sobre a polêmica. 

"O blog, eu não abortei. Primeiro que eu nem engravidei dele (sorri). Depois, o blog é do Hermano (Vianna) e do Andrucha, meus dois amigos amados. A ideia, a sugestão, tudo deles. Eles assistiram a uma leitura minha, na Casa dos Saberes, e ficaram encantados, me passaram a ideia. Foram me convidar para ser a intérprete desses projetos, dizendo os textos. Fiquei honradíssima e falei: se me chamarem, eu vou correndo", relatou a cantora baiana. "Mas aí teve aquele desagravo tão pesado, soturno. Hermano se zangou muito e escreveu: afinal o Brasil não merecia, não precisava de poesia. E cancelou o projeto, com toda razão. Mas o projeto é dos dois. Espero que um dia eles possam fazer. Porque era útil. É bonito. (...) O meu nome ficou assim, entre o Hermano e o Andrucha, o nome que podia mais causar um frisson. E aproveitaram. Como há muito tempo, desde que eu me entendo por gente, sou muito séria, faço meu trabalho, faço minha vida sossegada, não sou de turma, não me dou, minha praia é minha praia... Isso, há muitos anos, vem causando muita reverência, muito respeito, muito reconhecimento... Chega uma hora que incomoda". 

Com pequenas pausas, ela relatou o que sentiu após os ataques, citando um trecho da música "Querido diário", presente no disco recém-lançado de Chico Buarque: "Aí aproveitaram essa coisa pra me bater. Me bateram. Mas eu andei. E eu sou como Chico Buarque: não quebro, não, porque sou macia." 

Antes desse comentário, Bethânia afirmou que "o mundo está grosseiro, está sem classe, sem delicadeza". Terra Magazine questionou se, a partir dessa percepção, ela considera que o interesse por poesia diminuiu no País. "Não diminuiu nada. É uma fome que você não imagina. Mas é assim alucinante. Não só poesia, mas literatura de um modo geral", defendeu a artista. "Você vê a bienal infantil, a loucura que é. Vi ontem que o Brasil bateu recorde mundial de visita a uma exposição. Isso é maravilhoso. A vontade, a sede, a fome de cultura é cada vez maior. Cresce no mesmo volume da estupidez. Agora, a estupidez faz mais barulho. A poesia... A Neide Archanjo repete o Baudelaire, se não me engano: a poesia é uma pétala que cai sobre o abismo... A cavalaria vem e explode sobre ela. Mas a fome existe", comparou.

 Com doze músicas, o disco "Oásis de Bethânia" inclui uma canção que não deixa de pesar como uma resposta aos detratores: "Calúnia" (Marino Pinto/Paulo Soledade), consagrada pela voz de Dalva de Oliveira, uma das principais referências da cantora ¿ "Quiseste ofuscar minha fama/ E até jogar-me na lama/ Só porque vivo a brilhar/ Sim, mostraste ser invejoso/ Viraste até mentiroso/ Só para caluniar". Brincou com os jornalistas: quem quiser que vista a carapuça. O disco traz ainda um texto escrito pela cantora em 2010: "Carta de amor", que dialoga com os versos do auge das farpas públicas trocadas por Dalva e Herivelto Martins. "Eu escrevi esse texto, entre milhares, no ano passado, nem lembro quando, e foi bom escrever. Eu precisava escrever essas palavras. Escrevi e eu precisava dizer depois essas palavras. Disse. Não sei se é bom, se é mau, se é bonito, se é feio... Certo ou errado." 

Mais adiante, Bethânia procurou não limitar o alcance da junção de letras, mas reconheceu que pode favorecer a interpretação de que representa uma resposta às críticas ao projeto de poesia. "Na verdade, primeiro que eu não escrevo pra quem eu acho que não possa compreender. Eu escrevo pra mim. Acho que eu posso me compreender um pouquinho. Pro meu analista, mostro muitas coisas pra ele, pros meus amigos, atores, diretores, Fauzi Arap, Elias (Andreato)... Pessoas de dentro da minha vida e do meu coração. Pra essas pessoas, eu escrevo. Eu acho que serviu... A escolha de 'Calúnia'. Eu sempre passo no repertório de Dalva, em qualquer trabalho. Me veio 'Calúnia' e eu disse: pronto, é um bom prólogo pra esse texto", contou Bethânia. E sugeriu: "Dentro desse contexto e de todos os outros contextos que funciona. É como roteirista de show. Tá nítido ali. Na dramaturgia, eu acho que está claro. Então, escolhi assim. Mas eu não posso dedicar: fiz isso pensando... Porque fica pequeno. Eu faço. Atinge... A brincadeira de 'Carta de amor' é porque é, sinceramente, uma carta de amor para mim. Eu escrevendo pra me livrar de demônios, angústias, dores, mágoas ". 

Segundo a cantora, o disco "se dirige para uma mudança cênica". Mas não quis adiantar detalhes do show que nascerá do seu "Oásis", cuja capa traz uma foto de Gringo Cardia do sertão de Alagoas. "O sertão é o silêncio, a resignação e a dignidade", disse. Ela também analisou, na entrevista, os trabalhos recentes de Chico Buarque, Caetano Veloso e Gal Costa. "Chico fez um dos discos mais bonitos do mundo". 

"Caetano que me deu ("Recanto"), no dia de Natal. Passamos na casa de minha mãe. Me deu de presente: 'Eu dediquei a você e ao Gil'. Eu disse: 'É o quê? Gilberto, tudo bem, músico e compositor da vida de Gal. Mas, eu?'... Ouvi o disco inteiro, lógico. É um disco que não é para ouvir toda hora, nem todo dia. Caetano é exuberante, cruel, dorido demais. Fiquei apaixonada pela primeira faixa", declarou Bethânia. Na análise do disco da companheira geracional, ela destacou a marca da autoria de Caetano. "Achei muito bem cantado. Não é um disco simples, não é um disco comum, não é um disco qualquer. Primeiro de tudo, eu acho que o Brasil, que tem no mesmo ano um disco inédito de Caetano Veloso e de Chico Buarque, isso é privilégio dos maiores. Caetano chamou a Gal para interpretar o seu ineditismo. Chico fez ele e os parceiros de música, João (Bosco) tocando... Tudo lindo. Eu acho dois trabalhos lindos, completamente diferentes, apaixonantes... Acho que é merecido, é um reconhecimento à cantora que sustentou o movimento que ele e Gil criaram. Por isso eu não entendi ser dedicado (a mim) ... Ele, Gil e Gal foram o centro do Tropicalismo. E Gal sempre foi a intérprete disso. Nada mais justo do que reconhecê-la, homenageá-la e reverenciá-la fazendo o disco. Não é um disco qualquer. É o Caetano". 

Ao fim da coletiva, a filha de Iansã correu para a frente casa da Biscoito Fino: "Vim pegar um pouco de chuva!".

 





Capa do CD 'Oásis de Bethânia' - Foto: Divulgação




1 – Lágrima (Candido das Neves)
2 – O Velho Francisco (Chico Buarque)
3 - Vive (Djavan) - Inédita
4 - Casablanca (Roque Ferreira) Inédita
5 - Calmaria (Jota Velloso) - Inédita
*Citação: Não Sei Quantas Almas Tenho (Bernardo Soares) Edição Fauzi Arap
6 - Fado (Roque Ferreira) - Inédita
7 - Barulho (Roque Ferreira)
8 – Calúnia (Marino Pinto / Paulo Soledane)
* Citação: Lágrima (Sebastião Nunes / Garcia Jr. / Jackson do Pandeiro)
9 - Carta de amor (música e letra: Paulo Cesar Pinheiro) - Inédita
* Texto: Maria Bethânia
10 – Salmo (Rafael Rabelo e Paulo Cesar Pinheiro)


No hay comentarios:

Publicar un comentario