"Rogério Duarte foi uma das pessoas mais importantes na minha formação pessoal, intelectual e estética"
[Caetano Veloso]
02/11/2015
Filme sobre baiano Rogério Duarte tem estreia mundial em Salvador
Exibição ocorre nesta segunda-feira durante XI
Panorama Coisa de Cinema.
Sessão será seguida por conversa com diretor no Espaço Glauber Rocha.
Do G1 BA
Filme sobre multiartista baiano Rogério Duarte será exibido nesta segunda-feira Foto: Natália Reis / Divulgação |
O documentário Rogério Duarte, o Tropikaoslista, de
José Walter Lima, terá a primeira exibição mundial nesta segunda-feira (2), às
20h30, no Espaço Itaú de Cinema Glauber Rocha, em Salvador. A sessão integra a
programação do XI Panorama Internacional Coisa de Cinema e será seguida de
bate-papo com o diretor.
A estreia tem significado especial, pois o complexo
de cinemas tem na fachada uma das criações mais conhecidas e reconhecidas do
artista, a rosácea concebida para o cartaz do filme Deus e o Diabo na Terra do
Sol, de Glauber Rocha.
Sinopse
O filme retrata a trajetória de uma das figuras seminais das artes e do
pensamento brasileiro dos últimos 50 anos. Um dos criadores do Tropicalismo,
Rogério sempre esteve por trás - e sempre à frente - de tudo que havia de mais
moderno e contemporâneo na cultura brasileira nas décadas de 1960 e 1970. É
como disse Glauber Rocha a Caetano Veloso, em certa ocasião: Não esqueça
Caetano, que por trás de todos nós está Rogério Duarte.
Serviço
Exibição do documentário "Rogério Duarte, o Tropikaoslista"
Quando: 2 de novembro (segunda-feira)
Horário: 20h30
Quanto: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia)
Onde: Espaço Itaú de Cinema Glauber Rocha (Salvador)
Documentário fecha a segunda temporada do Cineclube
Walter da Silveira, com sessão gratuita às 17h
|
“Rogério
Duarte, o Tropikaoslista” terá sessão sábado, na Sala Walter da Silveira (Salvador)
Dezembro
15, 2016
Por Kátya Elpydio
Com
a aproximação das comemorações dos 50 anos do Tropicalismo, a Sala Walter da
Silveira vai receber, no seu último Cineclube do ano, no dia 17 de dezembro
(sábado), o documentário Rogério
Duarte, o Tropikaoslista, às 17h, com entrada franca para o público. A
sessão também vai contar com um bate-papo entre o realizador do documentário,
Walter Lima, e o músico Paquito, com mediação do ator e diretor da Diretoria de
Auviovisual (Dimas) da Funceb, Bertrand Duarte.
O
gestor explica que o documentário narra a história do grande design e um dos
protagonistas e mentores da Tropicália, polifórmico e universal, segundo o
próprio Rogério, que, “em diálogo com parceiros como Chico e Caetano, tornou-se
o grande esteta da Tropicália, criando de capas de álbuns antológicos a
cartazes de filmes como o de Deus e o diabo na terra do sol, de Glauber
Rocha”.
Bertrand
comenta que, apropriando-se da receita antropofágica de Owald de Andrade, o
Tropicalismo quebrou paradigmas, devorou guitarras elétrica do rock e as
temperou com as raízes das tradições nacionais, resultando num poderoso eco e
conquistando o Brasil, apesar da ditadura militar. “Com o enunciar dos seus 50
anos de história, além daqueles que ocuparam o proscênio e que já reconhecemos
o seu brilho e talento, outros personagens contribuíram essencialmente para a
sua formação”, considera.
E é
com espírito de bandeirolas e cordões que este último Cineclube Walter da
Silveira exibe o filme que conta as andaças de um navegante atrevido, que
confunde-se com o maior movimento musical brasileiro após a Bossa Nova, conclui
o diretor da Dimas. “É proibido proibir, e salve Rogério Duarte!”
Sobre
o projeto – O
Cineclube Walter da Silveira exibiu 11 clássicos do cinema de oito
nacionalidades diferentes, desde julho de 2015, contemplando a obra de uma
dezena de grandes cineastas, reunindo um público de quase mil pessoas na Sala
Walter da Silveira, tradicional sede das exibições.
O
Cineclube é um projeto de difusão e formação desenvolvido pela Diretoria de
Audiovisual (Dimas), da Fundação Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB),
entidade vinculada à Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (SecultBA).
Rogério Duarte, o Tropikaoslista (BRA, 2015)
Direção: Walter Lima
Duração: 90 minutos
Classificação: 14 anos
Sinopse
– Rogério Duarte é um dos
nomes mais importantes da Tropicália, movimento cultural brasileiro da década
de 60. O artista plástico foi um dos primeiros a denunciar publicamente as
torturas cometidas no regime militar. Durante a ditadura, a sua atuação
política e seus feitos culturais mobilizaram muitos artistas e inspiraram toda
uma geração.
Serviço:
Cineclube
Walter da Silveira
Quando:
17 de dezembro (Sábado), às 17h
Onde:
Sala Walter da Silveira (Rua General Labatut, 27 – Barris)
Ingresso:
Entrada franca
Debate
após a sessão com o realizador do documentário, Walter Lima, e o músico
Paquito. Mediação: Bertrand Duarte.
2016 - Edgard Navarro e José Walter Lima - Foto: Facebook |
ROGÉRIO DUARTE, O TROPIKAOSLISTA
Sábado, 24 de junho de 2017
17h30 –
Debate com o diretor José Walter Lima
Documentário de longa metragem que investiga a vida
e obra de Rogério Duarte tentando encontrar o cara que está por trás do
personagem.
O documentário tem como objetivo retratar a
trajetória de uma das figuras das artes e pensador brasileiro mais seminais dos
últimos 50 anos.
Músico, compositor, artista gráfico, um dos
criadores do Tropicalismo, Rogério sempre atrás – e sempre à frente – de tudo o
que era mais moderno e contemporâneo na cultura brasileira nos anos vitais de
1960 e 1970. Como Glauber Rocha disse a Caetano Veloso em uma ocasião: “não se
esqueça que por trás de todos nós existe Rogério Duarte”.
Com:
Caetano
Veloso, Gilberto Gil, Paquito, Carlos Rennó, Armandinho , Luiz Caldas e Diogo
Duarte.
FICHA
TÉCNICA
– Direção: José Walter Lima
– Roteiro: José Walter Lima e Roberto Torres
– Direção de Fotografia: Pedro Semanovschi
– Montagem: Bau Carvalho
– Direção: José Walter Lima
– Roteiro: José Walter Lima e Roberto Torres
– Direção de Fotografia: Pedro Semanovschi
– Montagem: Bau Carvalho
26/4/2018 |
O ESTADO DE S.PAULO
Rogério Duarte é tema do
belo e revelador documentário ‘Tropikaoslista’
Crítico mais feroz do tropicalismo viveu em uma espécie de exílio dentro
de seu próprio país desde que resolveu romper com a própria via marginal que
ajudara a criar na contracultura
Julio
Maria, O Estado de S. Paulo
29
Abril 2018 | 06h00
O
filho de Rogério Duarte foi quem deu o primeiro sinal. Ao encontrar o cineasta
José Walter Lima em um supermercado, foi direto. “Meu pai está morrendo. Faça alguma coisa por ele.” Walter Lima fez
então o que poderia fazer de melhor. Seu filme sobre a vida do tropicalista
mais marginal da história, um homem tão à frente de seu tempo que o tempo de
hoje ainda não o alcançou, ficou pronto a tempo de ser mostrado para o próprio
personagem. A primeira sessão caseira foi marcada para um 2 de novembro, Dia de
Finados.
“Eu não vou”, respondeu Duarte. “Vocês estão querendo me matar antes da
hora.” Ele já sentia o tempo acabando, vítima de um câncer que o corroía
lentamente. A exibição foi marcada então para um mês depois. Rogério Duarte
assistiu ao filme com atenção e não fez nenhum grande comentário. “Ele não disse que gostou”, recorda o
diretor. No dia 14 de abril de 2016, aos 77 anos, a história do baiano de
Ubaíra, desenhista, músico, escritor e designer gráfico, chegava ao fim.
Rogério Duarte. Pensamento veloz não era entendido mesmo por parceiros Foto: 02 FILMES |
O filme de Walter Lima o reconstrói para uns e o
ergue para a maioria. Rogério Duarte viveu em uma espécie de exílio dentro de
seu próprio país desde que resolveu romper com a própria via marginal que
ajudara a criar na contracultura. A Tropicália, para ele, não passou de um belo
esboço de resistência e chamamento à transformação, iniciada por ele e Hélio
Oiticica e desvirtuada a partir do momento em que Gil, Caetano, Mutantes e
outros figurões não percebem estar se tornando parte do mainstream.
Esvaziada de seu conteúdo político original, a
Tropicália se torna um adorno estético que serviria muito bem à carreira desses
músicos e às suas respectivas gravadoras.
Ele não diz claramente nada disso que está posto no
parágrafo acima, mas nem tudo se trata de liberdade interpretativa do repórter.
Duarte é delicado com o tema, porque Gil e Caetano serão seus amigos até a
morte. Na última terça (24), Gil disse o seguinte: "Rogério foi meu amigo, meu parceiro, fizemos muitas coisas
juntos, tivemos, ao longo de muito tempo, especulações compartilhadas sobre o
mistério da vida, sobre Deus, sobre as religiões e o papel delas no mundo.
Rogério foi um grande parceiro.” Os dois, Gil e Caetano, aparecem cantando
no filme em sua homenagem.
Eles não dão depoimentos, mas quase ninguém dá.
Essa foi uma opção do diretor. “Eu não
queria fazer um filme como se fazem todos os documentários. Deixei que apenas
Duarte falasse.”
“Ele diz que a Tropicália era mais contundente no início, com Oiticica”, lembra Walter Lima, que foi amigo do artista por anos. No filme,
Duarte diz que algumas ideias do tropicalismo foram simplesmente abandonadas,
como o figurino, que seria desenhado por Lina Bardi. “O Guilherme (Araújo,
empresário de Gil e Caetano nessa época) comprava roupas em Londres, na Carnaby
Street, e acabou ‘beatinizando’ o tropicalismo”, ele diz, na crítica mais
contundente já feita sobre o movimento (o beatinizando vem de Beatles mesmo).
“Na medida em que o establishment reincorporava o tropicalismo e o colocava a
seu serviço, eu disse: ‘Estou fora’.”
Duarte, um comunista de convicção entre 1962 e 1964
(“até o dia em que veio a realidade e acabou a magia”), acabaria sendo preso e
torturado. Seria o primeiro, junto ao irmão Ronaldo, a fazer denúncias com
relação aos militares. Antes disso, já despontava com sua genialidade gráfica.
Durante um debate com influentes pensadores, dentre eles Caetano Veloso, Hélio
Oiticica e Ligia Pape, pediu a palavra para atiçar combustível em uma fogueira.
“Vocês estão aí falando de arte, pintura,
sei lá o quê. Mas ninguém precisa ir ao museu para ver arte não. Vá até o túnel
novo e veja lá o grande anúncio de alistamento militar que foi borrado por um
cara que jogou uma lata de tinta vermelha sobre ele.” A discussão esquentou
pelo viés político, e Duarte provocou ainda mais. Ele não queria discutir
ideologia, mas estética, forma, cores, intervenção. Poucos acompanhavam a
velocidade de seu raciocínio.
Em outro momento, se voluntariou para experimentos
com LSD. Ao chegar diante de um médico, o doutor o mediu e logo deu o
diagnóstico. “Você não. Se você tomar,
não volta.” A loucura se manifestaria na solidão. Ao sair da prisão, depois
da tortura, ele se lembra – mas o filme não se alonga no assunto – dos dias em
que ninguém queria saber de sua companhia por medo de ser associado a um nome
subversivo. “Ninguém mesmo”, reforçou. Foi quando pirou. Anos mais tarde, viria
a doença, e sua abordagem sobre esse último episódio da vida é, de novo, único.
“A doença me curou”, dizia. Foi ali
que repensou sua relação com o tempo e parou para poder fazer o que gostava. “Comecei a fazer músicas e registrei umas
200 no meu computador.”
Feitos de Rogério Duarte
Anos 1960
Deixa a Bahia, segue para o Rio de Janeiro e
começa como aprendiz de Aloisio Magalhães.
1962
Passa a ser integrante do Partido Comunista e se
torna coordenador do CPC como militante.
1964
Assina o cartaz do filme Deus e o Diabo na Terra do
Sol. Sua arte se torna símbolo do cinema nacional à época e do início da
era da pós-modernidade.
1965
Além de se tornar amigo de Glauber Rocha e de se
apaixonar por sua irmã, a atriz Anecy Rocha, passa a conviver com músicos,
artistas plásticos e outros cineastas. Faz capas de discos históricos para
Caetano Veloso, Gilberto Gil e Jorge Mautner.
2016
Morre de câncer em Brasília.
O GLOBO
ROGÉRIO DUARTE - O TROPIKAOSLISTA
ROGÉRIO DUARTE - O TROPIKAOSLISTA
POR RUY
GARDNIER
25/04/2018
Rogério
Duarte é uma figura fundamental para a arte brasileira dos anos 60 e 70. Sua
trajetória é colada a gênios dos diversos campos artísticos revolucionados com
a voracidade oswaldiana do tropicalismo. Como artista gráfico, fez o antológico
cartaz de “Deus e o diabo na terra do sol” e algumas das capas mais bonitas da
música brasileira (“Cantar” de Gal Costa, “Qualquer coisa” de Caetano, diversas
para Gilberto Gil), além de ser amigo e parceiro criativo de Hélio Oiticica,
Glauber Rocha, Caetano, Gil e muitos outros. Em seu percurso de vida, foi preso
e torturado pela ditadura militar, abraçou a religiosidade do Bhagavad Gita
(que traduziu para o português do sânscrito), foi professor na Universidade de
Brasília e fazendeiro no interior da Bahia.
O mérito e o demérito de
“Rogério Duarte — O tropikaoslista” é tentar dar conta de todo esse percurso
multifacetado. Não aparece apenas o Rogério Duarte da junção do design com a
arte de vanguarda, ou da concepção, da execução e da cumplicidade na criação
das principais obras do tropicalismo, mas também o homem de fora dos holofotes,
do fazendeiro que não devasta os recursos naturais e do professor que se gaba
de ter ficado craque em produção cultural na UnB. Essa aposta faz com que o
espectador obtenha uma espécie de “Rogério Duarte por inteiro”, e isso cria
amplidão de olhar para avaliar suas ideias e seu caminho artísticoexistencial.
No entanto, a convencionalidade da narração, o viés didático da montagem e a
colocação dos momentos mais chamativos no início tornam a duração pesada. Imprescindível
como documento, mas um filme sobre Rogério Duarte jamais poderia ser careta.
Filme em cartaz ajuda a delinear o legado intelectual de Rogério Duarte
O
designer e escritor foi uma das figuras-chave do tropicalismo
POR RODRIGO SOMBRA, ESPECIAL PARA O GLOBO
29/04/2018
Rogério Duarte, do filme "O tropikaoslista", de José Walter Lima - Divulgação |
Um ano antes de morrer, o designer e escritor Rogério Duarte (1939-2016) sonhava em ser lembrado como um homem santo. Imaginava desprender-se do corpo e ver o próprio túmulo convertido em sítio de peregrinação. “Virão romarias aqui me visitar: ‘Aqui morou aquele asceta, Rogério, que foi um santo do pau oco’”, ele ri, balançando-se na rede da sede de sua fazenda em Santa Inês, interior da Bahia. A cena pode ser vista no documentário em cartaz “Rogério Duarte — O Tropikaoslista”, de José Walter Lima, e é emblemática da personalidade do artista, acostumado a jactar-se de seus feitos, mas também, nos momentos de leveza, capaz de rir da própria imodéstia. Então com 76 anos, magro, com uma boina enviesada na cabeça e um chumaço grosso de barba branca no rosto, Rogério é visto em boa parte do filme à vontade: rezando, ao violão, entre os animais no pasto, registros raros de uma vida notabilizada pela reclusão.
Rodado em 2015, o filme recupera o essencial da
história de um dos ideólogos do tropicalismo, célebre por conferir identidade
visual às capas de disco do movimento. Perpassa as atividades de Rogério como
designer da UNE, a criação do icônico cartaz de “Deus e o Diabo na Terra do
Sol” (1964), a tortura sob o regime militar, as colaborações com Hélio
Oiticica, e o mergulho definitivo na cultura hinduísta a partir da década de
1970. Um dos meios pelos quais se aproxima de seu protagonista é através da
amizade com figuras como Glauber Rocha e os membros do grupo tropicalista.
Porém, à diferença de documentários biográficos nos quais a personagem se faz
presente nos depoimentos daqueles com quem conviveu, Lima opta por um relato
depurado. Nele, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Paquito e Carlos Rennó comparecem
lendo textos ou tocando músicas escritas por ou inspiradas no ex-parceiro, mas
deles não escutaremos qualquer testemunho. É Rogério o único entrevistado do
filme.
Lima e Rogério se conheceram na juventude e
chegaram a morar juntos num apartamento em Copacabana, nos anos 1970. Autor de
documentários sobre artistas como o músico Walter Smetak e o pintor Sante
Scaldaferri, o diretor conta ter encontrado em seu personagem mais recente um
comportamento profissional arredio.
— A gente quebrava o pau às vezes — relembra Lima,
embora cenas de conflito não apareçam no filme — Rogério sempre foi de
extremos. Às vezes ele falava “Eu sou muito importante, você não sabe com quem
está falando”. Ao mesmo tempo dizia: “Você quer me documentar? Não sou nada,
sou um fracassado”. Rogério tinha depressões terríveis, mas tinha dias em que
estava ali, alegre.
Uma das preocupações do filme é delinear o
pensamento de Rogério. Dispersas em entrevistas e ensaios, suas reflexões
ganham nova encarnação no cinema.
Rogério deixou Salvador em 1960, aos 20 anos, e já
ocupava posição destacada na intelligentsia carioca quando, anos mais
tarde, Gil e Caetano chegaram ao Rio. Sua insubmissão aos ideários dominantes
na política e na arte anteciparia o gosto pelo escândalo assumido
posteriormente pelos outros tropicalistas.
— Ele já tinha uma envergadura intelectual que
contribuía para um enriquecimento dos nossos modos de a ler realidade —
relembra Gil ao GLOBO. — A configuração do que viria a ser a atuação
tropicalista tinha muito a ver com essa dimensão que ele adquiriu na nossa
vida. E sem medo da especulação intelectual como elemento escandalizador.
O gênio iconoclasta seria temperado com a conversão
ao hare krishna. Com o tempo, sua prática religiosa se faria sentir como
exercício intelectual no aprofundamento de seus estudos de sânscrito. Deste
empenho resultariam publicações importantes, como a primeira tradução direta do
épico hindu Bhagavad Gita, editada pela Companhia das Letras em 1998.
O interesse pela Índia, ao lado do xadrez e das
partidas de ping-pong, era uma das afinidades entre Rogério e Moreno Veloso,
seu afilhado.
— Era uma aventura ser afilhado de Rogério, porque
ele era múltiplo, como fica evidente no filme. Poderia chegar na sua casa como
hare krishna dançante, ou de terno e gravata como professor universitário. E
todas essas vertentes eram o meu padrinho — ri Moreno.
Rogério tinha na música uma de suas áreas de
atuação menos conhecidas.
— Acho que ele não se tornou um músico mesmo porque
duvidava um pouco da capacidade que teria de se comunicar verdadeiramente com
os públicos através da música — diz Gil.
Seu estudo de peças clássicas era acompanhado da
produção de canções, entre elas “Gayana”, gravada por Caetano em seu último álbum
de estúdio, Abraçaço (2012), e uma das únicas composições de Rogério a vir a
público. Moreno recorda que pouco antes de morrer, ele dedicava-se a construir
seu próprio violão.
Curiosamente, os desdobramentos mais recentes da
obra de Rogério poderão ser sentidos no campo musical. Sob regência de Aldo
Brizzi e participação de membros do Cortejo Afro, Gil prepara ópera inspirada
no “Gitagovinda — A Cantiga do Negro Amor”, poema de Jayadeva traduzido e
publicado de forma independente por Rogério em 2011. Escrito no século XII, o
texto narra as peripécias eróticas de Krishna e figura nos píncaros da
literatura indiana.
— Gosto da cultura vedanta. As interfaces entre
deuses e homens, entre as coisas do mundo da beatitude celestial e as coisas
mundanas — comenta Gil, a respeito do Gitagovinda.
Com estreia prevista para 2019, o espetáculo coroa
o vínculo entre os companheiros de geração, cuja amizade configurou uma célula
de investigação dos mundos orientais entre os tropicalistas.
CULTURA
Documentário
resgata vida e obra de Rogério Duarte
27/04/2018 / Folhapress
CLAUDIO LEAL
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Num poema, o
tropicalista Rogério Duarte (1939-2016) se declarou marginal porque "a margem fica dentro do Rio".
Nome influente nos bastidores da contracultura no Brasil, à margem e dentro da
tropicália, o designer baiano tem a sua trajetória apresentada pelo
documentário "Rogério Duarte, o Tropikaoslista", de José Walter Lima,
em cartaz nos cinemas.
A conversa exuberante de Duarte fascinou artistas
como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Hélio Oiticica e Glauber Rocha, dos quais se
tornou um colaborador menos oculto do que gostava de alardear em defesa de sua
marginalidade.
Foi também criador do cartaz de "Deus e o
Diabo na Terra do Sol", de Glauber, e das capas de discos tropicalistas de
Gilberto Gil, Caetano Veloso e Jorge Mautner e Gal Costa, obras-primas do
design nacional.
Ele se dizia mais próximo da estética de Oiticica,
com quem organizou a mostra coletiva "Apocalipopótese", em 1968.
"Conheci Rogério no Solar da Fossa (pensão em Botafogo), no Rio,
nos anos 1960. Resolvi fazer o documentário quando soube que ele estava muito
doente [com câncer de garganta]", diz Lima, 69,
ex-produtor do projeto de livro "Musicor", jamais concluído por
Duarte na década de 1970.
O diretor baiano de "O Tropikaoslista"
foi assistente de direção de "Meteorango Kid" (1969), de André Luiz
Oliveira, célebre longa do cinema marginal cujo cartaz psicodélico é assinado
por Duarte.
Lima conferiu protagonismo ao designer na narração
de sua própria vida, enquanto os parceiros tropicalistas surgem como
intérpretes. Caetano canta a canção "Gayana", de Duarte -incluída no
álbum "Abraçaço", de 2012-, e Gil toca a sua recente "Não Tenho
Medo da Vida", nascida de um papo com o amigo.
"Procurei fugir da mesmice do documentário em que todo mundo fala.
Como Rogério era brilhante, quem tinha que falar era ele mesmo. Optei pelo que
poderia chamar de doc-arte, um cinema poético-político", diz o diretor.
O pensamento anavalhado de Duarte brilha em alguns
trechos do documentário, que refaz um itinerário artístico traumatizado pela
tortura sofrida ao lado de seu irmão Ronaldo, depois de sequestrados pelo
Exército na saída da missa de sétimo dia do estudante Edson Luís, em 1968.
Sua contribuição à contracultura tem uma face
visível, o design (cartazes do cinema novo -"A Idade da Terra",
"Grande Cidade" e "Opinião Pública", do cinema marginal
-"Cara a Cara"- capas de discos e desenho do jornal alternativo Flor
do Mal.
A outra é refletida na obra alheia, influência
exercida em diálogos livres de cerimônias.
"Há um componente político na tropicália que foi um pouco
esquecido. Se formos falar do nosso tropicalismo, da tropicália do Hélio
[Oiticica], também do Caetano, sem dúvida nenhuma... Não essa coisa que diz que
é da música popular, que virou grife meio colonizada, também muito importante,
mas [que] não tem a mesma contundência de protesto, de manifestação, de
revolução, de transformação no nível político", afirma Duarte no filme.
Perto do fim, não parece autoindulgente: "Chafurdei na lama mesmo, entendeu? Não
é humildade dizer isso, não. Porque quem sabe de mim sou eu. Sei o quanto sou
luxurioso, mesquinho, avarento, invejoso, pirado, desconfiado e qualquer coisa
a mais que você possa botar. Covarde, mentiroso... Acontece que eu não gosto
[de ser assim]".
Ele morreu em 2016, mas chegou a ver o filme
pronto, em Salvador, num sítio hare krishna, movimento ao qual pertencia desde
os anos 1970.
Duarte traduziu do sânscrito o "Bhagavad
Gita" e o poema "Gitagovinda", de Jayadeva -este, "A
Cantiga do Negro Amor", deve virar uma ópera musicada por Gilberto Gil e
Aldo Brizzi, maestro italiano.
A viúva, Telma Duarte, quer organizar uma
retrospectiva de sua obra gráfica e musical. Lima defende a atualidade do
biografado: "É preciso fazer uma nova revolução cultural, mas agora uma
permanente".
Cartaz original do filme "Deus e o Diabo na Terra do Sol" (1964), de Glauber Rocha |
1965 |
1966 |
1966 |
1966 |
1967 |
1967 |
1968 - Capa do álbum |
1968 - Capa do álbum |
1969 - Capa do álbum |
Cartaz do filme "Meteorango Kid, Herói Intergaláctico" (1969), de André Luiz Oliveira |
1974 - Capa do álbum |
1974 - Capa do álbum |
1981 - Capa do álbum |
2003 - Capa do álbum |
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