"... Ao
ouvir, nos anos 1970, em Lagos, na Nigéria, Abdias do Nascimento dizer que a
situação racial brasileira era pior do que o então vigente apartheid da África
do Sul — com a explicação de que lá as coisas eram abertas, enquanto no Brasil
o racismo era dissimulado — eu disse a amigos: o mínimo que eu exijo é que um
racista se sinta obrigado a fingir que não o é. Mas a verdade é que eu me
interessava (desde bem antes disso) numa racialização ostensiva da discussão
política brasileira...."
[Jornal O Globo, O cu do mundo, Caetano Veloso, 23/2/2014]
1977
Revista Capricho
Fevereiro de 1977 - n° 424
13/1/1977 - Foto: Aldyr Tavares |
1977 - Aldeia Nioufoin, Costa do Marfim |
En representación de Brasil concurrieron Gilberto Gil y Caetano Veloso.
Caetano em aldeia Nioufoin, Costa do Marfim Foto: Fabrício Pedrosa. Arquivo pessoal |
Foto do álbum "Refavela" de Gilberto Gil (1977) |
C A E T A N A G Ô
1977
Revista DOMINGO
JORNAL
DO BRASIL
Rio
de Janeiro, 10/4/1977
Ano
2 – n° 53
Pág.
32 e 33
1977
Revista Ternura
Ano
XII – n° 140
Maio
1977
Editora
Vecchi
1977
Revista POP
n°
59
Setembro
de 1977
O FESTAC, a divulgação da cultura africana e o Brasil: problemas e convergências (1)
Por Victor Piaia
O Brasil na Festac
Esta segunda, e mais breve, parte do artigo consistirá em mostrar a atuação e os impactos da participação brasileira no evento. O Brasil é um país muito identificado com a África, algo que é reconhecido também pelos africanos, deste modo, a presença brasileira foi algo que teve relevância tanto nos debates e shows, quanto no aspecto político, como vamos observar a seguir.
Nas artes plásticas fomos representados por artistas como: Maurino dos Santos, Emanuel Araújo, Rubens Valetim, Juarez Paraíso Geraldo Teles Oliveira, Boaventura da Silva, Miguel dos santos, Octávio Araújo, Francisco Biquiba, José Dome e Waldeloir Rego. Já no cinema também tivemos presença, com a exibição de filmes como: Partido Alto, de Rubens Confete; Artesanato do Samba, de Vera Figueiredo e Zózimo Bulbul e Isto é Pelé, de Eduardo Escorel e Luiz Carlos Barreto. Houve também a presença de nomes religiosos, como a Ialorixá Olga do Alaqueto, com as filhas de santo, ligadas ao universo dos orixás reata os laços brasileiros e africanos.
Na música tivemos como maiores destaques a presença de Gilberto Gil e Caetano Veloso, que tiveram a ida anunciada nos jornais. Gilberto Gil não só aceitou o convite como montou uma banda especial para o evento. A repercussão do evento não se ateve somente aos dias de seu funcionamento, mesmo antes, aqui no Brasil, Gil preparou um pequeno trailer mostrando as raízes dessa combinação de culturas que foi exibido em Salvador, nos dias sete, oito e nove de janeiro do mesmo ano.
O disco Refavela foi gravado logo depois da experiência no festival. Mais do que uma troca de sonoridades, é importante perceber a figura pública que é Gilberto Gil, tomando consciência e contato com uma realidade normalmente somente idealizada pelos brasileiros. Em suas palavras:
“Em 77, eu fui participar do Festac, festival de arte e cultura negra, em Lagos, na Nigéria, onde reencontrei uma paisagem sub-urbana do tipo dos conjuntos habitacionais surgidos no Brasil a partir dos anos 50, quando Carlos Lacerda fez em Salvador a Vila Kennedy, tirando muitas pessoas das favelas e colocando-as em locais que, em tese, deveriam recuperar uma dignidade de habitação, mas que, por várias razões, acabaram se transformando em novas favelas.”
No entanto, a presença mais impactante no festival foi, sem dúvidas, a de Abdias do Nascimento. Abdias, que nesta época já estava completamente envolvido com a causa do pan-africanismo e da negritude havia preparado um trabalho para ser apresentado no evento intitulado “Democracia racial no Brasil: Mito ou realidade?”. No entanto, como já citado anteriormente, o Brasil fazia parte de um grupo de países, incluindo a Nigéria, que desejava o movimento da Negritude atrelado a órgãos que o “desconfigurariam”, deste modo, houve uma fortíssima pressão do governo brasileiro para que o governo nigeriano impedisse a apresentação do mesmo, o que acabou acontecendo.
Este episódio é uma ponte muito clara de como as relações raciais e o projeto da negritude são complexos e são muito dependentes dos desígnios governamentais. O Brasil, ao proibir a exposição de Abdias, confirmava o próprio texto combatia. Sua participação, no entanto, não se restringiu a esta exposição. Devemos entender a importância destes eventos e dos contatos traçados neles como momentos de construção do pensamento do que viria a se tornar um dos maiores intelectuais da causa negra no Brasil. O próprio episódio aqui brevemente descrito foi narrado com maiores detalhes no livro Sitiado em Lagos, publicado por Abdias, depois do ocorrido.
Deste modo podemos perceber que o Festac de 1977 foi um evento de diversas facetas. Ao mesmo tempo em que cumpria um papel fundamental de troca e difusão das culturas africanos e internacionais, pode ser enxergado também como um retrato de um governo altamente centralizado e pretensamente democrático, mas que em muitos momentos refletia a repressão e a adequação tão presente nos regimes autoritários. Do mesmo jeito, ele também nos ajuda a perceber características do próprio Brasil, seja na facilidade da comunicação e nas raízes comuns com África, seja na dificuldade de se confrontar o discurso da Democracia Racial.
(1) Trabalho sobre o Festival Negro e Africano das Artes e da Cultura, FESTAC. Blog "África em Questão"
http://africaemquestao.wordpress.com/2012/07/27/trabalho-sobre-o-festival-negro-e-africano-das-artes-e-da-cultura-festac/
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