25 de maio de 2005
DEPOIMENTOS
Tu és para mim...
''Uma esfinge, um pierrô, uma astronave. Apenas o
rosto de uma mulher, pequena e franzina, que deixa o espírito sair pela boca e
queima a carne com a luz dos olhos'', diz o irmão Caetano. Outros fãs declaram
admiração pela musa
Foto: Marisa Alvarez Lima / Divulgação |
Angela Ro Ro, na revista G Magazine
Absoluta! Necessária! Sagrada! Maria Bethânia. Única! E porque a Maria Bethânia é única? Porque ela é a única que continua igual cada vez melhor! Rarará! E ela entrando no palco? Gente, ela não parece gente. Parece santo. Um orixá ao vivo! E aí uma bichinha gritou: ''Com essa cinturinha eu já tava em Paris!'' Rarará!
José Simão, na Folha de S.Paulo (03/05/1994)
O perfil de Bethânia é um dos mais belos perfis de mulher que já houve. Sua testa avança numa convexidade incomum e o homem superior logo nota que ali se guarda um cérebro incomum. Sob a testa, cujo arrojo estanca na linha descendente da sobrancelha, que é como que uma versão suave da máscara da tragédia, desenha-se o nariz espantoso: é o nariz do chefe indígena norteamericano, é o nariz da bruxa, o nariz de Cleópatra e, no entanto, é o único nariz assim - os outros são apenas uma referência a ele. Se esse nariz, na vanguarda de uma batalha que o homem superior adivinhou tramar-se no cérebro por trás daquela testa, aponta orgulhosamente para o futuro da beleza, a boca parece desmentir a armada: emergindo a um tempo brusca e suavemente à flor do visível, ela anuncia o mel que destilará e consumirá: em palavras, em beijos, em mel. Sim, porque se os olhos traem o corpo por serem uma revelação do espírito inscrita na carne, a boca trai o corpo por ser uma revelação do próprio corpo. Insondáveis são os mistérios do espírito e olhos que vêem, inquietam-se diante de olhos que vêem. Mas os mistérios do corpo não são menos insondáveis e a boca, esse transbordamento do lado de dentro de um corpo vivo para o seu exterior, é um pequeno escândalo permanente. Assim, a boca de Maria Bethânia, vista aqui de perfil, primeiro parece negar e depois explica e aprofunda a informação plástica estampada na parte superior da sua cabeça: traduz em doçura e amargor o que fora enunciado em dureza e alegria. O que seu queixo arremata numa curva fresca de felicidade infantil. Que nos dá as costas para falar com alguém do outro lado e depois se volta, agora de frente pra nós, indecifrável.
Caetano Veloso, na Revista Careta.
Maria Bethânia é uma estrela. Não apenas no sentido convencional, como metáfora de um corpo celeste distante de nós, um astro que possui luz própria e fulgurante. Mas, como uma estrela, ela é sobretudo fonte de energia, uma energia que ilumina generosamente toda a galáxia em que vive. Ou, muito simplesmente, uma rainha do Brasil.
Cacá Diegues, cineasta.
Maria Bethânia se tornou uma estrela da noite para o dia no Rio de janeiro, no
início de 1965. Tudo nela era diferente de todas as outras, muito diferente:
voz, figura, gestos, sexualidade, sotaque baiano. Atitude. Voltei muitas vezes
ao teatro para vê-la e ouvi-la e uma noite, levado por Dori Caymmi, troquei
algumas palavras com ela no camarim, quando também fui apresentado a seu irmão,
magro, tímido e delicado. Caetano sorria com grande doçura e irradiava
sensibilidade e inteligência.
Nelson Motta, em Noites Tropicais.
De jeans e camiseta, cabelo preso, aos gritos de ''pega, mata e come!'',
Bethânia já foi musa da esquerda, tempos do show Opinião. Graças
ao acaso - se acaso existe e não, destino - que trouxe a menina Berré de Santo
Amaro da Purificação, Bahia, para os palcos do centro do país. Peruca
canecalon, coberta de colares e pulseiras, gestos largos, recitando Fernando
Pessoa e Clarice Lispector - Bethânia foi musa. A voz muito grave, sussurrando
versos sensuais, embalou os amores dos casais pelos motéis, rivalizando na
vendas de discos com o rei Roberto Carlos. Prendeu, soltou os cabelos, calçou,
tirou os sapatos, largou as gravadoras comerciais, no auge do sucesso,
trajetória inversa, tornou-se independente: conquistou o direito de gravar o
que gosta, num repertório coerente e fiel à musica brasileira.
Caio Fernando Abreu, escritor em 1988.
Vê-la ou simplesmente ouvi-la é para mim uma festa e uma liturgia. Lembro da
primeira vez: Nara fazia o show Opinião, e havia indicado
Bethânia - que conhecera da Bahia, acho para substituí-la no espetáculo. Havia
aquela montoeira de gente pra ver que baiana era aquela, totalmente
desconhecida para nós. Lembro-a descalça, camisa amarrada na cintura, já
desafiante, os cabelos não me lembro se já eram soltos - lembro apenas que tudo
nela era absolutamente estranho, estranho? Estranho, sim: já abelha-de-fogo, já
liderando o enxame tão logo pisou o palco, mostrando os ferrões, latifundiária
de colméias.
Hermínio Bello de Carvalho, no livro Sessão Passatempo
(Ed.
Relume Dumará, 1995)
Corajosa. Perspicaz. Mandona. Sensual. Inflexível. Irmã. Mulher de roupas
vermelhas. Deusa de contas roxas. Uma menina bonita. Uma guerreira. Uma flor e
um florim.
Maria Bethânia?
Não, Iansã. Iansã? Não, Maria Bethânia Vianna Telles Veloso. A que nasceu em Santo Amaro, a que cresceu nos palcos.
Como Iansã, comanda os ventos e as tempestades. Como Bethânia, comanda-se. Como Iansã, ganha o mundo ao lado do marido Xangô. Como Bethânia, ganha a gente e, pelo tempo de um CD, faz com que a gente se sinta um pouco Xangô. Como Iansã, Bethânia nasceu madura. A testa grande. O nariz adunco. Os pés no chão.
Mas, se nasceu madura, segue menina. Os cabelos longos. O corpo esguio. Os pés no chão. É que Iansã sabe olhar a vida sem medo, sem preconceito. Maria Bethânia também. É Maria, é Bethânia, a que sabe as coisas melhor. E antes. Ela é beta, raio, veio de metal precioso, mancha, matiz. E, por ser tão substantiva, virou adjetivo. Um lugar pode ser Bethânia (Roma). Uma pessoa pode ser Bethânia (Edith Piaf). Um texto pode ser Bethânia (Fernando Pessoa). Até um orixá (Iansã) pode ser Bethânia. Que Santa Bárbara perdoe essa intimidade.
Maria Bethânia?
Não, Iansã. Iansã? Não, Maria Bethânia Vianna Telles Veloso. A que nasceu em Santo Amaro, a que cresceu nos palcos.
Como Iansã, comanda os ventos e as tempestades. Como Bethânia, comanda-se. Como Iansã, ganha o mundo ao lado do marido Xangô. Como Bethânia, ganha a gente e, pelo tempo de um CD, faz com que a gente se sinta um pouco Xangô. Como Iansã, Bethânia nasceu madura. A testa grande. O nariz adunco. Os pés no chão.
Mas, se nasceu madura, segue menina. Os cabelos longos. O corpo esguio. Os pés no chão. É que Iansã sabe olhar a vida sem medo, sem preconceito. Maria Bethânia também. É Maria, é Bethânia, a que sabe as coisas melhor. E antes. Ela é beta, raio, veio de metal precioso, mancha, matiz. E, por ser tão substantiva, virou adjetivo. Um lugar pode ser Bethânia (Roma). Uma pessoa pode ser Bethânia (Edith Piaf). Um texto pode ser Bethânia (Fernando Pessoa). Até um orixá (Iansã) pode ser Bethânia. Que Santa Bárbara perdoe essa intimidade.
Washington Olivetto, publicitário na revista Vogue nº 261
(2000)
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