domingo, 6 de febrero de 2022

1972 - GAL A TODO VAPOR

 
















Fotos: Maurício Cirne para Última Hora



20/1/1972

Waly Salomão


9/1/1972


















































Foto: Maurício Cirne para Última Hora


































1972
Revista Rolling Stone
N° 20
Rio, 12 de setembro de 1972



Foto: Edison




Fotos: GERALDO MELLO













































































Jornal do Commercio

7 de setembro de 1972


Transcrição da materia: Renato Contente [PERNAMBUCO - Jornal Literário da Companhia Editora de Pernambuco. 11/10/2021]


Quem não viu a pérola negra de Gal?

 

De JOMARD MUNIZ DE BRITTO

 



Gal:

Menina

perigosa,

mulher

dengosa,

anjoserpente

 

Foto: Thereza Eugênia

Não tenham medo de ouvir um grito (há muito tempo preso na garganta...), grito primal, grito liberado nestas águas de setembro que agora derramarei. Pela necessária impureza do terror lírico. Amor/terror. Nem se sufoquem com este incenso abençoando a filha sagradamente incestuosa de João Gilberto, alma gêmea de Caetano Veloso: Maria da Graça, Gracinha, Gau, Gal Costa. Porque seu nome é Gal igual a Gau. Gal sete vezes Gau. “GAUprimalGAL”. 

As sete portas de sua dengosa sensualidade transbaiana. 

Os sete minimistério de sua ambivalência: pelo menos gestual. 

Os sete encontros com a tristreza forte de Roberto Carlos e com a saúde tão contagiante de Jorge Ben. 

As sete “javenturas” (venturas, juventudes, aven. 

As sete barriguinhas de sua ver-sa-ti-li-da-de em processo “dailove”. 

Os sete mil olhares ou setecentos mil (perdi a conta, descontei) para os rostos ávidos, emilianos, ofelianos vidrados por tudo. 

Numa só noite, em menos de duas horas, Gal reviveu sete vezes sete seu itinerário como cantora mais que cantora. Como intérprete, como gracinha, como pessoa que não se assusta consigo própria. Como alguém que vem assumindo uma posição dentro da existência e da criação cultural brasileira. 

UM: Ela começou (para nós, é cla-ro/escuro, porque para Roberto Pinho o encontro foi muito anterior) numa das faixas do primeiro LP de Maria Bethania. Em SOL NEGRO, precisamente, onde Bethania toda “animus” revelava sua face de “anima” através de Maria da Graça. Duas marias. Mil marias: uma faca, outra flor; uma terra, outro sonho; uma lâmina, outra língua; uma se lançando, outa bem íntima; uma guerrilhando a partir da nordestinidade, outra chorando pelos espaços infinitos; uma diferente da outra; uma sendo o SOL NEGRO da outra. Ambas demonstrando a permanência de Jung, assim como as pinturas do indócil Chico da Silva comprovam a realidade intempestiva do "inconsciente coletivo". O Sol Negro faz parte desse "inconsciente" que raramente suportamos e que tão facilmente nos derruba. 

DOIS: Sua flor continuou adquirindo ou desenvolvendo mais carnalidade no primeiro LP de Caetano Veloso: DOMINGO — “nova, perdida, calada/ não há madrugada/ esperando por mim”… Neste domingo suas relações incestuosas com João Gilberto principiaram a correr mundo sem o mínimo perigo. Ela incorporou (literal e figuradamente: trouxe para dentro de seu “corpoflor”) a poética joãogilbertiana: não um possível "maneirismo" ou a fixação de um estilo. É bim-bom repetir: não havia nas límpidas interpretações de Gal nenhum “bossanovismo”. Ela se identificou com João Gilberto, porque se deixou possuir pelo núcleo mais profundamente terreno de sua mensagem: a modernidade para além de um delimitado tempo cronológico. A modernidade como exatidão. A modernidade tranquila: um novo modo de ser/estar presente e perene. A modernidade capaz de fazer um círculo com uma régua e um esquadro. Modernidade como "tour de force". Modernidade eterna no seu desafio. Viva, sempreviva, como a “florgalmulher”. 

TRÊS: Na terceira hora — muito mais aflitiva do que a 25ª, e muito mais brincalhona do que as horas zero da Central 2222 — foi quando Caetano, Gil e Duprat decidiram “ferrar” os donos da música populante brasiloide. Gal: musa do tropicalismo? Mas que gracinha é essa de “musismo”? Foi Gal quem colocou nos ouvidos primeiramente e logo em seguida na boca de uma extensa classe média, bem geleia geral brasileira. O “hino” intimista do tropicalismo: BABY. E este público inconscientemente cruel e estúpido e inocente e atrasado, que não podia ouvir Caetano sem resmungar, que não podia mesmo por fatalidade “histórica”, este público se deixou envolver por “GaubabyGal”. Então se deu a primeira aproximação entre o "espírito" de vanguarda pop-musical e o gosto que sempre se enrosca do grande público, que ouve rádio e sobretudo adora televisão, salve, salve! Assim, por Gal Costa o tropicalismo se transformou em força de comunicação: além das bananas e bacalhaus do precursor genial Chacrinha. 

QUATRO: Um espaço vivo de serenidade dentro da parafernália tropicalista, Gal começou a soltar os cães adormecidos ou bem guardados em seu baú de prata. Tempo do DIVINO-MARAVILHOSO. Um rompimento a partir de seus olhos acesos: “é preciso estar atento e forte!” 

Continuou sendo a mais fiel intérprete da mensagem dupla de Caetano e Gil. Dupla múltipla e cúmplice. Tempo de abertura e de sufocações. Tempo mais vivido do que escrito. 

CINCO: Dizer que Gal Costa se inspirou demais em Janis Joplin é uma besteira tão redondamente fechada quanto afirmar que a nossa Anah Lúcia Leão imitou o estilo da primeira. O que houve foi demasiada “transpiração”, como naquela famosa frase sobre criatividade: um por centro de inspiração para noventa e nove por cento de transpiração, de esforço concentrado, de tenacidade redobrada. Gal transpirou no TUAREG para transpirar ainda mais na CULTURA E CIVILIZAÇÃO. E sua transpiração foi tão contundente que chegou a perder o seu público inicial: o das carolinas muito mais margarinas do que indocilmente babys. Para reconquistá-lo logo mais expondo/explodindo Roberto Carlos como compositor forte, fazendo de sua tristeza maior uma arma aguçada: eu sou terrível, não duvidem. Tempo de transpiração: Caetano falara antes em explosão e experimentalismo. Prefiro a primeira boa palavra — transpiração — com muito mais cheiro de suor sofrido no corpo de Gal: menina perigosa, mulher perigosa, mulher dengosa, “anjoserpente”. “Gautuaregal”. 

SEIS: Introversão e extroversão do gemido, em ACAUÃ e VAPOR BARATO. Ela já está fazendo de tudo e simultaneamente: de João Gilberto a ela mesma, passando pelo pelito caudaloso e gostoso de seu mano Caetano. De Gal tudo se pode esperar, desde que possuída pelas suas próprias vibrações. Cultivando seu múltiplo olhar, entre expectante e provocativo e etc. Alisando sua barriguinha como se fosse um brinquedo consciente e concretíssimo. Seu canto sensual só encontra um correspondente único em termos de desempenho corporal: no “transbunde” de Caetano Veloso. 

SETE: Gal em nosso Ginásio dos Esportes esteve sete vezes sete: seu “demonismo” se soltou como não poderia mais. Na ponta dos pés deu mais de um rolê… Com gestos tão leves no começo/meio de cada interpretação. Com um violento levantar de João Gilberto, Caetano, Flaviola. Diva e Cosma Cósmica, uma natalense/londrina que um dia ela conhecerá e reconhecerá. Mais do que ninguém, Gal continua sabendo através do corpo, de seus olhos, de seu ventre, de sua língua. Sabendo sete vezes sete, devorou sua plateia, que nem ao menos desconfiava que estava sendo comida, num dos maiores banquetes da música viva popular livre brasileira.














No hay comentarios:

Publicar un comentario