Milton “Bituca” Nascimento [Rio de Janeiro, 26/10/1942]
80° aniversário
“Milton hoje faz 80 anos. Tenho orgulho de ter nascido no mesmo ano que ele. O texto que escrevi sobre ele em 2014 vale ser repetido:
Milton é a força mais intensa da criação musical do Brasil no mundo desde Carmen Miranda e a bossa nova. Como esta, ele influenciou músicos do primeiro time global. Mas não é principalmente por isso que devemos festejar sempre sua miraculosa existência. É principalmente pelo sentido intrínseco de sua arte, cujos mistérios estamos mais aptos a contemplar, que nós brasileiros celebramos seu nascimento. Os sentidos mais ocultos da construção do Brasil estão compactados em seus acordes com quartas desconcertantes, seus ritmos equívocos, suas melodias sobrenaturais. Sua música e sua pessoa contêm a alma do primeiro negro trazido da África e do primeiro Jesuíta que pisou na América. Conseguimos sentir tudo o que não podemos entender. Ou melhor: entendemos sem tomar plena consciência.
Viva @miltonbitucanascimento,
a beleza, a sensualidade, a fé, a música.”
Caetano Veloso [26/10/2022, Instagram]
"Milton
Nascimento é o maior artista da música de minha geração. Catolicismo mineiro,
DNA africano, Milton desceu o vale do Mississipi e subiu os Andes com seus
acordes e ritmos cheios de milagre e surpresa. Criou uma escola definida,
formou legião de gênios, encantou os gênios do grande mundo e manteve tudo onde
o oculto do mistério se escondeu"
Caetano Veloso [26/10/2019, Instagram]
26/10/2022 - Milton Nascimento - Foto: Marcos Hermes |
26/10/2022 - Paula Lavigne, Caetano Veloso e Milton Nascimento Foto: Marcos Hermes |
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26/10/2022 - Caetano Veloso, Nando Reis e Alceu Valença - Instagram |
26/10/2022 - Simone, Caetano Veloso e Alceu Valença - Instagram |
26/10/2022 - Toninho Horta e Caetano Veloso - Instagram |
1976
Revista
MÚSICA do planeta terra N° 3
Ano 1 - n° 3
Editor: Júlio Barroso
Co-editor: Antônio Carlos Miguel
Editora Abril
MILTON
por
CAETANO
Página 15
Texto: Caetano Veloso
Foto: Marta Viana |
mil tons
Milton é música, mistério. A memória da gente é o
video-tape: vejo
Roberto
Carlos dando uma entrevista de bastidores de festival; em segundo
plano, Edu
Lobo põe a mão no ombro de Caetano Veloso e os dois saem
de campo.
Não há nada gravado da minha conversa com Chico Buarque
no avião
(com medo), indo pra Salvador pra fazer aquele show. Ion me
disse outro
dia que Tenório Júnior não veio cumprir o trabalho que havia-
mos
combinado porque a formação que eu sugeria era absurda (piano,
tuba,
violino, percussões eu e violão), que eu precisava estudar a História
da Música.
Ontem eu estava no show de Gil vendo como ele se despoja
sem pena da
história de sua música. Que
apresentação extraordinária dos
Novosbaianos
(Baby rides, again, and how!) no Hallellujah! Suponho que
Edu não
curta Jorge Ben tão intensamente quanto eu. Pra que alguém
possa fazer
qualquer coisa assim como "Jóia" é preciso que as gravadoras
tenham Odair
e Agnaldo: o universitário que tenta me entrevistar e salvar
a humanidade
fica indignado diante do meu absoluto respeito profissional
e interesse
estético pelo trabalho de colegas meus como Odair e Agnaldo.
Centenas de
novos compositores e cantores e dezenas de velhos músicos
não
encontram lugar no mercado. Video-tape: em 67 Rita Lee tinha uma
cara de
depois de amanhã. Mas Milton nos redime a todos. De certa forma
é a ele que
devemos agradecer por coisas como Nana Caymmi ter final-
mente feito
um disco tão genial quanto ela de fato é: não é sempre que
as maiores
cantoras do mundo chegam onde Nana chegou quando gravou
"Medo
de Amar". A História da Música Brasileira de hoje é assinada por
Milton
Nascimento. Li numa super-revista underground francesa sobre o
disco de
Wayne Shorter: "le veritable auteur est Milton Nascimento". Mas
tudo isso
são fragmentos de história reunidos por um ignorante no assunto
que se
orgulha em cultivar essa ignorância. Milton é um buraco preto.
Milton é a
mãe de Nina Simone, a avó de Clementina, o filho futuro do
neguinho que
a gente via upa na estrada do Zumbi de Edu, de Guarnieri,
de Elis.
Milton é nossa grande alegria. Milton vinha vindo sozinho pelo
caminho e
todas as estrelas brilhantes se apagaram à sua passagem pra
só voltarem
a brilhar em sua voz quando ele cantasse. E o céu ficou negro
e sem luz e
então houve muita mais luz. Rogério disse que Milton é um
mistério que
o Brasil entendeu. Outro dia eu fiz uma música em cinco por
quatro e com
uma harmonia um tanto complicada, aí Dedé disse que eu
estava
tentando imitar Milton, mas eu queria mesmo era agradar a Milton.
Chico
Buarque disse que Milton é o maior cantor do Brasil.
Fui um dia cantar em Belo Horizonte e não tirei o boné
de Milton da
cabeça e
chamei, Milton de Milton Renascimento porque parecia ter havido
uma
revolução sexual em Minas, uma virada de era astral, novo horizonte.
João
Gilberto, que tudo ensina a todos nós, me ensina a entender que não
devo querer
parar no dizer que Milton destrói minha discussão com Ion
sobre
Beatles X John Coltrane, sobre "Domingo" X "Tropicália".
Que não
devo querer
parar no dizer que várias discussões interessantes são violen-
tamente
interrompidas pelo simples som de Milton e que muitos saberes
têm, assim,
de ser anulados para que se saiba mais. Som imaginário, som
real. Eu amo
Milton. Não me sinto muito à vontade usando palavras pra
me referir a ele. Nem meias palavras bastam. Nem o silêncio. Nem música.
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