● ANUNCIAÇÃO (Caetano Veloso/Rogério Duarte)
"A mente de Rogério
Duarte era uma universidade rebelde. Minha formação se deu grandemente no
contato com ela. Sua visão era desafiadora e, por isso mesmo, contraditória.
Ele não temia enfrentar o caos. Um gênio brasileiro. Necessariamente
desenvolvido informalmente e destinado à não realização e ao não
reconhecimento. Rogério encarou discussões acadêmicas de alta complexidade sem
ter sequer o curso colegial completo. E, sob a pressão do regime ditatorial,
entregou-se ao misto de insegurança e radicalidade que o levou a queimar os
manuscritos do que seria sua obra maior. O incêndio tropicalista não teria acontecido
sem as fagulhas que ele acendia com sua fala inspirada e demolidora. Ele dava
voz a todas as suspeitas que me atormentavam desde a meninice. Por alguns anos,
passei a maior parte do tempo conversando com ele. Assustado, tornou-se, a meu
pedido, padrinho de meu filho Moreno, que aprendeu a também adorá-lo. Toda a
tempestade de sua vida de poeta bissexto, de designer gráfico profissional, de
músico apaixonado e impreciso, de incediada promessa de prosador, de professor
universitário por "notório saber", desaguou, depois de prisões e
internamentos sob o regime militar, em religiosidade centrada na tradição
indiana. Aqui também, ele foi Hare Krishna de dhoti e kurta, mas evoluiu para
um à paisana erudito em sânscrito, que traduziu, em versos, o Bagavad Gita e o
Gita Govinda. Rogério morreu ontem. Estou em Miami, cumprindo turnê. Se
estivesse no Brasil, unir-me-ia a Moreno e iria a Santa Inês, na Bahia, para
acompanhar o seu sepultamento. A cultura e a vida brasileira devem mais do
imaginam a esse inquieto iluminado." (Caetano Veloso, 14/4/2016)
No hay comentarios:
Publicar un comentario