miércoles, 2 de agosto de 2023

1983 - Revista PLAYBOY - Entrevista GAL COSTA

 


1983
Revista PLAYBOY
n° 91 - Fevereiro

NICE MEIRELES


GAL COSTA 



A maior cantora do Brasil deixa a timidez de lado e fala de sua vida particular. Ou seja: de sexo, transas, candomblé e... muita música

 

POR JOSÉ CASTELLO

FOTO VÂNIA TOLEDO

 

Na escolha dos leitores, o Prêmio Playboy de Música Popular Brasileira para melhor cantora de 81 foi para Gal Costa. Com o lançamento de seu novo disco, Minha Voz, a crítica juntou-se ao público para confirmar: Gal é, atualmente, a maior cantora do Brasil. Na reportagem Assim Nasce um Sucesso, em novembro último, os leitores de PLAYBOY conheceram os bastidores da gravação desse disco. E tomaram contato com uma profissional capaz de ser ao mesmo tempo suave e agressiva, ponderada e explosiva, tímida e expansiva — mas, acima de tudo, perfeccionista em seu trabalho.

Nesta entrevista ao repórter José Castello, depois de muita insistência, Gal Costa abriu um pouco a guarda (ela detesta dar entrevistas e praticamente se nega a falar de sua vida particular) e acabou revelando aspectos pouco conhecidos da mulher que existe sob a imagem da cantora. Afundada numa poltrona de sua casa na Barra da Tijuca, no Rio, meio escondida atrás de óculos escuros, Gal Costa falou das paixões que provoca, dos inúmeros casos que atribuem a ela, do amor, de sexo, de drogas e, evidentemente, de música — sua maior paixão.


1. O interesse por sua vida particular é grande. E você sempre evita tocar nesse assunto. Por quê?

Minha vida particular é minha e de mais ninguém. O que eu faço ou deixo de fazer em casa, com quem eu trepo, se eu trepo cinco, seis vezes por dia, isso é problema meu. Não interessa a ninguém. Mas as pessoas não param de inventar histórias. Inventaram, por exemplo, que eu estava trepando com o Pelé! Isso porque me viram no Hippopotamus com ele. Eu nunca trepei com o Pelé, somos apenas amigos. Mas, se amanhã eu for jantar no Hippopotamus com o Zico, vão dizer no dia seguinte que eu trepei com ele. Não tenho a menor dúvida. Então, só posso dar risada dessas coisas... 

2. Você realmente evita falar dos homens que namorou, não é?

Isso não é verdade. Todos sabem que o Toquinho, por exemplo, foi um cara que eu namorei durante muito tempo. Namorei também o Gil há muitos anos. Agora, andaram publicando que eu transei com o Caetano, mas isso é uma mentira terrível. 

3. É verdade que você desperta paixões violentas, até mesmo em pessoas que você nem conhece?

Eu já vivi uma história, sim, um caso de paixão meio louco. Teve um rapaz, que era amigo de um outro que trabalhava comigo. Como ele era muito simpático, dei um emprego pra ele. Isso faz uns sete anos. Ele era um garoto, se apaixonou por mim, e passou a me seguir por todos os lados. Eu viajava, ele ia atrás: dormia na porta do hotel em que eu estava hospedada. Foi uma coisa terrível! Não sei como ele viajava, acho que era de carona, mas sempre me encontrava. Chegou a um ponto em que, de tanto dormir pela rua, em porta de teatro, de hotel, ele já parecia um mendigo. Vê-lo daquele jeito me dava uma angústia horrível... Graças a Deus, depois me disseram que ele se casou. 

4. Esse assédio dos fãs apaixonados continua?

Muita gente me paquera... mas eu não vou entregar nomes, não. Tem intelectuais, garotos de Ipanema, gente de todo o tipo. Estou sempre recebendo bombons, flores, cartões aqui em casa. Uns fazem propostas mais diretas, outros escrevem poemas. Eu digo que não quero. Ou, quando quero, digo que quero... Às vezes nem respondo. Mas, quando é uma pessoa por quem tenho respeito, aí é claro que eu respondo. Minha atitude é sempre ser delicada. 

5. E, quando é você quem se apaixona, você toma a iniciativa?

Tomo. Se estou muito a fim, eu tomo. Hoje sou uma pessoa menos tímida. E sei avaliar muito bem quando a pessoa está interessada em mim ou está apenas querendo curtir namorar a Gal... 

6. Você acha que a liberação sexual tornou o amor apenas mais pragmático — e com isso o amor de verdade dançou?

Não acho. Acho que o jovem, enquanto ele é jovem, não está a fim de se amarrar em ninguém tão cedo. Ele quer namorar descompromissadamente, quer transar é a saúde. Vai trepar por trepar mesmo, pelo prazer de estar ali fazendo amor com outra pessoa, e eu acho que é isso mesmo que ele deve fazer. Mas eu continuo acreditando no ser humano, continuo achando que o amor é a coisa primeira, é o que vai salvar o mundo. 

7. Nessa sua visão do amor, a fidelidade é importante?

Acho que a fidelidade não depende daquela coisa preconceituosa e burguesa que é você estar proibido de trair. Para mim, fidelidade é outra coisa. Não acredito nessa idéia de você não se permitir trepar com uma pessoa, se deu vontade, só porque você está apaixonada por outra. Acho que a fidelidade entre duas pessoas está acima disso, acho que ela está dentro da própria relação, e não fora dela. 

8. E com você já aconteceu de estar apaixonada por uma pessoa e ir para a cama com outra?

Claro, claro que já aconteceu comigo. Eu admito que isso traz conflitos, traz ciúmes, é um negócio que depois você tem que discutir, mas é uma coisa legal. Afinal, as coisas acontecem, você não pode querer controlar tudo. 

9. E o que você acha das mulheres passivas, melosas, que fazem o gênero "Amélia" e não batalham para melhorar suas relações, suas vidas?

Acho que essa coisa melosa acontece com as mulheres em geral, mas é uma coisa que vem sendo quebrada aos poucos. Não me vejo participando ativamente de um movimento feminista, mas acho que esse movimento é importante porque vai abrindo a cabeça das mulheres. Não gosto das feministas radicais, que acabam virando homens, se colocando na posição do homem, se vestindo de macho. Acho isso negativo, porque o ideal é haver uma harmonia entre os sexos. Se for para citar algumas mulheres que exemplificam o meu ideal de mulher liberal, falo em Bethânia, Tônia Carrero e Regina Casé. É claro que tem muita mulher bacana aqui no Brasil, mas cito essas três porque são minhas amigas, as conheço bem. São mulheres inteligentes, abertas e sensíveis. E muito femininas. 

10. E a Simone? Ultimamente, andam dizendo que você está transando com ela...

Bobagem, meu filho. Já estou acostumada com esse tipo de história... Isso nem me agride mais. Imagina se essa história vai me chatear! É um absurdo. 

11. Mas é verdade que a Simone só gosta de conversar nua, e que quando vocês gravaram juntas a música Bárbara, de Chico Buarque, você estava nua também?

Isso é outra grande bobagem. Simone é uma cantora, uma artista, uma pessoa por quem eu tenho grande admiração. Ela me convidou para gravar Bárbara, e eu aceitei. Imagina eu gravar nua! Logo eu, que não tenho o costume de ficar nua na frente de outras pessoas... Num estúdio de gravação, então, eu ficaria realmente encabulada. Eu gravo normalmente, de jeans, tênis, como estou. 

12. E, no palco, como é que você consegue crescer tanto?

É, no palco eu sou sempre exuberante, forte, uma supermulher. Às vezes até me desconheço no palco. Aparento ser uma mulher supermadura, aquela fera, aquela tigresa. Aí, na minha vida cotidiana, quando eu procuro aquela mulherona que está lá no palco, eu não a encontro. Por isso é que eu digo que o palco revela uma coisa mágica da minha personalidade, que só aflora mesmo ali, como numa transa mediúnica. Incorporo um jeito guerreiro, perco totalmente minha timidez. No cotidiano, ao contrário, essa timidez fica acentuada demais. 

13. Mas sua imagem de hoje é bem menos agressiva do que nos tempos do Tropicalismo, não é?

No tempo da Tropicália, as pessoas também eram mais agressivas comigo. Na rua, me chamavam de piolhenta, de drogada, de maconheira. Uma vez fui agredida em plena avenida Rio Branco, no centro do Rio. Fui participar das filmagens de um curta-metragem e representava dentro de uma kombi. Quando acabei de filmar, tinha gente em cima da kombi, queriam me fechar lá dentro, batiam nas janelas e me chamavam de macaca. Foi terrível. 

14. Você falou que tinha imagem de drogada. Você toma drogas?

Não vou negar que já experimentei. As coisas estão aí, e você tem que experimentar. Mas tudo o que você faz de uma forma radical se torna ruim. Eu não sou uma pessoa radical. Até o somalium, que eu tinha que tomar para conseguir dormir, eu cortei. Não uso drogas, gosto apenas de tomar uma dose de uísque para relaxar. Mas é bom deixar bem claro que não sou contra. Sou até a favor da liberação das drogas. O homem tem que ter liberdade para tudo, porque só assim se torna responsável. Cada pessoa deve fazer o que acha que é correto para si mesma. 

15. E religião, você tem?

Eu sou muito mística, muito espiritualista. Tive uma formação católica, mas hoje estou muito mais ligada ao candomblé. Eu devia ter uns 18 anos quando fui a primeira vez ao candomblé de Mãe Menininha. Agora, sempre que preciso de alguma coisa, de me cuidar, me cobrir, fazer minhas obrigações, eu volto lá. Procuro sempre também a Mãe Cleuza, a Cleuza Millet, de Salvador. Sempre que tenho algum problema espiritual, telefono para ela. Às vezes telefono toda semana. O candomblé me fascina porque fala das forças da natureza, do equilíbrio do bem e do mal. Eu acho que Deus está na natureza, a gente no fundo é Deus, só que o homem não tem capacidade de se avaliar. É difícil ter uma visão teórica de uma coisa irracional. É difícil, mas hoje eu acredito em tudo. Eu respeito tudo e acho que todos os caminhos são verdadeiros. 

16. Vamos falar de música, agora: qual foi a tua primeira grande paixão musical?

Foi o João Gilberto. Eu era adolescente, tinha 14 ou 15 anos, e estava sempre ouvindo rádio. Um dia, por acaso, ouvi o João cantar. Não sabia quem ele era, que tipo de música era aquela, o que era, não conseguia compreender o que eu tava ouvindo, mas sabia que era uma coisa exótica, uma coisa nova, muito diferente de tudo o que eu conhecia, e me apaixonei na hora. Fiquei louca procurando nas rádios sempre para ouvir o som do João Gilberto. Lá em casa não tinha vitrola, então o jeito era ficar esperando que a música pintasse no rádio. Era um radinho pequeno, eu levava ele para o meu quarto, estava sempre com ele próximo de mim. Mais tarde, fui trabalhar como vendedora numa loja de discos. Ficava o dia todo metida no meio de discos. Era a época da Rosinha de Valença, do Baden, do Vinícius, a época da gravadora Elenco. O Sérgio Mendes estava indo para os Estados Unidos... Eu ouvia também música estrangeira, o Ray Charles, a Betty Carter, o Frank Sinatra, a Ella Fitzgerald... Eu ouvia tudo atentamente, gostava de tudo. Mas com grande paixão mesmo só João Gilberto. Ele era um mundo à parte, um deus. 

17. Que cantoras influenciaram tua formação?

Eu ouvia muito a Dalva de Oliveira e a Angela Maria. Eu acho que herdei mais coisas da Dalva, enquanto a Elis Regina, por exemplo, guardou mais coisas da Angela. O vibrato da Elis, por exemplo, era parecidíssimo com o da Angela Maria. Já a Dalva de Oliveira tinha uma coisa que era leve, que era pura, ela cantava as coisas mais barra-pesadas de amor, de paixão, e sempre tinha um tom leve, um tom que parecia acima do bem e do mal. Eu me identifico muito com a Dalva de Oliveira nesse ponto. A pureza, a leveza são coisas da Dalva que eu guardo muito em meu canto. 

18. E como ficou a música brasileira depois da morte de Elis Regina?

Ficou um buraco, um buraco enorme. Acho mesmo que a música brasileira perdeu o maior acontecimento musical que ela já teve. Elis era um músico, não uma cantora, e estava num nível em que as cantoras brasileiras nunca sonharam chegar. Acho que as pessoas não compreenderam o lance da Elis direito. Ela foi muito incompreendida. O Caetano foi um cara que batalhou muito para mostrar a importância da Elis. Mas as pessoas não tiveram a capacidade de compreender a grandeza do trabalho da Elis. 

19. Quais os grandes músicos que estão pintando na nova geração?

Ando apaixonada pelo Djavan, que é um cara relativamente novo, um grande músico, um grande poeta, um grande cantor. Ele é talvez o melhor cara dessa nova geração de músicos que começa a se afirmar agora.

20. E por que não surgiu nenhum outro grande movimento de vanguarda na música popular brasileira, depois do Tropicalismo?

Não sei se é necessário pintar. Não sei se os movimentos são necessários para que a música brasileira fique mais rica. Ela já é em si mesma muito criativa, muito rica. Eu, por exemplo, passei pelo Tropicalismo, mas nunca perdi a minha formação bossa-novista, a influência de João Gilberto. Toda a minha geração foi muito influenciada pelo João. Teve um período, no início do Tropicalismo, que eu estava muito influenciada pela Dionne Warwick. Ela me ajudou a dar um impulso que eu precisava naquela época, embora o meu trabalho nada tenha a ver com o dela. Mas guardei sempre o intimismo e o perfeccionismo do João. Acho que a base de tudo está na bossa-nova, com ele.

 

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