Festival
de Inverno │Fundarpe │ Música │ Secretaria de Cultura
21/07/2013
A primeira vez de Caetano a gente nunca vai esquecer
Após grande expectativa,
o cantor baiano veio ao 23º FIG, com o seu show “Abraçaço”
Caetano foi performático do início ao fim - Foto: Pri Buhr |
por Leonardo Vila Nova
“Abraçaço“. Neologismo criado para significar
abraço grande, imenso. O mais adequado para definir, então, o abraço inteiro de
uma cidade em torno de um artista? Garanhuns foi privilegiada ao dar e também
receber um desses abraços, daqueles que não se esquece tão fácil assim.
Privilegiado maior o homem que, nesse entrelaçar único de braços, soube
retribuir o mimo com o seu melhor: música e poesia vestidas de rock, samba,
maracatu e muitos tropicalismos mais. Foi assim a primeira vez de Caetano
Veloso no Festival de Inverno de Garanhuns… e foi inesquecível. Na noite deste
último sábado (20/7), adentrando na madrugada do domingo, o músico que se diz
“baiano-pernambucano” recebeu um abraçaço inteiro, há muito guardado. E,
acarinhado pelo imenso público, surpreendeu expectativas.
Para a sua estreia no 23º FIG, Caetano trouxe o
show da turnê do seu mais recente álbum, “Abraçaço”, que vem até agora sendo
apresentado em casas de show pelo País. Esta foi a sua quarta passagem por
Pernambuco este ano (anteriormente, se apresentou no Carnaval do Recife e
mostrou o show “Abraçaço” em Petrolina e, depois, voltou à capital
pernambucana). O disco foi responsável por fechar uma trilogia festejada pelo
seu público, onde o artista mais uma vez ousou se arriscar no campo das
imprevisibilidades. A Cidade das Flores teve, então, o prestígio de ter o
acesso livre e, não por acaso, a Esplanada Guadalajara ficou lotada.
Público da Guadalajara sábado, dia 20/7 - Foto: Pri Buhr |
A atitude rock e o próprio rock como formato para
vestir as suas canções poderia parecer inadequado para um “senhor” de 70 anos,
mas foi mais uma oportunidade de o artista passear, desenvolto, no limiar dos
riscos, como ele gosta de fazer e onde parece sempre estar mais à vontade.
Acompanhado da bandaCê – Pedro Sá (guitarra), Ricardo Dias Gomes (contrabaixo e
teclado) e Marcelo Callado (bateria) – ele subiu ao Palco Guadalajara sob
olhares atentos. Os comentários sobre a expectativa de ver esse show há um bom
tempo já corriam à boca miúda na cidade (e fora dela), indicando que sua
presença no FIG era uma das mais aguardadas nesta edição do festival.
À primeira vista, o jovem senhor parece frágil,
pequeno. Mas ao abrir o show com “A Bossa nova é foda”, Caetano já faz cair por
terra qualquer impressão antecipada a esse respeito. Um rock realmente. Uma
porrada sonora que o faz vigoroso em palco. E, a cada canção, ele parece se
comunicar diretamente com o desejo de juventude que emana de cada um de nós.
Cada sílaba e respiração da sua voz passeia certeira por entre os grunhidos da
guitarra, contaminados de efeitos e “viagens”. Mas, muito além do rock, Caetano
e a bandaCê refazem, em linguagem própria, todo um universo que está ao alcance
do seu tão amplo lastro de inspiração: lá estão os sambas que falam de amor (e
sexo), o pop dançante, o funk carioca, a “suingueira”, os momentos de calmaria,
as baladas ácidas, as dedicatórias mais íntimas.
Caetano é desses tropicalistas adepto da antropofagia
até de si mesmo. No show, além do repertório do disco “Abraçaço”, ele se
reinventa em algumas canções mais antigas, readaptadas à sonoridade rock. Do
aclamado disco “Transa” – recorrente referência a esse momento atual do artista
– ele pinçou “Triste Bahia”, onde as batidas de agogô são simuladas pela
guitarra. Mas Caetano também evoca outros momentos, quando ataca de “Eclipse
oculto”, “De noite na cama” – com direito a um desabotoar de camisa que
pretende atiçar ainda mais a plateia -, “Odeio você”, já concebida nessa sua
fase roqueira. E do “Abraçaço”, o balanço malicioso da canção-título do disco,
o balanço diferente de “Parabéns”, o maracatu de “Império da lei”, momentos
introspectivos como “Estou triste”, e o “Funk melódico”, para descer até o chão
com guitarras distorcidas.
Do início ao fim do show, o público se viu diante
de um habilidoso provocador de sensações. Um Caetano que emociona no que tem de
mais simples e certeiro, mas sempre dotado de uma capacidade de dialogar com
tendências e experimentalismos, e uma rebeldia estética incomum nos ditos
“medalhões” da música. É esse sabor de novidade a cada canção do show que faz o
público delirar e cantar junto. Com certeza, há algo de misterioso e muito
bonito nessa relação tão apaixonada entre Caetano e as pessoas que o assistem.
Mas essa zona de conforto é construída à base de muitos riscos. Qualquer passo
em falso pode lhe render as mais duras críticas. No entanto, ele não se
amedronta diante disso e segue firme, se jogando, de braços abertos para o que
der na telha. A noite foi linda. Caetano mereceu esse caloroso abraçaço. O
festival também.
Um novaiorquino de Garanhuns
Ao fim do seu show, uma surpresa trouxe ainda mais
emoção. Caetano convidou ao palco o músico Arto Lindsay. Novaiorquino de alma
garanhuense (Arto viveu na cidade dos quatro aos 17 anos), ele é responsável
pela sonoridade de discos como “Estrangeiro” e “Circuladô”. Após 41 anos, ele
se reencontrou com o seu lar pernambucano. Um sorriso emocionado no rosto, guitarra
em mãos, ele mandou ver em noises - que são sua marca registrada – na canção
“Você não entende nada”.
Da última vez que se apresentou ao lado de Caetano
Veloso, ele disse não se recordar. Mas lembra que foi muito bom, como sempre é.
A intimidade e a amizade entre ambos esteve presente no palco, seja tocando
música de um ou do outro. Para Arto, a felicidade dobrada, triplicada. Ele
também participou do show da Orquestra Contemporânea de Olinda e aproveitou a
rápida passagem pela cidade para rever o que há muito deixou apenas na memória.
Em um rápido passeio por Garanhuns, ele se deparou com algo curioso: a casa
onde morava se tornou a Galeria das Artes, que está abrigando exposições e
oficinas durante o FIG 2013. No seu antigo quarto, fotos da exposição
fotográfica “Na trilha do cangaço: um ensaio pelo Sertão que Lampião pisou”. A
velha pitangueira já não está mais no quintal. As primeiras aulas de piano
ficaram registradas com afeto. A cidade mudou. Mas as imagens continuam lá.
Um reencontro que reapresentou a Garanhuns um filho
seu que se jogou no mundo para dar cria a uma música incomum e admirável. Foi
no abraçaço de Caetano Veloso, durante o show deste sábado, que Arto se
reencontrou com parte de sua história de vida, tendo como elo fundamental a
música. Após o show, de 1h30, Fafá de
Belém deu continuidade à noite.
Festival de Inverno de Garanhuns leva boa
programação gratuita à cidade natal de Lula
Caetano Veloso e Arto Lindsay juntos no palco
Pedro Sá, Arto Lindsay e Caetano Veloso - Foto: Costa Neto/Secult-PE |
Por ANTÔNIO DO AMARAL ROCHA, DE
GARANHUNS
23 de Julho de 2013
A 23ª edição do Festival de Inverno de Garanhuns,
que começou no último dia 18 e continua até 27 de julho, trouxe à cidade
pernambucana, nas três primeiras noites, Naná Vasconcelos, Caetano Veloso, Ney
Matogrosso, Chico César, Zeca Baleiro, Dado Villa-Lobos e Karina Buhr, entre
outros nomes.
O festival é o que se pode chamar de festa
superlativa. Durante dez dias, o município, situado na região serrana de
Pernambuco, também famoso por ser a cidade natal do ex-presidente Lula, oferece
uma programação de shows musicais, circo, teatro, cinema, dança, literatura e
artes visuais, somando 570 diferentes atividades, com um orçamento público
estimado em R$ 12,5 milhões declarados pelo secretário de Cultura de
Pernambuco, Fernando Duarte. A cidade, nesta época do ano, apresenta uma
temperatura baixa para os padrões do Nordeste (média de 16º C) e recebe grande
número de estudantes e turistas da região, lotando os hotéis, restaurantes e
bares.
Entre toda a programação destacam-se os shows que
acontecem no palco principal, montado na Esplanada Guadalajara, ao lado do
palco Pop, que fica no imenso Parque Euclides Dourado, no centro da cidade. Nos
três primeiros dias, de 18 a 20, o palco Guadalajara recebeu um público
estimado em 150 mil pessoas, com shows que se iniciavam às 21h e prosseguiam
até as 3 horas da manhã.
Quinta, 18 de julho
A primeira apresentação da quinta, 18, muito bem recebida, foi da Ópera Bajado, uma orquestra de 30 elementos, entre metais, cordas e percussão, dirigida pelo maestro Ivan do Espírito Santo. O repertório de choros, frevos e serestas é inspirado nas telas do artista plástico Bajado, extremamente popular em Olinda.
A primeira apresentação da quinta, 18, muito bem recebida, foi da Ópera Bajado, uma orquestra de 30 elementos, entre metais, cordas e percussão, dirigida pelo maestro Ivan do Espírito Santo. O repertório de choros, frevos e serestas é inspirado nas telas do artista plástico Bajado, extremamente popular em Olinda.
Enquanto o telão projetava as telas de Bajado, a
orquestra executava os temas e o público, estimado em 30 mil pessoas naquele
momento, se protegia de uma chuva fininha com guarda-chuvas coloridos. Em
seguida foi a vez da banda alternativa Gaiamálgama, que trouxe um lado
neo-hippie da world music, baseado em uma proposta com mantras, música indiana
e árabe, com os integrantes maquiados e fantasiados de índios.
O incansável percussionista Naná Vasconcelos e a
banda Batucafro, com forte marcação de alfaias, mais sopros, cavaquinho,
bandolim, percussão e vocais, trouxeram a música de raiz pernambucana no terceiro
e curto show da noite, e botaram fogo no público, que se pôs a dançar na praça.
Depois, foi dito nos bastidores que Ney Matogrosso, a atração seguinte, tinha
uma exigência de entrar no palco antes da meia-noite e por isso os shows foram
encurtados. Pontualmente à 0h, o céu da Praça Guadalajara se iluminou com
explosões de fogos de artifício e Ney Matogrosso entrou no palco.
Como era de se esperar, Ney foi muito ovacionado, a
essa altura por um público já estimado em 50 mil pessoas. Nem é necessário
dizer que o intérprete tem uma presença magnética e que sua performance vem
deixando o público boquiaberto há 40 anos. E não foi diferente desta vez. Sem
nenhuma concessão aos hits da carreira, Ney apresentou o set list da
turnê Atento aos Sinais de forma impecável abrindo com
“Rua de Passagem” (de Lenine e Arnaldo Antunes) e “Incêndio” (Pedro Luís),
mostrando o quanto está antenado com o que acontece hoje pelas ruas do Brasil.
Momento especialmente impactante foi a versão que Ney fez para o quase bolero
“Freguês da Meia-Noite”, do rapper Criolo. Depois de mais de uma hora de show,
Ney voltou para o bis com “Ex-Amor”, que gravou no DVD que comemora os 75 anos
de Martinho da Vila. O povo cantou junto.
Sexta, 19 de julho
A abertura da segunda noite na praça trouxe o show da banda do carioca Zé Ricardo, com participação da paulista Paula Lima. O som de Zé Ricardo é uma mistura de black music, samba-rock e jazz com pitadas de soul, funk e groove. A presença de Paula Lima cantando “É Isso Aí” só reforçou essa tendência, bem aceita pelo público que começava a lotar o espaço.
A abertura da segunda noite na praça trouxe o show da banda do carioca Zé Ricardo, com participação da paulista Paula Lima. O som de Zé Ricardo é uma mistura de black music, samba-rock e jazz com pitadas de soul, funk e groove. A presença de Paula Lima cantando “É Isso Aí” só reforçou essa tendência, bem aceita pelo público que começava a lotar o espaço.
O veterano da cena manguebeat DJ Dolores veio em
seguida, acompanhado pela Orquestra Santa Massa, formada por samplers,
guitarra, rabeca, metais e percussão. Como convidado estava o paraibano Chico César,
que também atua como secretário da Cultura de João Pessoa. Foi um show
improvisado, tanto que Chico só tomou contato com os músicos quando subiu ao
palco. Mas, ao som para lá de pesado da Santa Massa, foi uma dos apresentações
mais energéticas do festival. Chico César mostrou parte do seu conhecido
repertório, como “Beradero” e “Brilho de Beleza” (de Negro Tenga), da qual ele
mudou a letra de um dos versos para “Quando Chico Science morreu foi aquele
chororô”.
Depois deste show incendiário, Karina Buhr tinha
certamente um grande público a conquistar e não decepcionou com sua performance
sempre radical, acompanhada do guitar-hero Edgard Scandurra. Dançando e rolando
pelo palco, ela aproveita bastante as suas experiências como atriz na hora de
se apresentar ao público.
Depois, foi a vez de Dado Villa-Lobos e banda e
Tony Platão como convidado. Dado bem que tentou na primeira parte do show
emplacar o repertório próprio, mas acabou por conquistar o público somente
quando atendeu aos pedidos de “toca Legião”. Daí foi um desfilar de hits,
acompanhandos em coro pela praça. Foi o show mais aplaudido e emocionante da
noite. Dado saiu do palco e deixou com Zeca Baleiro a responsabilidade de não
permitir que a festa perdesse o pique. Experiente, Zeca fez um show só de hits
e manteve as emoções nas alturas. E de quebra trouxe ao palco Chico César, com
quem fez uma homenagem a Dominguinhos.
Sábado, 20 de julho
A programação do sábado, 20, noite nobre do evento, foi aberta com o show do cantor e compositor garanhuense Hercinho, seguido do Mundo Livre S/A do vocalista Fred Zero Quatro, que ainda preserva a estética do manguebeat, embora radicalize a proposta. O Mundo Livre, ao lado da Nação Zumbi, é banda icônica para a cena pernambucana e tem seguidores fiéis. A receptividade já era esperada.
A programação do sábado, 20, noite nobre do evento, foi aberta com o show do cantor e compositor garanhuense Hercinho, seguido do Mundo Livre S/A do vocalista Fred Zero Quatro, que ainda preserva a estética do manguebeat, embora radicalize a proposta. O Mundo Livre, ao lado da Nação Zumbi, é banda icônica para a cena pernambucana e tem seguidores fiéis. A receptividade já era esperada.
Com a praça Guadalajara já lotada, a Orquestra
Contemporânea de Olinda, com seu naipe de metais, guitarra, baixo, bateria,
percussão e vocais fez o terceiro show da noite, destilando o seu energético
set list de frevos, cirandas e maracatus modernos, tendo como convidado o
inclassificável guitarrista Arto Lindsay. A praça virou uma grande celebração
ao som do hit “Ciranda de Maluco”, como acontece em todos os shows da Orquestra
pelo Brasil.
Nos bastidores, a expectativa era pela chegada de
Caetano Veloso, o nome mais festejado da noite. Meia hora antes do show, ele
chegou escoltado por seguranças e não quis falar com a imprensa. Caetano, que
ainda não havia se apresentado em Garanhuns, trouxe quase todo o repertório do
disco Abraçaço, e foi uma surpresa a reprodução literal do
que foi registrado no álbum. A banda Cê, (Pedro Sá, na guitarra, Ricardo Dias
Gomes, nos teclados e baixo, e Marcelo Callado, na bateria) com uma energia
juvenil e tocando como veteranos, dá a segurança que Caetano necessita para a
apresentação ao vivo.
Empunhando um belo violão branco, Caê fez um
repertório de 21 músicas, abrindo com “A Bossa Nova é Foda”, “Lindeza” (de Circuladô), “Quando o Galo Cantou” e “Abraçaço”. Depois
desta, foi provocado pela plateia com um coro de “benvindo”. Em reposta,
Caetano perguntou “quem aqui faz aniversário hoje?” e dedicou aos
aniversariantes a canção “Parabéns”. Depois fez “Homem”, do disco Cê, e uma recriação moderna de “Triste Bahia” (de Transa). O quase refrão “Escapulário” deu o tom de
samba enredo que faltava para a plateia cantar junto. Vieram ainda “Funk
Melódico”, “Alguém Cantando” (do disco Bicho, no qual foi
registrada na voz de Nicinha), “Quero Ser Justo”, “Eclipse Oculto” e a
belíssima “Mãe”.
Caetano soube alternar canções que exigiam atenção
e outras que eram puro deleite como a antiga “De Noite na Cama”, quando abriu
os botões da camisa e insinuou uma dança maliciosa. A sua indignação com as
mazelas violentas do Brasil ficou registrada em “O Império da Lei”, mas o ponto
alto do show se deu com “Reconvexo”, conhecida na voz de Maria Bethânia, com
aplausos emocionados para dona Canô, mãe de Caetano e Bethânia, citada na
letra. O guitarrista Arto Lindsay, apresentado como “alguém da terra”, foi
então chamado ao palco. Juntos, eles encerraram com “Você não Entende Nada”.
Atendendo aos pedidos de bis, Caetano voltou e, ao lado de Lindsay, fez “Copy
Me” (do Ambitious Lovers) e “A Luz de Tieta”, regendo um coro de setenta mil
vozes no refrão.
A programação foi encerrada com Fafá de
Belém cantando hits da carreira, incluindo no repertório temas bem ao gosto do
público como “Anunciação”, de Alceu Valença.
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