M Ú S I C O S
Maestro, contra baixo e bandolim: JORGE HELDER
Teclados,
guitarra e arranjos: THIAGO GOMES
Trompete
e flugelhorn: JESSÉ SADOC
Sax
tenor: MARCELO MARTINS
Violão, viola e guitarra: PAULO DÁFILIN
Violão e guitarra: PEDRO SÁ
Piano:
JONATAN HAROLD
Bateria
e percussão: MARCELO COSTA
Percussão: GABRIEL POLICARPO
Percussão: BÓKA REIS
Arranjo
de vozes e vocal: FAEL MAGALHÃES
Vocal:
JANEH MAGALHÃES
Vocal:
JENNI ROCHA
O GLOBO
Cultura
Maria Bethânia: saiba como
foi a estreia da turnê que celebra 60 anos de carreira
Show no Rio teve homenagens a Rita Lee e Nana Caymmi
Ricardo Pinheiro
Rio
de Janeiro
06/09/2025
Maria Bethânia celebra seus 60 anos de carreira em show no Rio de Janeiro
Foto: Pablo Porciuncula/AFP
Na primeira vez em que Clarice Lispector assistiu a um show de Maria Bethânia (“Rosa dos ventos”, em 1971), a escritora disse a ela, no camarim, que viu “faíscas, faíscas no palco”. Tempos depois, quando Bethânia conheceu Mãe Menininha do Gantois e prestou a tradicional saudação do Candomblé, inclinando-se até o chão com a testa encostada, como manda o rito, ouviu da ialorixá: “faísca, quanta faísca é essa, menina”. Na noite deste sábado, quem esteve presente na estreia da turnê comemorativa dos 60 anos de carreira da intérprete, no Vivo Rio, pôde sentir o mesmo: a santamarense de 79 anos soltou faíscas do início ao fim do espetáculo, que durou 1h30.
Se, depois da pandemia de Covid-19, Bethânia rodou o país em festivais e, em seguida, em grandes arenas com o “mano Caetano”, sempre com repertório de sucessos (um pot-pourri de hits), desta vez ela decidiu voltar às origens que a consagraram: casas menores, músicas inéditas, trechos de poemas e textos, um pensamento organizado, com início, meio e fim, sobre o Brasil, o palco e a vida. Para quem conheceu Bethânia nos últimos anos, este show é uma ótima oportunidade para desconhecê-la — ou então conhecê-la melhor, com o “lado B” incluso. Às 19h12, com apenas 12 minutos de atraso, a baiana entrou no palco, depois dos três backing vocals entoarem trechos de “Iansã”.
Vestindo um conjunto branco de calça e blusa que mais parecia um longo vestido e com os tradicionais cabelos soltos, Bethânia abriu o show com “Sete mil vezes”, de Caetano — e portando um microfone sem fio, diga-se de passagem. Ao terminar essa primeira canção, foi aplaudida fervorosamente. Ostentando “a voz de uma pessoa vitoriosa” (com seu timbre grave, cujas qualidades vocais o tempo não deteriora, mas acentua), Bethânia celebrou a passagem dos anos que a trouxeram até aqui, como era esperado, mas de forma original e não cronológica. Emendou em “Canções e momentos”, de Milton Nascimento e Fernando Brant, e “Gás neon”, de Gonzaguinha.
A
forma da cantora enxergar o Brasil começou a surgir em seguida, com a sequência
de “Podres poderes”, canção do irmão que não cantava desde os anos 1980, um
trecho recitado de “A queda do céu”, de Davi Kopenawa e Bruce Albert, “Ofá” e
“Kirimurê”. Essa, afinal, desde sempre foi sua forma de dizer o que pensa:
cantando.
Maria Bethânia celebra seus 60 anos de carreira em show no Rio de Janeiro
Foto:
Pablo Porciuncula/AFP
Do histórico “A cena muda” (1974), dirigido pelo seu mestre Fauzi Arap, Bethânia incluiu “Resposta”, de Maysa, “Demoníaca”, de Sueli Costa e Vitor Martins, e “Taturano”, de Caetano e Chico de Assis — a letra desta última, difícil, estava na ponta da língua da intérprete, que a cantou com fluidez. O repertório todo, aliás, estava muito bem ensaiado.
No momento mais “lado A” do show, Bethânia emendou “Cheiro de amor” (para o delírio dos fãs, que pediam há anos que ela incluísse a música nos setlists), “Olha” (atualmente na trilha do remake de “Vale tudo”) e “Samba do grande amor”, de Chico Buarque. Neste momento, a plateia soltou a voz sem medo e cantou junto, em uníssono.
O fado “Se não te vejo”, do português Pedro Abrunhosa, rendeu um dos momentos mais simples e bonitos do show: a voz de Bethânia, acompanhada pelo bandolim do maestro Jorge Helder.
Depois de sair rapidamente do palco, Bethânia voltou com um adorno no figurino, um colete feito de pedrarias douradas. Com os focos de luz, a cantora brilhava, literalmente, enquanto cantava “Tocando em frente” e “Fé cega, faca amolada” — também com a ajuda da plateia.
Outro grande momento do show foi a dobradinha de canções de Angela Ro Ro: “Mares da Espanha” (que, na voz de Bethânia, parecia ter sido escrita para ela) e “Gota de sangue” (acompanhada somente pelo piano), gravada por ela no disco “Mel” (1979).
Com um trecho de Eucanaã Ferraz e seguido por “Sussuarana”, música gravada com Nana Caymmi em “Brasileirinho” (2003), Bethânia homenageou a amiga. Em seguida, num dos momentos mais aguardados da noite, também homenageou Rita Lee, com a inédita “Palavras de Rita”, deixada pela artista especialmente para a baiana.
— Rita Lee deixou uma letra poema com um pedido: que eu a cantasse. Entregou à minha voz seus pensamentos, reflexões e lucidez. Pediu que o Roberto (de Carvalho), seu amor e parceiro, musicasse. Comovida, realizo o desejo dessa artista imensa — disse, antes de cantar a singela e forte canção:
“Eu, hermafrodita/ Da água respirei, a vida/ No sangue que bebi, o soro/ Nos ares explodi, em choro/ Da gula que comi, a fome/ Da fêmea que nasci, homem/ Eu me transformei, em mim/ Do Deus que duvidei, o sim/ Das mortes que vivi, o além/ Dos vícios que virei, refém/ Dos bichos que sou, felina/ Na velha que estou, menina”
Mas foi “Rosa dos ventos”, de Chico Buarque, que rendeu o momento mais catártico da noite. Em estado de graça, Bethânia entregou uma interpretação cheia de força. A cena foi correspondida pelo público, que a aplaudiu de pé, calorosamente.
Do “Opinião” que a lançou ao estrelato, e que marca oficialmente o princípio dessas seis décadas que agora são merecidamente celebradas, Bethânia só cantou “Diz que fui por aí”, de Zé Keti e Hortêncio Rocha. Antes de sair do palco, no entanto, ao fim de “Vera cruz”, inédita de Xande de Pilares que faz ode ao Brasil e à diversidade religiosa, a intérprete entoou um verso de “Carcará”, canção indissociável de sua voz e de sua história: “Pega, mata e come”. Ela voltou, a pedido do público, para um bis — que teve o samba “Maria Bethânia, a menina dos olhos de Oyá” e “Reconvexo”. A noite terminou com gritos de “Sem anistia” vindos da plateia — que queria outro bis.
Com mais esta estreia, a
intérprete provou — não que precise, mas provou —, mais uma vez, o porquê de
ser considerada, por crítica e público, uma das maiores. Os fãs que lotaram a
entrada do camarim, ao final do show, diriam: Maria Bethânia é a maior cantora
do Brasil.
O repertório completo (em ordem alfabética)
"A
força que nunca seca" (Vanessa da Mata/Chico César)
"Baioque"
(Chico Buarque)
"Balada
do lado sem luz" (Gilberto Gil)
"Balangandã"
(Paulo Dáfilin/Roque Ferreira)
"Beira
mar" (Roberto Mendes/Capinam)
"Canções
e momentos" (Milton Nascimento/Fernando Brant)
"Cheiro
de amor" (Paulo Sérgio Valle/Duda Mendonça/Jota Morais)
"Demoníaca"
(Sueli Costa/Vitor Martins)
"Diz
que fui por aí" (Zé Keti/Hortêncio Rocha)
"Encouraçado"
(Sueli Costa/Tite de Lemos)
"Eu
mais ela" (Chico César)
"Fé
cega, faça amolada" (Milton Nascimento/Ronaldo Bastos)
"Gás
neon" (Gonzaguinha)
"Genipapo
absoluto" (Caetano Veloso)
"Gota
de sangue" (Angela Ro Ro)
"Kirimurê"
(Jorge Vercilo/Jota Velloso)
"Mares
de Espanha" (Angela Ro Ro)
"Mar
e lua" (Chico Buarque)
"Ofá"
(Roberto Mendes/Jota Velloso)
"O
lado quente do ser" (Marina Lima/Antonio Cicero)
"Olha"
(Roberto Carlos/Erasmo Carlos)
"Palavras
de Rita" (Roberto de Carvalho/Rita Lee)
"Podres
poderes" (Caetano Veloso)
"Ponto
de Iemanjá" (Gamo da Paz/Yomar Asogbá)
"Rainha
do mar" (Pedro Amorim/Paulo César Amorim)
"Resposta"
(Maysa)
"Rosa
dos ventos" (Chico Buarque)
"Samba
do grande amor" (Chico Buarque)
"Se
não te vejo" (Pedro Abrunhosa)
"Sete
mil vezes" (Caetano Veloso)
"Sete
trovas" (Consuelo de Paula/Etel Frota/Rubens Nogueira)
"Sussuarana"
(Heckel Tavares/Luiz Peixoto)
"Taturano"
(Caetano Veloso/Chico de Assis)
"Tocando
em frente" (Almir Sater/Renato Teixeira)
"Vera
cruz" (Xande de Pilares/Paulo César Feital)
-
AMALIA RODRIGUES
- ARACI
DE ALMEIDA
-
BILLIE HOLIDAY
- CARMEN
MIRANDA
-
CLEMENTINA DE JESUS
-
DALVA DE OLIVEIRA
-
ELIZETE CARDOSO
-
GAL COSTA
- INEZITA BARROSO
- JUDY
GARLAND
- MARIA CALLAS
- MAHALIA JACKSON
- NANA CAYMMI
-
NINA SIMONE
-
ODETTA
-
RITA LEE
- YVONNE
Weekend
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| Foto: Jorge Bispo |
Há 60 anos, Bethânia canta o melhor do Brasil
28 de setembro de 2025
Miguel Pinto Guimarães
Ouviram de Santo Amaro a plateia embevecida
De um povo heróico, novo brado emocionante.
Tupã, Iemanjá, Jesus e Oxalá estavam lá
Assim como a Bahia, o Gantois e o Pará.
A Rainha Quelé, Clementina de Jesus,
Chico Xavier e os quilombos d’além mar
O Brasil como pátria dos Exus,
Zés Pilintra, Babalorixás, Tupinambás.
Estes são trechos e alegorias poéticas extraídas de Vera Cruz, a inédita canção entoada com orgulho ufanista por Maria Bethânia para fechar o show que comemora os sessenta anos de sua incomparável carreira.
A música, de autoria de Xande de Pilares e Paulo César Feital, irrompe como um novo hino informal de um país que renasce gigante, belo, forte, impávido colosso.
A turnê apresentou no domingo passado seu último show no Rio de Janeiro e segue em outubro para São Paulo. Em novembro, estreia em Salvador.
No palco, um orixá. Deslumbrante como sempre e feliz como nunca, fazia girar potente a saia branca rodada de organza que turbinava a voz de Obatalá. Axé!
Há 60 anos, Maria Bethânia canta o melhor do Brasil. Um Brasil ao mesmo tempo cosmopolita e rural. Suas escolhas nos apresentam nossos cantos e recantos. Intimamente distantes, misteriosamente notórios. Sua voz traz à luz, com a mesma reverência, as sonoridades originárias e a mais transgressora das vanguardas, um catálogo raisonné que amalgama tudo que o nosso povo produziu de melhor em séculos de resistência.
Regida pelo decano Jorge Helder, Bethânia escolheu uma banda jovem, como a prenunciar os próximos sessenta. Entre eles, Pedro Sá, responsável por infundir viçosa sonoridade na popular música brasileira a partir do início deste século. Há de se destacar um poderoso coral, incomum em suas apresentações, formado pelo trio Janeh e Fael Magalhães e Jenni Rocha, outra herança das andanças com o mano Caetano.
Que aliás está presente no show como autor de quatro músicas do repertório. O mesmo número das canções escritas por Chico Buarque. O equilíbrio deferente sublinha a importância da intérprete na história dos dois compositores. E deles na dela.
Ao lado dos dois, suas principais parcerias embalam o espetáculo: Gil, Roque Ferreira, Milton, Gonzaguinha, Chico César, Erasmo e Roberto. Nada mais e menos óbvio. Memorável também é a homenagem a Nara Leão em Diz Que Eu Fui Por Aí. Zé Keti, o autor da canção, ilustra uma das imagens mais marcantes do espetáculo, sua foto com Bethânia e João do Vale para o primordial Show Opinião, considerado o debut de Bethânia. Além do hino de Xande de Pilares, outra inédita é a música Palavras de Rita, herança da velha menina Rita Lee, dedicada em testamento à voz de Maria.
Maria Bethânia tem outro grande talento, seu dom curatorial. Não só as seleções musicais sempre foram precisas, mas as escolhas estéticas beiram a perfeição. Antigos e novos parceiros fazem do show uma inesquecível experiência sensorial. Gilda Midani agiganta Bethânia e a faz flutuar. Omar Salomão honra no design, a criatividade múltipla de Waly, enquanto Otávio Juliano e Luciana Ferraz criam uma sutil cenografia onde o contido led se coloca a serviço da cantora, decupando em suave degradê, notas, tons, timbres e sons.
Os discretos e elegantes recursos de vídeo apenas sublinham imperdíveis minúcias imperceptíveis a olho nu. Explosão visual apenas dedicada aos profundos contrastes das florestas de Sebastião Salgado.
Maneco
Quinderé, um de seus principais companheiros de estrada, empenha dramaticidade
também ao contraluz, que conduz as transições, e nos ensina que, na obra de
Bethânia, as pausas e os silêncios também são protagonistas relevantes.
E, por fim, Eucanaã Ferraz, oxigenando as citações poéticas com textos de Davi Kopenawa e Dora Fischer Smith, cuja interseção é a lembrança humilde de nossa pequenez e insignificância como seres mortais e humanos. Gigantes, no entanto, são as palavras de Clarice Lispector, que profetiza:
“Não se compreende música: ouve-se. Ouve-me então com teu corpo inteiro.”
Façamos! Ouçamos por mais 60 anos.
Miguel
Pinto Guimarães é arquiteto.

4/10/2025 - Foto: Ricardo Stuckert/PR
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4/10/2025 - Foto: Ricardo Stuckert/PR |

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