viernes, 22 de julio de 2011

1984 - DA GEMA


Del espectáculo A hora da estrela, inspirado en el cuento de Clarice Lispector; estrenado por Maria Bethânia en 1984 y dirigido por Naum Alves de Souza.




Música: Caetano Veloso
Letra: Waly Salomão
© 1984 Gapa / Saturno

... Da gema -ovo estrelado na tela de cinema
Ela é carioca da gema, ovo estrelado na tela de cinema

Veja que a lua nunca lhe traz nostalgia
Só sai pra ver sua alegria, como diria Noel
Quando ela surge redonda atrás da colina
Como uma imensa aspirina, boiando nua no céu

Loura, morena, mulata que se oxigena
Galinha de pretas penas, finge ser rosa e amarela
Será que ela se tinge inteira e até onde?
Será que até oxigena os íntimos pêlos que esconde?

Ela é carioca da gema, ovo estrelado na tela de cinema
Ela é carioca da gema, ovo estrelado na tela de cinema

Bacalhoada, batata, vinho nas veias
Bonita como as sereias, sorrindo em Copacabana
Desinibida, brutalidade da vida
Ela é total, colorida, forte, bonita e bacana

Óvulos férteis, cadeiras de parideira
Parece até estrangeira aos brasileiros demais
Refeição farta, contra-filé de primeira
Matriz, Império, Mangueira
Produto, anúncio e cartaz

Ela é carioca da gema, ovo estrelado na tela de cinema
Ela é carioca da gema, ovo estrelado na tela de cinema




1984 - MARIA BETHÂNIA
6253 2456 / 2:05
Álbum "A beira e o mar"
Philips LP 824.187-1, B-4.


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A HORA DA ESTRELA: A REPRESENTAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO DOS PERSONAGENS DE CLARICE LISPECTOR POR CAETANO VELOSO E WALY SALOMÃO

(2006, Carlos André Rodrigues de Carvalho)


DA GEMA: GLÓRIA, A MULATA QUE SE OXIGENA

Glória, ao ser apresentada a Olímpico se denomina “carioca da gema” (LISPECTOR, 1977: 59), uma expressão que esta não sabe o que significa por se tratar de uma gíria do tempo de juventude do pai dela.

...Da gema
Ovo estrelado na tela de cinema
Ela é carioca da gema
Ovo estrelado na tela de cinema
Veja que a lua nunca lhe traz nostalgia
Só sai pra ver sua alegria
Como diria Noel
Quando ela surge redonda atrás da colina
Como uma imensa aspirina
Boiando nua no céu

Para apresentar Glória, Macabéa, aqui a narradora, a compara a um ovo estrelado na tela de cinema, uma visão estranha, mas que faz sentido, considerando-se o hábito da personagem de tingir os pêlos de louro. A tela de cinema seria ambiente em que se passa a história. Glória não tem nada da ingenuidade de Macabéa e para revelar isso esta recorre a um verso do compositor carioca Noel Rosa – que, na música, é a melhor tradução do Rio de Janeiro, a terra de Glória.

Loira, morena
Mulata que se oxigena
Galinha de pretas penas
Finge ser rosa e amarela
Será que ela se tinge
Inteira e até onde?
Será que até oxigena os íntimos pêlos que esconde?

Glória é morena, mas tem os pelos quimicamente dourados e isso causa uma confusão para Macabéa que, a princípio, não sabe defini-la com precisão. Como boa carioca que é, ela deve fingir ser fã da Escola de Samba Mangueira. Os três últimos versos dessa estrofe aparecem no livro de Clarice da seguinte forma: “Oxigenava os pêlos das pernas cabeludas e das axilas que ela não raspava. Olímpico: será que ela é loura embaixo também?” (LISPECTOR, 1977:63). Note-se que, no livro, a indagação é feita por Olímpico e não por Macabéa.

Bacalhoada, batata,
Vinho nas veias
Bonita como as sereias
Sorrindo em Copacabana
Desinibida, brutalidade da vida
Ela é total colorida
Forte, bonita e bacana
Óvulos férteis, cadeiras de parideira
Parece até estrangeira aos brasileiros demais

A atração que Olímpico sente por Glória faz com que Macabéa a compare com iguarias, bebida e a um dos seres míticos que mais despertam a libido dos homens: a sereia. Ao contrário de Macabéa, ela é desinibida, um dos traços que chama a atenção de Olímpico. A brutalidade de Glória está na indiferença dela com a colega Macabéa. No livro, ela é descrita por Rodrigo S.M. assim: “Era uma safadinha esperta mas tinha força de coração. Penaliza-se com Macabéa mas ela que se arranjasse, quem mandava ser tola? E Glória pensava: não tenho nada a ver com ela” (LISPECTOR, 1977:64).

As referências aqui as cadeiras de parideira da personagem também são descritas no livro pelo narrador/personagem Rodrigo S.M.: “Pelos quadris adivinhava-se que seria boa parideira. Enquanto Macabéa lhe pareceu ter em si mesma o seu próprio fim” (LISPECTOR, 1977:60).

Refeição farta, contra-filé de primeira
Matriz, Império e Mangueira,
Produto, anúncio e cartaz
Ela é carioca da gema
Ovo estrelado na tela de cinema

Aqui, Macabéa reforça as comparações de Glória com as comidas preferidas de Olímpico. Se nos versos anteriores ela fingia ser mangueirense, aqui é revelada como admiradora de outras duas escolas de samba. Para definir a exuberância de Glória, Macabéa recorre ao mundo da propaganda – mostrando-se adaptada à realidade da cidade grande, que antes ela repudiava (“letras demais tudo mentindo”, em O Nome da Cidade) – diz que ela não é apenas uma campanha publicitária completa, mas também o produto dessa mesma campanha.

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