lunes, 11 de julio de 2011

1951 - TOUREIRO



“… Minha primeira apresentação pública, aos oito anos, deu-se num programa de calouros da rádio de Santo Amaro em que eu, ao ouvir a introdução feita pela orquestra da marchinha Toureiro de Madri, por mim mesmo escolhida, entrei cantando em outro tom, o que me desclassificou imediatamente …”


“… Mi primera presentación pública, a los ocho años, se dió en un programa de nuevos talentos de la Radio de Santo Amaro; al oír la introducción por parte de la orquesta de la ‘marchinha’ Toureiro de Madri, elegida por mi, entré cantando en otro tono, lo cual me descalificó inmediatamente…” (Capítulo INTERMEZZO BAIANO, Página 92)



 
VELOSO, Caetano. Verdade Tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. 524 pág. 1ª reimpresión.



Ciertamente, Caetano ese día no pudo cantar a la valentía del torero y su amor por la bonita Manolita.





Pero tampoco eligió un clásico, como podía ser Touradas em Madrid:  Pa ra ra ti bum bum bum / Pa ra ra ti bum bum / Eu fui as touradas em Madri, / Pa ra ra ti bum bum bum / pa ra ra ti bum bum de João de Barro [Braguinha] y Alberto Ribeiro, sino la menos conocida marcha Toureiro, de Haroldo Lobo y Milton de Oliveira, grabada en 1950 por Nelson Gonçalves, para ser suceso en el Carnaval de 1951:



1950 – NELSON GONÇALVES
A. TOUREIROMarcha (Haroldo Lobo/Milton de Oliveira)
NELSON GONÇALVES E TRIO DE OURO con Orquesta
B. DAMA, VALETE E REI Samba (Bide/Sebastião Gomes) NELSON GONÇALVES con Regional
RCA Victor (78 rpm) nº 80-0727
Grabado: 9-10-1959
Lanzado: Diciembre de 1950



Partitura para canto y piano. 
Irmãos Vitale Editores, 1950




TOUREIRO
(Haroldo Lobo/Milton de Oliveira)


Toureiro
Sou toureiro de Madrid
Sou toureiro, sou valente
E nunca na arena
Pra um touro eu perdi
Mas, se eu sou um bom toureador
É porque Manolita bonita
Me deu o seu amor!

Toureiro
Sou toureiro de Madrid
Sou toureiro, sou valente
E nunca na arena
Pra um touro eu perdi
Mas, se eu sou um bom toureador
É porque Manolita bonita
Me deu o seu amor!

Se eu vou a qualquer
Parte da Espanha
Manolita me acompanha
Pra ela eu sou o maior toureador
E ela é o meu grande amor

Se eu vou a qualquer
Parte da Espanha
Manolita me acompanha
Pra ela eu sou o maior toureador
E ela é o meu grande amor

Toureiro
Sou toureiro de Madrid
Sou toureiro, sou valente
E nunca na arena
Pra um touro eu perdi
Mas, se eu sou um bom toureador
É porque Manolita bonita
Me deu o seu amor!

 



FOLHA DE S.PAULO




São Paulo, domingo, 2 de novembro de 1997

Na Santo Amaro de Caetano

LUIZ ANTÔNIO RYFF
ENVIADO ESPECIAL A SANTO AMARO

"Ave Maria, nessa casa não se pode ter personalidade?", reclamou Caetano, interrompendo os desenhos que fazia na sala, irritado com o irmão Roberto, que ridicularizava seus rabiscos. Tinha quatro anos.

Para reconstituir, com parentes e amigos personagens de "Verdade Tropical", passos da infância e adolescência formadoras dessa personalidade, a Folha foi a Santo Amaro da Purificação, cidade natal de Caetano, a Salvador e ao Rio.

Caetano cresceu em uma família que funcionava como um harém -descontado o caráter sexual do termo. Seu Zeca, o pai, era a única figura masculina.

Além da mãe, d. Canô, sobrinhas de seu Zeca, avós e tias ajudavam a criar a filharada. Apesar disso, lembra Rodrigo, 61, um dos irmãos, a última palavra era sempre do pai, um admirador fervoroso de Luiz Carlos Prestes que morreu há 15 anos, aos 82.

Uma dessas mulheres de Caetano é Edith do Prato, 72, que aparece em "Araçá Azul". Ela amamentou Caetano quando d. Canô caiu acamada. Outra dessas mulheres é Lindaura, 86, uma das sobrinhas -chamada pela meninada de Minha Daia. Era Lindaura quem levava Caetano para a escola. "Foi ela quem primeiro falou sobre o existencialismo com a gente", diz Rodrigo.

Para caber tanta gente, a casa tinha que ser grande. Ainda é. Tem dez quartos e cinco banheiros. Mesmo assim, Caetano dividia o quarto com os irmãos Roberto e Rodrigo. Era este que comprava os livros de Clarice Lispector que Caetano aprendeu a gostar. Ele sempre viveu cercado pela família.

Caetano nasceu em casa, às 22h50, em 7 de agosto de 1942. Na época, a família morava nos Correios. Seu Zeca trabalhava de telegrafista e era praxe o agente de Correios morar no trabalho.

Ajudada por sua mãe, Júlia, d. Canô deu à luz a uma criança mirrada, com menos de 3 kg. Caetano seria o sexto de oito irmãos (a mais velha, Nicinha, e a mais nova, Irene, foram adotadas). Em família, ganhou apelidos carinhosos, como Catito e Cae. Rodrigo conta que Caetano odiava quando, mais tarde, algumas pessoas começaram a chamá-lo de Caê.

"Eu era tímido e espalhafatoso", escreve Caetano, que se definia como "introspectivo". A família acrescenta mais características. "Era mansinho e preguiçoso", diz Rodrigo. "Era meio lerdo, desligado", diz Lindaura.

"Estava sempre no mundo da lua. Quando eu fazia um ditado, a cada duas palavras tinha que gritar para que ele escrevesse", lembra a professora Zilda Paim, 78, que ajudou a alfabetizar Caetano. "Ele não era um menino dinâmico, mas era muito inteligente."

Talvez por isso tenha sido escolhido para saudar o então candidato Juscelino Kubitschek quando ele passou por Santo Amaro, em 55, na campanha pela Presidência.

Caetano não era um menino esportivo. "Não era de brincar ou conversar muito. Se falavam com ele, Caetano dava aquela risada gostosa e voltava a voar. Para onde, eu não sei...", diz Zilda.

Odiava fazer educação física. Não só. O pai, seu Zeca, tinha uma grande paixão na vida: futebol. Torcia para o Botafogo, time de Santo Amaro. Para desgosto do patriarca, a meninada não herdou o mesmo interesse pelo esporte.

"Os meninos não gostavam. Só quem jogava futebol era Bethânia, que jogava bola na rua com os moleques", conta Lindaura. No livro, Caetano desmente a versão de que a irmã fosse ponta-esquerda num time de futebol local.

Para os familiares, a maior influência de Caetano foi a mãe. Era d. Canô quem entoava valsas antigas, fados portugueses ou músicas regionais, como as de Catulo da Paixão Cearense, para ele dormir. "Ele gostava de ficar no meu colo ouvindo rádio", conta d. Canô.

Para os santa-amarenses, ela é mais importante que os filhos ilustres. Sua fama de caridosa ajuda. "Ela é uma irmã Dulce de Santo Amaro. O corredor da casa dela fica cheio de gente pedindo dinheiro e favor", diz Edith do Prato.

Em seu 90º aniversário, em setembro deste ano, d. Canô conseguiu a proeza de reunir em torno da mesma mesa o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL) e o ex-governador Waldir Pires (PT), inimigos políticos na Bahia de Todos os Santos.

A matriarca dos Veloso virou atração. Vem gente de longe vê-la, transformando a frente da casa em estacionamento de ônibus. Os projetos importantes em Santo Amaro passam antes pelo aval de d. Canô -como o do teatro que será construído e não terá o nome Caetano Veloso. D. Canô vetou.



FOLHA DE S.PAULO



São Paulo, domingo, 2 de novembro de 1997

O príncipe e João Gilberto

DO ENVIADO ESPECIAL

A pouco mais de 80 km de Salvador, a poeirenta e mal ventilada cidade de 56 mil habitantes já conheceu seus dias de glória. O declínio de Santo Amaro começou bem antes de Caetano deixar a cidade, aos 17 anos. Ela coincide com o fim da importância do principal ganha-pão da cidade: a cana-de-açúcar. No século passado, havia 129 engenhos nos arredores. Hoje, a cultura principal é o bambu, usado em fábricas de papel na região.

"Santo Amaro está muito decadente, mas já foi muito rica no século passado. Era lá que moravam os barões de cana-de-açúcar do recôncavo baiano", diz o artista plástico Emanoel Araújo, 57, outro santa-amarense ilustre.

Um lampejo desse declínio se reflete na vida cultural da cidade. Na década de 50, a cidade oferecia três cinemas. Época em que filmes franceses, italianos e até mexicanos, como lembra Caetano, eram exibidos regularmente. Foram neles que a juventude santa-amarense conheceu Fellini e Godard. Hoje, é impossível assistir até mesmo a um filme de Spielberg. Não sobrou um cinema na cidade.

Foi em um desses cinemas, o Cine Teatro Subaé -hoje demolido-, que Caetano subiu no palco pela primeira vez. "Ele tinha uns 10 anos. Fiz uma montagem de 'A Gata Borralheira'. Caetano era o príncipe e a Bethânia era a Gata Borralheira. No final, eles cantavam e dançavam juntos", conta a professora Zilda Paim.

Mas sua primeira apresentação pública, lembra Caetano em "Verdade Tropical", foi um pouco antes, aos 8 anos. "Se deu em um programa de calouros da Rádio Santo Amaro em que eu, ao ouvir a introdução feita pela orquestra da marchinha 'Toureiro de Madri', por mim mesmo escolhida, entrei cantando em outro tom, o que me desclassificou imediatamente."

Essa opção pela música não era algo tão definido na época. E a desafinação em "Toureiro de Madri" tem pouco a ver com isso.

Na infância e adolescência, Caetano era uma antena que recebia influências de diversas áreas da cultura e não aparentava maior inclinação para nenhuma delas. Poderia ter sido pintor, ator, diretor de cinema, jornalista ou até mesmo músico.

Caetano teve um pendor para o jornalismo. Ou para a crítica de cinema -gosto que o fez dirigir "O Cinema Falado" (1986).

No início da década de 60, quando já morava em Salvador, ele começou a colaborar em um recém-fundado jornal de Santo Amaro, o "Archote", criado por três professores locais.

Um deles, colega de sala de Caetano no ginásio Teodoro Sampaio, era quem levava a coluna do futuro cantor até o jornal na cidade natal.

"Ele sempre foi uma expressão cultural da terra", elogia o ex-deputado Genebaldo Corrêa, 56, o tal portador e que mais tarde ganharia notoriedade como um dos envolvidos no escândalo da CPI do Orçamento.

Mas o primeiro dote de Caetano a se revelar foi a pintura -ele fez as capas de alguns discos, como "Jóia". Na sala de aula, passava mais tempo rabiscando desenhos do que a encarar o quadro-negro.

Suas pinturas estão penduradas nas paredes dos familiares. Quase todos têm um quadro pintado por Caetano.

Fora do círculo familiar, a primeira vez em que Caetano mostrou seus quadros foi em uma exposição conjunta com um amigo no ginásio de Santo Amaro, em 59.

"Caetano fazia umas pinturas a óleo de paisagens de Santo Amaro. Depois, ele ficou impressionado com uma mostra de Manabu Mabe, que ele viu em Salvador, e passou a fazer algumas abstrações", lembra Emanoel Araújo, o amigo com quem Caetano dividiu a primeira exposição e que, hoje, dirige a Pinacoteca do Estado em São Paulo.

Para Emanoel, apesar do interesse de Caetano, o amigo dificilmente se tornaria um artista plástico. Mas não só por sua pintura ser um pouco acadêmica demais. "Sempre achei que ele seria músico. Ele sentava ao piano e tirava as coisas de ouvido. E gostava de tudo que era novo. Cultuávamos Maysa e ninguém sabia quem era."

Esse culto ao novo era um dos traços marcantes de Caetano. Uma característica que apenas se acentuou após sua estada no Rio, no início de adolescência, onde ele foi operar as amígdalas. Acabou ficando um ano na casa onde morava Mariinha, uma das primas que cuidou de Caetano na infância.

Minha Inha, como Caetano costuma chamá-la, tem hoje 86 anos e ainda mora na mesma casa -"no fim do mundo", como diz a irmã, Lindaura.

No Rio, esse fim do mundo é conhecido como Guadalupe, um subúrbio pobre na zona norte, a 35 km do centro do Rio e a alguns quilômetros a mais das praias da zona sul carioca.

Na infância em Santo Amaro, era Mariinha quem dava almoço para Caetano. Era ela também que o garoto acordava no meio da noite para brincar. No Rio, Mariinha costumava levar o garoto para os estúdios das rádios Nacional e Mayrink Veiga -que tinham uma influência no público semelhante à da Rede Globo atualmente. Como em Santo Amaro, Caetano passava horas ao pé do rádio ouvindo música.

"Ele era chato para comer, não gostava de se pentear e, para tomar banho, era uma corre-corre", lembra ela, que diz que uma das principais características de Caetano era ser "muito perguntador".

Com um ano de aula perdido, Caetano voltou a Santo Amaro -estava ainda mais interessado pelas novidades. Uma dessas novidades cultuadas por Caetano Veloso -a maior delas- era João Gilberto.

"Estávamos passando em frente ao bar do Bubu (que hoje é uma barbearia) quando o Caetano chamou nossa atenção para a música que estava tocando no bar. Era 'Chega de Saudade'. O Bubu tinha duas cópias do disco e não se desfazia de nenhuma delas", lembra Chico Motta, 57, um dos amigos que costumava ouvir João Gilberto com Caetano.

Como ele lembra em "Verdade Tropical", "na segunda metade dos anos 50, em Santo Amaro, eram muito poucos os meninos e meninas que se sentiam fascinados pela vida americana da era do rock'n'roll". Na Santo Amaro daquele tempo, o quente mesmo era a bossa nova.




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