16/11/2015
Teresa Cristina canta Cartola: um poeta de Mangueira Theatro Net Rio (RJ) |
CD + DVD - Gravado em 16 de novembro de 2015 em apresentação do show da cantora carioca no Theatro Net Rio, na cidade do Rio de Janeiro (RJ). |
16/11/2015 |
Release escrito por Caetano Veloso sobre Teresa
canta Cartola, novo álbum de Teresa Cristina
"Teresa Cristina surgiu, junto ao Grupo Semente, como uma autoridade natural do mundo do samba. Toda sua dignidade pessoal potencializava a dignidade social que o samba ganhou ao longo de sua história. Era como se esse ritmo, visto em seus começos como uma ameaça à sociedade - que decidia botar a polícia contra sua prática - tivesse galgado a escala e, passando de Donga a Noel (Rosa), de Ary (Barroso) a Zé Kétti, de Aracy (de Almeida) a Elza (Soares), tivesse chegado, com Teresa, a um grau definitivo de respeitabilidade. E parado ali. O CD duplo com canções de Paulinho da Viola registrava essa estação. Mas o show que vimos no Theatro Net Rio foi muito além disso. Teresa apresentou uma gama de tons e sentimentos diferenciados, a variedade refletindo o conhecimento de música popular que ela guarda desde a meninice.
"Teresa Cristina surgiu, junto ao Grupo Semente, como uma autoridade natural do mundo do samba. Toda sua dignidade pessoal potencializava a dignidade social que o samba ganhou ao longo de sua história. Era como se esse ritmo, visto em seus começos como uma ameaça à sociedade - que decidia botar a polícia contra sua prática - tivesse galgado a escala e, passando de Donga a Noel (Rosa), de Ary (Barroso) a Zé Kétti, de Aracy (de Almeida) a Elza (Soares), tivesse chegado, com Teresa, a um grau definitivo de respeitabilidade. E parado ali. O CD duplo com canções de Paulinho da Viola registrava essa estação. Mas o show que vimos no Theatro Net Rio foi muito além disso. Teresa apresentou uma gama de tons e sentimentos diferenciados, a variedade refletindo o conhecimento de música popular que ela guarda desde a meninice.
Fiquei impressionado com a cultura musical de Teresa quando a convidei para participar de um dos shows da série Obra em progresso, durante a feitura do CD Zii e Zie: ela sabia todas as minhas canções, me reensinando as que eu tivesse esquecido. Depois vi que ela conhecia igualmente a obra de Roberto Carlos, e de Cazuza, e de Supertramp e de quem mais você pensar. No show que ela fez com a banda Os Outros, com canções de Roberto, ela mantinha a segurança que apresentava nas interpretações de sambas. Mas não parecia ainda sair de uma zona protegida. Agora, com as canções de Cartola, é uma artista cheia de nuances que aparece. Sua elegância em cena, a propriedade espontânea de cada gesto, o humor, a riqueza de colorido em sua afinação segura, tudo revela uma cantora-criadora, uma artista da canção. Os sambas de Cartola surgem mais precisos e mais tocantes do que nunca. O show é uma antologia composta por uma especialista superior.
A adequação do canto de Teresa ao violão de Carlinhos Sete Cordas é mais do que perfeita. É mágica. Carlinhos é um instrumentista esplêndido, a limpidez de seu toque vem da intimidade com tudo o que aconteceu com o samba desde o começo do século 20. Estão ali os primeiros batuques, o brilho dos virtuoses, as condensações harmônicas da bossa nova. Mais: nele se percebe o samba enriquecendo a música em sua totalidade histórica. A tranquilidade com que cada acorde escolhido sugere a entrada da voz de Teresa refina a alma do ouvinte. E Teresa cresce a cada melodia, a cada palavra, a cada segundo. Todos os brasileiros deveriam ver e ouvir o que se passou no Theatro Net Rio naquela noite.”
Caetano Veloso
2016 |
2016 |
23/9/2016
Theatro Net Rio – Rio de Janeiro (RJ)
Estreia nacional do show
Caetano Veloso apresenta
Teresa Cristina canta Cartola
Roteiro Caetano Veloso
1. UM ÍNDIO (Caetano Veloso, 1976)
2. OS PASSISTAS (Caetano Veloso, 1997)
3. LUZ DO SOL (Caetano Veloso, 1982)
4. MEU BEM, MEU MAL (Caetano Veloso, 1981)
5. ESSE CARA (Caetano Veloso, 1972
6. O LEÃOZINHO (Caetano Veloso, 1977)
7. MENINO DO RIO (Caetano Veloso, 1979)
8. MINHA VOZ, MINHA VIDA (Caetano Veloso, 1981)
9. CUCURRUCUCÚ PALOMA (Tomás Méndez, 1954)
10. RECONVEXO (Caetano Veloso, 1989)
11. LOVE FOR SALE (Cole Porter, 1930)
12. BAHIA, MINHA PRETA (Caetano Veloso, 1993)
13. BRANQUINHA (Caetano Veloso, 1989)
14. TÁ COMBINADO (Caetano Veloso,1986)
15. ENQUANTO SEU LOBO NÃO VEM (Caetano Veloso, 1968)
16. FORÇA ESTRANHA (Caetano Veloso, 1978)
17. A LUZ DE TIETA (Caetano Veloso, 1996)
Juntos
18. TIGRESA (Caetano Veloso, 1977)
19. MIRAGEM DE CARNAVAL (Caetano Veloso, 1996)
20. COMO 2 E 2 (Caetano Veloso, 1971)
21. DESDE QUE O SAMBA É SAMBA (Caetano Veloso, 1992)
Bis
22. ODARA (Caetano Veloso, 1977)
O GLOBO
11/11/2016
Música
Caetano Veloso: ‘O Brasil deve repensar tudo’
Em turnê com Teresa Cristina, músico condena
'histeria absurda' sobre a Rouanet e chama Trump de 'piada que vira pesadelo'
Foto: Rafael Berezinski |
por Leonardo Lichote
RIO — Em conversa por e-mail, Caetano Veloso
diz o que parece guiar todo o seu pensamento: "vivemos um período de
grandes dificuldades". Mas nega que seja mais cobrado por suas opiniões
hoje do que em outros tempos: "Talvez porque não olhe redes sociais".
Com show marcado para esta sexta-feira e este sábado, ao lado de Teresa
Cristina, no Vivo Rio, ele chama de "histeria absurda" a
"demonização da Lei Rouanet", conta que não se surpreendeu com a
eleição de Donald Trump (um político "desses que surgem como piada e
tornam-se um pesadelo"), chama João Doria de "muito yuppiezinho"
e critica a "visão difundida contra os evangélicos".
Em 2008, você comentou que Teresa Cristina
representava uma "reserva indígena do samba". Como se aproximou dela?
Comprei o disco de Teresa com os sambas de
Paulinho (a estreia da cantora, em 2002) logo que saiu. Quando ouvi
achei que ela cantava tudo com correção e respeito mas de forma quase neutra.
Ao chegar perto dela na série que apresentei durante a feitura do "Zii e
zie" ("Obra em progresso", em 2008), me impressionei com
o conhecimento que ela tem do meu trabalho. E logo fui vendo que ela conhecia
muita música além da minha e dos sambas que cantava na Lapa. Minha piada sobre
a "reserva indígena do samba carioca" não surgiu em relação a ela. Eu
me referia à nova onda pós Zicartola que cresceu para dentro dos ambientes
próximos ao samba de morro. Houve uma superespecialização e uma
supercarioquização do samba. Sabe como é, sou baiano, "o samba nasceu foi
na Bahia", como dizia Vinicius, ecoando anos de apoteoses no Cassino da
Urca. Cresci sabendo que o samba era Herivelto, Caymmi, Ary, Noel, Aracy,
Ataulfo, Jorge Veiga, Assis Valente, Carmen Costa, Elizeth... e também os
carnavais de Linda e Dircinha, Dalva, Emilinha e Marlene, enfim, uma música do
povo brasileiro. Depois houve um resfriamento. E um reaquecimento com dois
gumes: o "pagode" (que tinha sido raiz como atesta o nome artístico
de Zeca) tornado fenômeno comercial e o ensimesmamento do samba
"autêntico" carioca. No fim, a reserva indígena mundial do rock se
mostrou mais restritiva do que a do samba. Gosto de tudo, mas sou cheio de nó
pelas costas.
Há uma cobrança da esquerda por seu
posicionamento político hoje. Essa cobrança é comparável à que você recebia na
ditadura?
Há cobrança dirigida a mim? Não vejo muito
isso. Talvez porque não olhe redes sociais. Já me senti mais cobrado em outros
períodos de minha vida. Não há nada agora semelhante à vaia a "É proibido
proibir", à campanha contra os "bahiunos" do "Pasquim"
ou à guerra contra a "patrulha odara". Vivemos um período de grandes
dificuldades, e todo mundo percebe isso. Mesmo os que tentam simplificar sabem
que estão fingindo.
O Ministério da Cultura por pouco não deixou
de existir, a Secretaria Estadual de Cultura do Rio acaba de ser extinta, e a
Secretaria Municipal de Cultura também corre o risco de se fundir a outra (ou
outras). O que acha que isso representa para a Cultura?
Quando Temer extinguiu o MinC, chiei contra a
decisão. Eu e muita gente. Ele, mal entrado no poder, recuou. Escrevi em defesa
de um grupo que, dentro do ministério, estudava direitos autorais na era
digital. Entendo pouco e mal do assunto. Mas confiava na Diretoria de Direitos
Intelectuais. Fui cantar no Ocupa MinC, no Capanema. E, junto com outros
membros da Associação Procure Saber, aceitei conversar com o ministro. Que foi
gentil e pareceu aceitar nossas sugestões. No fim, Marcos Souza (que comandava
a DDI) foi fritado e seu grupo desmantelado.
Como você avalia a atuação do ministério?
Trabalho muito, não tenho tempo de ficar
estudando tudo o que faz ou deixa de fazer o MinC. Sei que o governo está
centrado em fazer parecer que cuida do problema fiscal e ponto. O ministro não
deve poder muito. É capaz até de ele ouvir quem não deve, dada a fragilidade da
situação. O comentário dele sobre o elenco do filme "Aquarius" foi
infeliz. Sonia Braga respondeu muito bem.
Há uma CPI da Lei Rouanet. Devemos repensar o
modelo de incentivo à cultura?
O Brasil deve repensar tudo. Agora, a
demonização da Lei Rouanet, alardeada por ignorantes, é histeria absurda. Me
contam que dizem que nós artistas mamamos na tetas do governo do PT e por isso
reclamamos. Não mamo em nada. As palavras de apresentação da CPI reproduziam um
site grosseiro, e a maior parte das queixas de malucos que escrevem para
redações e se multiplicam nas redes sociais é feita de ressentimento e
desinformação. Que venha CPI, o diabo, a verdade há de prevalecer, mesmo que
seja desrespeitada por algum tempo.
Você acompanha o movimento de ocupação das
escolas?
Acompanho pouco. A imprensa não deu muito
espaço nem explicação. E viajei muito. Agora, minha tendência natural é
simpatizar com os adolescentes.
Você esteve perto de Gil ao longo de seu
tratamento. Como foi vê-lo enfrentar a demanda física da turnê que vocês
fizeram?
Fiquei preocupado logo após a primeira
internação. Tomei susto. E ele voltou pra Bahia, para fazermos o show no Farol
da Barra, muito abatido. Estávamos às vésperas de sair em viagem de turnê
longa. Mas ele mesmo me disse (e um médico me assegurou) que iria melhorar com
o tratamento que mal começara. Ele de fato melhorou consistentemente durante a
viagem. Na terceira cidade ele já estava firme no canto e no violão. Desde
então, ele tem melhorado.
O que representa a vitória de Crivella no Rio
e de Doria em São Paulo?
O caso do Rio me parece melhor. Fiz a
campanha de Freixo desde o primeiro até o último momento. Mas não me identifico
com essa visão difundida contra os evangélicos. Penso mais como Mangabeira (Unger).
Já Doria é muito yuppiezinho.
E a eleição do Trump nos EUA? Você acredita
que ela faz parte de uma onda conservadora internacional? O filósofo Slavoj
Zizek disse que o perigo real seria Hillary.
Sem dúvida a eleição de Trump (que para mim
não foi assim tão surpreendente: eu achava que muita gente que ia votar nele
não dizia isso) tem semelhança com o Brexit e com o resultado do plebiscito
sobre o acordo com as Farc na Colômbia. Os populistas de direita na Europa
todos celebraram. A frase de Zizek é compreensível. Não é só uma frase de
efeito chocante (coisa de que ele gosta muito). Hillary seria a reafirmação da
política convencional americana, e era certo o aumento da tensão com a Rússia.
Leia os artigos de Pepe Escobar. E Hillary é guerreira. Trump é uma maluquice,
o tipo de político de que não gosto. Desses que surgem como piada e tornam-se
um pesadelo. Ecoando Mautner, liguei o nome dele aos de Jânio e Hitler, num
artigo maluco que escrevi (antes de Temer virar presidente) para a revista
on-line "Fevereiro". Mas é assim que vamos aprendendo a viver estes
nossos tempos.
ENCONTRO QUE FLUI NO PALCO
Anos depois de ter conversado com Teresa
Cristina sobre a “impressão de neutralidade” que teve ao ouvir o disco que ela
fez sobre Paulinho da Viola, Caetano viu “maravilhado” ela cantar Cartola ao
lado de Carlinhos Sete Cordas.
—Ela tinha entendido tudo dos meus
comentários — diz, referindo-se ao show que originou “Caetano apresenta Teresa”.
Além de Cartola, o roteiro tem músicas de
Caetano como “Miragem de carnaval” e “Tigresa”. Teresa celebra o encontro:
— Gravar “Gema” era um sonho, cantava muito
em casa, assim como cantava “Como 2 e 2” desde os quatro anos. Caetano faz uma
letra dessa, forte, e mantém o olhar delicado, atento à performance. E a
interação dele com o Carlinhos deu a tônica do encontro. Flui. A gente tem se
divertido, viu?
SERVIÇO
"Caetano apresenta Teresa"
Onde: Vivo Rio - Av. Infante Dom Henrique, 85 (2272-2901)
Quando: Nesta sexta-feira e neste sábado, às 22h
Quanto: De R$ 80 a R$ 220; Classificação: 18 anos.
"Caetano apresenta Teresa"
Onde: Vivo Rio - Av. Infante Dom Henrique, 85 (2272-2901)
Quando: Nesta sexta-feira e neste sábado, às 22h
Quanto: De R$ 80 a R$ 220; Classificação: 18 anos.
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"Não sinto diferença entre ser Caetano Veloso e
ser Caetano, ser eu", disse o artista.
O Estado de S.Paulo
11 Novembro 2016
‘Eu gostaria de ter mais
talento’, diz Caetano Veloso
Em entrevista ao 'Estado', cantor fala sobre
política, a saúde de Gilberto Gil, as qualidades de Rita Lee e o samba de
Cartola na voz Teresa Cristina, que o faz seguir nos palcos.
Julio
Maria
Se comparado ao homem de 30
anos atrás, Caetano Veloso é um monge chinês. Menos passional, mais reflexivo,
suave e contemporizador. Ao se preparar para trazer o show que faz com a
sambista Teresa Cristina, dia 17, ao Espaço das Américas, ele fala ao Estado
com respostas generosas mas sob a segurança antirréplicas garantida pelo
conforto do computador. Caetano, para além do samba de Teresa, diz sobre a
reaproximação com Roberto Carlos pós-desentendimentos no grupo Procure Saber
(“nossa amizade está acima dessas coisas”), desconstrói repulsas à Igreja
Universal, da qual faz parte o prefeito eleito do Rio, Marcelo Crivella
(“consumismo e ostentação não é o forte deles”) e expõe uma fragilidade
artística surpreendente: “Rita Lee é mais musical e canta com muito mais
segurança do que eu... Eu gostaria de ter mais talento”.
O que o leva ao encontro de Teresa Cristina
no momento em que todos pensavam que você iria descansar depois de tantos shows
da turnê com Gil?
Eu tive
uma conversa com Teresa antes de ela apresentar o show no Net Rio e isso
repercutiu na atuação dela. Assistindo ao show, fiquei maravilhado. O que me
fez, depois, topar viajar com ela para me apresentar apresentando-a foi a
decisão de Bob Hurwitz, o presidente do selo Nonesuch, de lançar o CD e o DVD
do Canta Cartola mundialmente. Ele ficou entusiasmado com o que ouviu e viu e
me animou a voltar a Nova York para reforçar o lançamento. Paralelamente, ele
vem me pedindo que faça gravações exaustivas do meu repertório, em sessões de
voz e violão, para uma série de CDs que ele sonha em lançar, como vem fazendo
com a obra de Randy Newman, sem limite de tempo e independentemente de
quaisquer projetos outros que eu venha a realizar. Não fechei essa combinação
com ele, mas fiquei curioso e fui rever coisas do meu repertório. Comecei por
experimentar músicas que não estivessem no show com Gil. Com isso em mente,
disse finalmente a ele e a Paulinha (Paula Lavigne, sua empresária) que faria
as apresentações com Teresa. Sim, eu queria e precisava descansar, mas a
proposta era irresistível e os shows eram poucos: seis em um mês, com muitos
dias de descanso.
Teresa
Cristina é uma sambista que, poucos sabem, começou sua experiência musical
ouvindo bandas de rock. O que chamou sua atenção desde que a viu?
Descobri
a cultura musical de Teresa quando ela foi fazer um dos shows de preparação do
Zii e Zie comigo. Sabia todas as minhas músicas. E as de Roberto Carlos. Quando
fez um show com a banda de rock Os Outros, no Tom Jobim do Jardim Botânico, fui
ver. Repertório de Roberto Carlos. Depois fiquei sabendo que ela conhecia muito
heavy metal. Na turnê encontramos os caras de uma banda gringa cujo nome eu nem
sei e Teresa ficou excitada por ver esses músicos de quem ela tinha sido fã. No
show com as músicas de Cartola, ela apresenta muito do colorido da formação do
seu gosto. Não é ‘flat’. E o canto dela com o violão de Carlinhos Sete Cordas é
pureza estética.
Sobre
Gilberto Gil, como têm sido esses tempos de tratamento de seu amigo? Existe uma
grande preocupação rondando sua saúde. Como vem sendo a relação de vocês? Gil
canta tanto que não tem medo da morte, mas diz ter medo do ‘ato do morrer’.
Eu adoro
essa música, é epicurista. Lindos os versos “Não tenho medo da morte / Mas medo
de morrer, sim/ A morte é depois de mim/ Mas quem vai morrer sou eu”. Admiro e,
no fundo, tenho uma certa inveja. Porque eu tenho medo da morte. Não estou tão
seguro de que estarei presente e consciente no momento de morrer. Tenho medo,
em geral, da ideia de não estar presente, de não ser. Tive grande preocupação
com Gil quando ele foi hospitalizado pela primeira vez. Depois, vi que, como
ele me dizia, o tratamento iria fazê-lo melhorar. Voltei a me preocupar quando
ele suspendeu um show que íamos fazer no Rio. Fui à casa dele e me tranquilizei.
Ele tinha tido uma reação adversa a um medicamento. Depois, fizemos o show na
data remarcada e ele estava maravilhoso.
Nesta
semana, você, Gil e Roberto se encontraram para a gravação do especial de
Roberto de fim de ano. Depois do episódio do Procure Saber, grupo do qual
Roberto saiu de forma ruidosa, será a primeira aparição pública dos três. Vocês
voltaram a falar algo sobre o assunto?
Escrevi
publicamente a Roberto na altura. E também mandei uma carta privada. Eu sempre
soube, e ele sabe, que nosso histórico artístico e nossa amizade estão acima
dessas coisas. Agora nos reencontramos com o mesmo carinho de sempre.
O assunto
biografias ganhou um fato importante com o lançamento da autobiografia de Rita
Lee. Ela se coloca no texto como honesta e impiedosa consigo e com muitos que
passaram por sua história. É uma atitude comparável a livros autobiográficos
lançados por Keith Richards, Eric Clapton e Rod Stewart. O universo do rock
permite ao artista assumir certos erros (Rita diz que não sabe cantar nem
tocar) e ‘pecados’ (consumo de drogas e álcool, por exemplo). Não falta aos
nomes da MPB se levarem menos a sério e abrirem mais seus corações nas
autobiografias?
Não li o
livro de Rita Lee, ainda. Vou ler. Quanto ao assunto das biografias, sempre
tive posição oposta à dos meus colegas mais próximos. Nunca achei que só devam
existir biografias chapa-branca. Disse a meus colegas: o máximo que posso é
fazer tudo para não atrapalhar. E procurei entender e explicar as razões e os
sentimentos deles. Não li Rita, mas li Clapton: há várias coisas contadas sobre
ele (de política a sexo) na biografia não autorizada de Mick Jagger a que
Clapton, ele próprio, nem se refere na autobiografia. E você como jornalista
deve reconhecer que a campanha pela liberação das biografias foi maculada por
vícios sinistros da imprensa. Não creio que os jornalistas não soubessem que
minha posição era diferente: eu escrevia coluna no Globo. Mas todos os veículos
preferiram pôr meu nome como de defensor da censura. Uma acusação que eu não
lançaria nem aos meus colegas que estavam preocupados com a privacidade.
Eu
preciso saber de você, cidadão baiano morador do Rio de Janeiro que se alinhou
às ideias do candidato a prefeito Marcelo Freixo. Como ficam suas expectativas
com o Rio diante no novo prefeito eleito, Marcelo Crivella? Há uma certa
depressão coletiva dos que acreditavam que o caminho não era este, uma sensação
de que se viverá (com Crivella no Rio, João Doria em São Paulo e Temer em
Brasília) um retrocesso de conquistas sociais...
Retrocesso
pode haver. Acho que o impeachment já foi um. Fiz a campanha de Freixo até o
fim. Ele é uma esquerda fincada no tema dos direitos humanos, enfrentou as
milícias e sempre mostrou honestidade inabalável. Mas não penso os
lugares-comuns que são difundidos sobre os evangélicos. Li uma pesquisadora
dizendo em entrevista à Folha que a teologia da prosperidade da Igreja
Universal é estímulo ao consumo e à ostentação. Não sou pesquisador nem
acadêmico da universidade, mas sei que isso não é assim. Conheço muitos
evangélicos da Universal. Consumismo e ostentação não são o forte deles. O
forte é a autoajuda, a geração de respeito próprio, a geração de respeito de
grupo, a ajuda mútua. O bispo Macedo pode ter várias mansões e um jato maior do
que o de Roberto Marinho (o que eu já constatei de perto), mas a maioria
esmagadora dos fiéis é cuidadosa, honesta, organizada e trabalhadora. A
expressão “sem preconceito” era forte na campanha de Crivella.
Música
pode se tornar algo cansativo? Sente esgotamento em algum momento desse
processo (compor, gravar, sair para shows)?
Música é
bom e eu gostaria de ter mais talento. Só para aumentar o prazer. Muitas vezes,
percebo a imensidão do prazer de Djavan, de Milton, de Guinga. O que cansa é
aeroporto, avião, hotel, estrada.
Cansa ser
Caetano Veloso?
Não sinto
diferença entre ser Caetano Veloso e ser Caetano, ser eu. Cansar de mim? Já
tive um período de desgosto profundo de tudo. Durou uns meses. Faz muitos anos.
Não quero sentir aquilo nunca mais. Agora, estou certo de que Rita Lee é mais
musical e canta com muito mais segurança do que eu.
Novembro 2016 |
Caetano Veloso faz show em Paris e cumprimenta plateia com "Fora
Temer"
Publicado em 03-09-2016
A cantora Teresa Cristina interpretou sambas
de Cartola.RFI / Augusto Pinheiro
Caetano Veloso no palco do 15° Festival da Lavagem da
Madalena, em Paris. RFI / Augusto Pinheiro
Foto: AFP - Francois Guillot |
Foto: AFP - Francois Guillot |
6-7/9/2016 - Coliseu de Lisboa |
Lisboa
Seul - Corea del Sur
2017
19/5/2017 |