lunes, 25 de octubre de 2021

2021 - MEU COCO

 cultura

Caetano Veloso diz que ser artista durante a presidência de Bolsonaro é “amargo”

22 outubro 2021 

(AFP) 

Ser artista durante a presidência de Jair Bolsonaro é uma experiência “triste”, afirma Caetano Veloso, astro da música brasileira, que lança um novo álbum com canções de amor, mas sem esquecer da política. 

Veloso aceitou conceder uma entrevista por e-mail para a AFP após uma apresentação de sucesso na Filarmônica de Paris no mês passado. Foi o início de um novo ciclo de turnês de grandes nomes internacionais na Europa, após muitos meses de confinamento. 

“O público era basicamente brasileiro, muito querido e alegre”, recorda. 

Ao final do show, algumas pessoas pediram a renúncia de Bolsonaro, que esta semana foi alvo de denúncias no relatório divulgado pela CPI do Senado sobre a gestão da pandemia de covid-19. 

“Quando ouvi alguém gritar ‘Fora Bolsonaro’, respondi ‘com certeza'”, recorda Veloso, que acredita que existem paralelos inquietantes com épocas sombrias no Brasil, como durante a ditadura militar. 

“Tudo o que é importante está sendo mal administrado pelo governo brasileiro. As decisões sobre a Amazônia são as mais abomináveis, assim como as muitas coisas horríveis que estão fazendo com a educação, cultura, ciência”, afirma. 

“A única coisa que parece pior que a política para o meio ambiente de Bolsonaro é sua atitude diante da pandemia de covid, que matou mais de 600.000 pessoas em um curto período”, completa. 

Viver sob Bolsonaro é “duro, triste, amargo”, resume por escrito Caetano Veloso, que reconhece, no entanto, que “há artistas (incluindo bons cantores e compositores) que o apoiam”. 

“A euforia da extrema-direita é um fenômeno mundial. De alguma maneira, os conservadores, que eram conhecidos como a ‘maioria silenciosa’, demonstram que não querem continuar em silêncio”, destaca o artista, que foi preso durante a ditadura militar.

 

– “Meu coco” – 

“Meu coco” é o novo álbum de Veloso, sua primeira obra em nove anos. Um dos destaques é a canção “Não Vou Deixar”, em clara referência ao presidente. “Foi o que eu disse diante da televisão quando Bolsonaro foi eleito”, explica. 

Mas o disco também exala carinho e amor. Carinho por João Gilberto (“Meu coco”), que Caetano considera “o artista mais importante da música popular brasileira”. 

“A bossa nova foi minha primeira paixão musical”, recorda o cantor e compositor. 

“Ciclâmen do Líbano” é uma canção de amor, que curiosamente tomou uma rumo inesperado, explica Caetano Veloso. “Repito a palavra Líbano em um ritmo lento, repetitivo”, assim o ouvinte tem a impressão de que a composição é dedicada ao país do Oriente Médio que enfrenta uma profunda crise. 

“O conteúdo é explicitamente terno e sexual. Mas todo mundo pensa inevitavelmente nos momentos amargos que este país está passando. Já estive em Beirute e sei como esta terra e seu povo são lindos”, explica.

 

– Amor e humor – 

“Noite de cristal”, composta nos anos 1980 para sua irmã Maria Bethânia, é sobre “o telhado de nossa casa em Santo Amaro, na Bahia. Conseguíamos ver parte da lua, ou sua luz, de nossas camas”. 

“Enzo Gabriel” aborda a grande influência da televisão. 

“Gabriel sempre foi um nome comum e popular no Brasil. Enzo é um nome italiano, começou a ser conhecido depois que uma estrela da televisão deu o nome Enzo a seu filho, há uns 20 anos. A combinação de Enzo com Gabriel é nova. E fiquei surpreso como este nome composto foi o mais popular em 2018 e 2019 no Brasil”, disse. 

Aos 79 anos, Veloso rejeita comparações com artistas como o Prêmio Nobel de Literatura Bob Dylan, que ele admira. 

“As últimas canções que ele apresenta estão cheias de nomes e reflexões sobre sua geração e as pessoas que o influenciaram. E tudo isso tem algo em comum com meu novo álbum, mas eu escrevi minhas músicas entre dezembro de 2019 e janeiro de 2020”, explica por e-mail. 

“Os nomes sempre foram um elemento frequente tanto nas minhas letras quanto nas de Bob Dylan. Mas eu sou apenas um simples cantor brasileiro, não acredito que mereço ser comparado com ele”, acrescenta.



ISTOÉ
Edição n° 2701
22/10/2021

 

CULTURA

Caetaneamente

O que se passa na cabeça de Caetano Veloso? A resposta está no belo e contundente “Meu Coco”, seu primeiro álbum de canções inéditas em nove anos


Foto: Fernando Young

Felipe Machado

22/10/21 

Com o passar dos anos, é comum ver personalidades curtindo a aposentadoria e vivendo do sucesso do passado. Mas quem disse que Caetano Veloso é comum? Aos 79 anos, o compositor baiano acaba de vencer mais uma vez o maior desafio de um artista, em qualquer idade ou época: manter-se relevante.

Na freudiana canção que batiza seu novo álbum, “Meu Coco”, Caetano se questiona: “João Gilberto falou / E no meu coco ficou / Quem é, quem és e quem sou?”. Já no texto de apresentação, anuncia com falsa humildade: “sinto que já fiz canções demais”. Nem questionamentos, nem modéstia exagerada: uma música nova de Caetano é sempre uma bela surpresa – uma coleção com doze delas, então, é uma dádiva. Seu novo disco, “Meu Coco”, é uma obra híbrida que combina a modernidade (“Não Vou Deixar”, “Anjos Tronchos”) com canções que remetem ao passado (“Sem Samba Não Dá”, “Pardo”). Há lugar até para um fado, “Você-Você”, com participação da portuguesa Carminho e bandolim de Hamilton de Holanda. No geral, a sonoridade se aproxima de “Abraçaço”, seu álbum mais recente, de 2012. A diferença é que traz mais timbres eletrônicos, provável solução encontrada pelo produtor Lucas Nunes para superar as dificuldades de gravar um disco em um estúdio caseiro. Em termos de arranjos, há, novamente, a marca registrada do guitarrista Pedro Sá, parceiro constante de Caetano desde 2006, quando gravou “Cê” e se tornou o principal responsável pela sonoridade contemporânea do compositor baiano desde então. 

As letras de “Meu Coco” são afiadas, como Caetano sempre é. Formam intrincados mosaicos de ideias, poemas pós-modernos cujas palavras se enroscam entre si e dão à luz labirintos semânticos. Há desde os cânticos indígenas de “Gilgal” (“Ele me ensinou / O sentido do som / E eu quis ensinar / O sem som do sentido”) a uma canção de ninar para seu neto Benjamim, “Autocalanto” (“O que é mesmo que isso me ensina / Um ser que si mesmo se nina?”). Uma curiosidade que permeia quase todas as canções é a série de homenagena a outros artistas, de Nara Leão a Elis Regina, de Djavan a Jorge Ben. São, ao todo, dezenas de citações. Caetano explica: “Nomes são uma constante em meu trabalho e agora voltaram a ser o centro da conversa. Daí vieram ‘Enzo Gabriel’, ‘Gilgal’ e a lista de ‘Sem Samba não dá’. Adoro nomes”, afirma o músico à ISTOÉ. 

Para Caetano, cada faixa do novo álbum tem vida e personalidade próprias. “Esse é um disco de quantidade e intensidade”, define. Entre tantos acertos, há algo em que Caetano errou. Definitivamente, ele não fez canções demais. Pelo contrário: é sempre bom ouvir o que sai do seu coco.

 

Entrevista | Caetano Veloso

 

“Quis fazer algo que soasse livre e novo”

 

- Você começa o texto de apresentação do novo álbum dizendo: “muitas vezes sinto que já fiz canções demais.” O que o repertório de “Meu Coco” têm que te fez sentir necessidade de trazê-lo à luz após nove anos sem músicas inéditas?

Não senti que tivessem se passado 9 anos. Fiz outras coisas. Com colegas, com meus filhos… De fato acho que fiz canções demais ao longo das décadas. E vejo falta de rigor. Senti necessidade quase física de fazer um disco com novas canções. Principalmente depois que fiz “Meu Coco”, a canção. E fui em frente.

 

- A canção “Meu Coco” soa tão original como híbrida: as estrófes são cantadas no contratempo, enquanto o refrão traz uma melodia simples e bela. Seria uma boa metáfora para o que acontece no “seu coco”, a vontade de ser original disputa espaço com a beleza clássica?

O refrão ecoa “Se todos fossem iguais a você”. A batida cortada da primeira parte foi o que me animou a querer gravar novo disco. Quis fazer algo que soasse livre e novo. Ia pesquisar timbres. Conversei muito com meu filho Zeca, que conhece tudo o que rola (e muito da história do que rolou), ele é meu conselheiro. Mas veio a pandemia e tive de ficar parado esperando. A vontade de ser original dominava no nascimento do projeto, antes da pandemia. Depois de um ano, com uma travada na composição nos primeiros meses, pode-se dizer que o que você chama de beleza clássica ficou mesmo disputando espaço com a experimentação.

 

- Várias letras trazem homenagens a figuras da MPB: Nara Leão, Maria Bethânia e Elis Regina em “Meu Coco”; Pixinguinha, Jorge Ben e Djavan em “Gilgal”; Noel Rosa, Tom Jobim e Chico Buarque em “Você-Você”. Foi consciente? Por quê?

Não foi planejado. Mas é claro que tive consciência da frequência alta de nomes da minha geração e da história da nossa música. Devo isso a ter feito a canção “Meu Coco”. Nomes são uma constante em meu trabalho, desde sempre. Uma das minhas primeiras músicas, anterior a “Coração vagabundo”, tem Brigitte, Belmondo, Orlandivo, João Gilberto… Em “Meu Coco” nomes voltaram a ser o centro da conversa. Daí vieram “Enzo Gabriel” e “Gilgal” (nesta, desde o título) e a lista de “Sem Samba não dá”. Quando essas coisas já estavam feitas, li a letra e ouvi a canção nova de Bob Dylan e achei graça da coincidência. As novas dele são lindas. E, claro, ele também tem uma obra cheia de nomes. Adoro nomes. 


- Você diz que, agora que o disco está pronto, pretende pesquisar por quê os brasileiros gostam de batizar os filhos com nomes em inglês. Uma pesquisa sociológica muitas vezes nasce de uma tese inicial que busca comprovação. Qual seria a sua, aqui?

Não tenho nem um esboço de tese inicial. Apenas uma pergunta sobre a escolha de nomes de presidentes dos EUA da época da revolução americana para batizar meninos pobres e pretos do Brasil. Esses presidentes tinham escravos negros. 


- Você aborda a tecnologia de forma crítica em “Anjos Tronchos”, mas tem uma legião de seguidores e um domínio muito bom da própria imagem no ambiente digital. Você se envolve com isso? Tem interesse nesse mundo, acompanha?

Sinceramente, não. Ou muito pouco. A equipe que trata disso é composta por gente de quem gosto, mas eu próprio nem vejo redes sociais. Faço alguns posts e mando. Paulinha e Danilo sabem que dia e hora o post deve ser publicado. E, claro, eles postam alguns por mim, com informações sobre eventos e celebrações óbvias. Mas sempre me mostram ou dizem para eu aprovar.

 

- Umberto Eco disse que “o drama da Internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade.” Como você vê esse fenômeno do ponto de vista de uma pessoa pública, cujo dia a dia é exposto online? O mundo deveria abolir as redes sociais ou há algo de positivo nelas? Como combater a desinformação sem cair na censura?

Difícil saber. Mas algo tem de ser feito. Alguma regulação sábia tem de aparecer.

 

- Em “Anjos Tronchos” você cita “palhaços líderes brotaram macabros”. É uma referência aos Trumps, Bolsonaros e Erdogans da atualidade? Como você vê, historicamente, essa ascensão da direita autoritária? Onde o mundo errou?

O mundo nunca parou de errar. Aprenderá? De todo modo, vejo essa direita ruidosa falar pelos conservadores (que eram a “maioria silenciosa”) como se isso fosse também um sintoma de fraqueza. O que não diminui o grau de risco que há no fenômeno. Só sinto que isso não vai dar numa vitória estável do conservadorismo.

 

- O disco traz canções de vanguarda, mas outras com o DNA indiscutível de “hit” destinado ao sucesso –“Não Vou Deixar” e “Anhos Tronchos”, por exemplo, o que no jargão a indústria chama de “singles”. Como compositor experiente, quando você compõe já sabe qual das canções será o single? Elas nascem de forma diferente? Você as trata de forma diferente?

Quando escrevi e gravei “Anjos Tronchos” não imaginei que fosse uma canção pop, muito menos de fácil sucesso, com cara de single. “Sem samba não dá” pode ser. Quanto a “Não vou deixar”, esta chegou a ser minha preferida – tanto por sua inventividade quanto por seu potencial pop. Mas todos os entendidos da Sony acharam “Anjos Tronchos” a melhor escolha para primeiro single. Minha própria escolha era “Meu Coco”, que pra mim é a nave-mãe. Mas eles argumentaram que esta, além de ser o título, é a primeira faixa, portanto já vem destacada. Achei curioso e, para mim, desafiador que “Anjos tronchos” saísse antes. Paguei pra ver. Na verdade, eu só pensava que os ouvintes iam achar que o novo disco era uma continuação de Abraçaço, da trilogia da BandaCê. 


- “Sem Samba Não Dá” é um delicioso samba tradicional. Foi vontade de resgatar a tradição ou trata-se de um estilo definitivo, perfeito, que é melhor nem tentar subverter?

Não vejo assim. Fiz o samba pra Pretinho da Serrinha, que tinha me perguntado se no novo disco não haveria um samba pra ele tocar. Mas fui direto para as proximidades do sambanejo e do pagode pós-moderno. Acordeon, tom alto, modulações harmônicas surprendentes sob melodia de intervalos repetidos, até cair num refrão bem tradicional, quase samba-de-roda, raiz. É um comentário geral sobre o que se vem fazendo com o samba hoje. Pretinho sacou logo.

 

- No passado, as pessoas criticavam a “ditadura” das gravadoras, mas havia uma curadoria que deu ao mundo Caetano, Chico, Gil, além de Beatles, Led Zeppelin, Miles Davis. Hoje, com o streaming, além de não ganhar mais com a venda de discos os artistas enfrentam mais um intermediário: as plataformas digitais, onde apenas os que têm bilhões de visualizações ganham dinheiro. Você acha que as empresas deveriam rever esses valores? Os músicos deveriam brigar por uma parcela maior? Que risco isso representa para artistas que não são tão “comerciais”?

Me dizem que a cada sexta-feira sai um número enorme de gravações. Autores não ganham quase nada. É um mundo diferente, que precisa ser domesticado, regulado. Difícil. Mas muitos dizem que o rádio, quando apareceu, também causou sensação semelhante. A ver.

 

- Temos visto um desmantelamento de todos os instrumentos de promoção da cultura pelo governo federal, da Ancine à Fundação Palmares. O Brasil vai sobreviver ao governo Bolsonaro? O que a sociedade e os artistas podem fazer para recuperar o setor? Quanto tempo isso levará?

Talvez os esforços de reconstrução – ou de nova construção – das atividades culturais venham a ser demorados. Destruir é mais rápido do que construir. Mas acho que o Brasil não é tão desalmado assim. Nas minhas novas canções até digo o contrário. “Não vou deixar” é a voz de Jorge Veiga, de Aracy, de Glória Groove e de Ferrugem. É muita potência estética para ser destruída pela mediocridade e pela ignorância. Mesmo que alguns dos bons músicos tenham votado em Bolsonaro ou se mantenham hipnotizados pela sua confusão. 


- É comum ver em artistas com longas carreiras uma tendência a reduzir as atividades ou se dedicar a repertórios consagrados. Você age ao contrário: incorpora modernidades, redescobre sonoridades com músicos mais jovens, lança material inédito de qualidade. De onde vem essa força? De uma necessidade intrínseca de se expressar? Do ego, que precisa ser alimentado? Do sentimento de “criar é mais importante que ser feliz”, como dizia Glauber Rocha?

Vem de tudo isso.




LANÇAMENTO

“Meu Coco”, de Caetano Veloso: álbum clássico e innovador - Divulgação





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