A lista dos músicos que se recusam a fazer show online tem
nomes como Caetano Veloso e Maria Bethânia
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Os sem-lives: por que,
apesar do apelo dos fãs, alguns artistas não deram as caras online?
Redação Divirta-se
28 de maio de 2020 | 05h00
Danilo Casaletti
ESPECIAL PARA O ESTADO DE S.PAULO
Elza
Soares: promete live para comemorar os 90 anos
Caetano Veloso: incentivo a fazer lives
vem de Paula Lavigne
Fotos: Nilson Fukuda/Estadão - Iara Morselli/Estadão
“Caetano, quando você vai fazer a
live?”. Quem acompanha as redes sociais de Caetano Veloso já viu que ele é
sempre instigado pela companheira e empresária Paula Lavigne a aderir ao
movimento das lives. Ele diz ora que está pensando, ora que está “esperando a
voz estar boa”. Passados mais de 60 dias da recomendação de isolamento social,
a live do cantor ainda não saiu. Os vídeos postados por Lavigne viraram uma
diversão para os fãs e, claro, servem para aumentar a expectativa de que
Caetano se renda à apresentação online.
Assim como ele, outros nomes da música brasileira
ainda não deram as caras nas lives. Uns, como o cantor e compositor baiano, por
escolha. Outros, por falta de condições técnicas, por não tocarem um
instrumento ou mesmo pela falta de patrocínio.
Ney Matogrosso igualmente foge das lives. Em entrevista
ao repórter do Estadão Julio Maria, o cantor demonstrou desconforto com
a modalidade. “Não sinto atração por fazer. Talvez seja medo da novidade.”
Desde que lançou o álbum A Mulher do Fim do
Mundo, em 2015, Elza Soares, de 89 anos, renovou seu público e tem as redes
socais como grande aliada. Mas tampouco se apresentou virtualmente. “Tenho
recebido muitos convites e negado vários, mas estou a fim de fazer. Estou
pensando em fazer um grande live show em julho, quando carimbo meu passaporte (completa
90 anos)”, diz a cantora, que interrompeu a turnê do show Planeta Fome
por causa da pandemia.
Na lista dos que ainda não fizeram
live, há ainda nomes desde sempre reclusos, como Maria Bethânia – sua
assessoria diz que ela não tem planos de se apresentar nas redes sociais,
apesar dos pedidos dos fãs –, Chico Buarque e Jorge Benjor; artistas que se
comunicam bem com o público virtual, como Gal Costa e Erasmo Carlos; e outros
que encontraram diferentes soluções para se fazerem presentes.
Milton Nascimento, por exemplo, tem soltado vídeos
cantando alguns de seus sucessos e Gilberto Gil tem reciclado imagens com aulas
sobre como tocar suas composições ou gravado mensagens para campanhas de
solidariedade às vítimas da covid-19. Já Rita Lee participou recentemente de um
bate-papo sobre seu álbum Lança Perfume e gravou um vídeo
cantando o hit Saúde.
Erasmo Carlos: sem shows online, apesar de boa presença
virtual
Maria Bethânia: ela não tem planos de se apresentar nas redes
Maria Bethânia: ela não tem planos de se apresentar nas redes
Fotos:
Patrick Gomes - Ana Oliveira
O produtor Marcus Preto, que trabalhou com artistas
como Gal, Erasmo e Nando Reis, diz compreender que nem todos se sintam à
vontade nas lives. “É um formato novo para eles, que pensam: ‘Será que o som
vai ficar bom?’. Também não terão toda uma equipe que costuma ficar no palco e
que resolve qualquer problema com rapidez”, diz. Preto acredita que, cedo ou
tarde, os citados poderão aderir ao formato, mas na hora em que se sentirem
confortáveis.
O grupo Racionais Mc’s, que soma mais de 1 milhão
de seguidores no Instagram, aponta um outro motivo para a ausência no
movimento. De acordo com sua assessoria de imprensa, Mano Brown e seus
companheiros não querem passar a impressão de que estariam desrespeitando o
isolamento social – já que uma apresentação deles reuniria ao menos oito
pessoas no mesmo ambiente.
E quem não pode? Caetano
Veloso e Ney Matogrosso fazem parte de um grupo que lota casas de shows e
teriam apoio de gravadoras e patrocinadores. Porém, há um grupo de artistas que
está à margem das lives. São nomes ainda atuantes – como Claudette Soares,
Eliana Pittman, Doris Monteiro, Luiz Ayrão, Zezé Motta, As Galvão –, mas sem
possibilidades de aderir à única forma de apresentação possível no momento.
A cantora Eliana Pittman e o cantor e compositor
Luiz Ayrão.
Fotos: Murilo Alvesso - JFDorio/Estadão
O produtor Thiago Marques Luiz, há quase 20 anos no
mercado, é responsável por revitalizar as carreiras de Cauby Peixoto e Angela
Maria, no início dos anos 2000, e, de certa forma, se especializou em trabalhar
com artistas da velha guarda. Ele traçou um perfil dos preteridos: mais de 70
anos de idade, 50 de carreira, sem o número expressivo de seguidores em redes
sociais e que precisam de pelo menos um músico presente – o que, por estarem no
grupo de risco para o coronavírus, não é recomendável.
“Eles estão em casa, sem trabalho por
conta da pandemia. Muitos se sentem inúteis, mas a história que eles
construíram ao longo da carreira é muito importante para ser esquecida nesse
momento” diz Marques Luiz, que criou o projeto Vozes da Melhor Idade. A ideia é
que os artistas façam pequenos vídeos contanto suas histórias e cantem uma
música de seu repertório, para que depois, em estúdio, um violonista grave o
acompanhamento. Uma tentativa de aproximá-los de seu público, enquanto os shows
continuarem proibidos. A TV Cultura se interessou em exibir o material, mas não
tem dinheiro para produzi-lo. O Sesc São Paulo ficou de analisar o projeto. “Já
bati em várias portas em busca de patrocínio, mas não houve interesse.”
Aos 73 anos, a cantora Eliana Pittman havia acabado
de lançar o álbum As Divas do Sambalanço (ao lado de Claudette
Soares, de 83 anos, e Doris Monteiro, de 85) quando foi declarada a pandemia.
“Estou dentro de casa tentando me reinventar. Esse é o desafio do momento”,
afirma Eliana, que mora sozinha e pede ajuda de um vizinho quando quer gravar
vídeos para postar em suas redes. As Divas estavam com seis
shows marcados, mas tudo foi interrompido. “Quando tudo isso passar, vamos
lançar novamente”, diz ela, que participará como atriz na segunda temporada da
série Coisa Mais Linda, que chegará à Netflix no dia 19 de junho.
Luiz Ayrão, de 78 anos, outro da turma dos
sem-live, afirma ficar preocupado com a falta de qualidade técnica que poderia
oferecer para fazer uma apresentação de dentro do seu apartamento, em São
Paulo, onde passa a quarentena ao lado da mulher e de um neto. “Não acho que
ficaria interessante. Para fazer de qualquer jeito, prefiro não fazer”, diz o
compositor carioca, autor de sucessos como Bola Dividida, Nossa
Canção e Os Amantes, que recentemente lançou o CD Um Samba de
Respeito, com participações de Alcione, Zeca Pagodinho, Zeca Baleiro e
Diogo Nogueira. No entanto, quis fazer a entrevista para a reportagem por
chamada de vídeo – e fez praticamente uma minilive. Nela, contou histórias,
tocou violão e cantou – abriu a chamada entoando os primeiros versos da canção
She, de Charles Aznavour, um de seus ídolos.
Grupos como MPB4 e Quarteto em Cy, também com
limitações para se reunirem, tentam marcar presença na internet. O primeiro
resolveu a questão com um vídeo no qual cada integrante gravou sua participação
de casa e, depois, as vozes e os instrumentos foram juntados. Já Cynara Faria,
uma das fundadoras do Quarteto em Cy, cantou acompanhada dos filhos,
representando o grupo.
Alguns artistas têm encontrado respaldo do projeto
online Sesc Ao Vivo, do Sesc São Paulo, que, desde metade de abril, já
trouxe 37 atrações musicais de nomes como Roberta Sá, Adriana Calcanhoto, Chico
César, Marcelo Jeneci e Céu. Entre artistas com mais de 70 anos, já se
apresentaram João Bosco, Joyce Moreno, Dori Caymmi e João Donato – todos se
acompanharam, ou sejam, tocaram e cantaram. Juntas, as lives já somam mais de 2
milhões de visualizações.
O diretor regional da entidade, Danilo Santos de
Miranda, diz que a escolha dos artistas segue os mesmos critérios que sempre
marcaram a instituição, com um olhar para a diversidade de gêneros e públicos.
Alguns dos shows estavam já estavam previstos para as unidades do Sesc, outros
atendem propostas recebidas antes e depois da pandemia.
Miranda afirma que o Sesc está atento aos sem-live.
“Estamos avaliando possibilidades, evitando ao máximo o deslocamento,
preservando da melhor maneira possível a manutenção do isolamento social. A
mensagem da instituição é para que as pessoas fiquem em casa”, diz. “O Sesc
toma os mesmos cuidados com todos os artistas para evitar qualquer tipo de
exposição, de modo que a instituição não incentiva o acesso de pessoas na casa
dos artistas, ou a permanência de equipes externas no local”, complementa.
Fazer ou não fazer? Os shows presenciais ainda não têm previsão de volta. Mas, até lá, é
importante o artista ficar em contato com o público, por meio de lives? “Quem
não fizer live agora vai perder financeiramente, mas a pandemia vai passar e a
história de muitos artistas é mais forte do que tudo isso”, acredita Thiago
Marques Luiz, referindo-se aos veteranos.
Para Marcus Preto, os artistas terão de repensar
suas apresentações online, sob pena de cansarem o público. “Tem gente que está
apenas trabalhando, apresentando seus sucessos. O formato vai se desgastar.”
O produtor Ricky Bonadio, que trabalhou com bandas
como Charlie Brown Jr e CPM22, diz ser importante que o artista se mantenha ativo
– e os que são “verdadeiros” se sairão melhor diante da falta de uma grande
produção. “Esse momento deixa claro quem é quem, quais artistas são muitos
produzidos e protegidos no palco e quais têm qualidade musical de verdade.”
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