martes, 2 de agosto de 2011

1975 - GUÁ


Música: Perinho Albuquerque
Letra: Caetano Veloso
© 1975 Ed. Gapa/Saturno


Água
Guamá
Iguape
Ibualama


A pessoa que sabe me disse que o meu orixá é ibu-alama. A pessoa que sabe é muito bonita. Essa sílaba ‘gua’ surgiu tantas vezes seguidas e de tal medo se comportou como núcleo desse átomo que eu pensei que ela erra o jeito de se expressar o que eu não sei explicar da relação mítica entre ibu-alama e a água, as águas. Os lugares que eu amo – guamá-belém, iguape-pedrinho-baía de todos os santos, recôncavo de santo amaro, – são elementos qualquer coisa íntimos, desses que só eu sei e tudo é ritmo, tudo é inútil e não deveríamos temer coisa alguma.

[1975, Caetano Veloso. in Alegria, Alegria Rio de Janeiro: Editora Pedra Q Ronca, 1977]


Perinho Albuquerque (Salvador, 25/4/1946) es hermano de Moacir y junto a Caetano fue director de producción de los LP’s “Jóia” y “Qualquer Coisa”, en los cuales tambien participó como arreglador y músico.


Perinho Albuquerque

Guá es la única composición que compuso con Caetano.

El tema se estructura sobre una base melódica con kissange, atabaques y guitarra, de donde va surgiendo la matriz sonora “gua” que aglutina los demás elementos.


1975 - CAETANO VELOSO
6166 4413 / 3:13
Álbum "Jóia"
Philips LP 6349 132, A-2.
CD 838 559-2, Track 2.


Ficha Técnica
Kissange: Perinho Albuquerque
Percusión: Djalma Correa
Guitarra: Caetano Veloso
Coro: Quarteto em Cy



1977 - ROLANDO & LUIZ ANTONIO “Les Etoiles”
Álbum “Piratas do Sentimento”
RCA Victor LP PL 37034, A-3. [Francia]










Bibliografía:


RISÉRIO, Antônio, “Guá, um ideograma para Ibualama”. In: NESTROVSKI, Arthur (org.), Lendo música - 10 ensaios sobre 10 canções. São Paulo: Publifolha, 2007.


“Guá, um ideograma para Ibualama”

“Guá” é um canto ao orixá Ibualama. Uma peça concisa, clara, de rara limpidez. Peça sintética e sincrética, construída pela justaposição direta de palavras, sem conexões sintáticas entre si, na linha da poesia concreta brasileira. Um “ideograma”. Mas também filiando-se, em última análise, à poesia tradicional iorubana. Mais precisamente, à linhagem dos orikis de orixá. 

Com a devida cautela, podemos dizer que o oriki é um “gênero” poético nagô-iorubá. Em sua forma mais elementar, é uma espécie equivalente nagô do epíteto homérico: um nome atributivo, ou apelido poético, que é um dos três nomes que o iorubano pode ganhar ao nascer. [...] Mas esta célula verbal pode se expandir no sentido da constituição de um corpo textual percebido e definido como poético. Uma expansão sígnica que se dá pela colagem ou montagem de blocos verbais. Pelo agrupamento ou pela aglutinação de frases atributivas, epitéticas. 

A expressão “oriki” é, ela mesma, uma palavra montagem. Fusão de ki (do verbo “saudar”) e orí (“cabeça” – mas não a cabeça que carregamos sobre os ombros e, sim, uma cabeça interior, essencial, que é nosso destino e sentido). O oriki é, assim, uma saudação ao orí, à essência, à inner head, do objeto do poema. [...] Foi o que Caetano fez em “Guá”: via sintaxe de montagem, uma saudação-definição essencial do orixá Ibualama, trazendo-o à cena em meio às águas. [...] Um oriki – concretista - de orixá.

Caetano compôs o texto verbal de Guá com apenas quatro (virtualmente, cinco) vocábulos:

 

Água

Guamá

Iguape

Ibualama

 

O substantivo “água” (português). Os topônimos Guamá e Iguape, ambos tupis: o primeiro, referente ao Rio Guamá, que deságua na baía de Guajará, onde fica a cidade de Belém, capital do Pará; o segundo, ao lagamar do Iguape, no Recôncavo Baiano – denominação redundante, por sinal já que iguape, em tupi, significa, justamente, “lagamar” (lagoa de água salgada). O nome do orixá nagô Ibualama, que é o dono-da-cabeça do próprio Caetano. E, por fim, projetando-se para ganhar autonomia vocabular a vogal “i”, remetendo ao “y” gutural dos tupis, que significa, justamente, “água”. 

[...] “Gua” começa com uma respiração. Presença de um ser vivo. Um animal-deus respirando, ao tempo em que soa a marimba, um instrumento africano. Ouve-se um “i”. Além de indicar água, é o “i” que sinaliza que aquela presença, ali, é a do orixá. De um Oxóssi chamado Ibualama. Os sons recriam ou estetizam uma circunstância física aquática. Uma ambiência aquosa, úmida, alagada, lacustre. Estamos no mundo das águas. No habitat do deus. Dito de outro modo, o arranjo musical vai tratando de criar um meio ambiente sonoro para o texto. 

Mas o que mesmo estamos ouvindo? [...] Tuzé de Abreu acerta no alvo, esclarecendo : “As células rítmicas executadas pelas congas, duas bocas de congas, sugerem o agueré de Oxossi.”. [...] Agueré ou aguerê. Uma palavra de origem iorubana. Designa um toque especial de tambor para Oxóssi. Caetano partiu do solo, da base musical do agueré. Um neo-agueré para Oxóssi Ibualama. Composto por um criador que atravessou a bossa nova e conhece os caminhos da produção musical contemporânea. 

[...] Ao compor “Guá”, Caetano não estava fazendo nenhuma “pesquisa”. Nenhum “workfield”. Assim como nos romances de Jorge Amado e João Ubaldo Ribeiro – ou em poemas de Jorge de Lima e Waly Salomão -, candomblés e orixás não aparecem como coisas livrescas ou arquivológicas. Pelo contrário. Caetano apenas poetiza presenças, palavras e sons que existem à sua volta, em sua vida. Produtos imediatos e concretos de sua vivência pessoal. 

Em suma, o que temos em “Gua”, musicalmente, é um neo-agueré. E, poeticamente, um neo-oriki. Numa pequena e inestimável jóia da música popular brasileira.






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