Entrevista realizada no Rio de Janeiro, em 6 de
novembro de 2018, por Mariano Horenstein. A transcrição da gravação foi feita
por Karen Garcia Delamuta, Aline Wageck.
A tradução para o espanhol foi
realizada por Gastón Sironi.
Entrevista
realizada en Rio de Janeiro, el 6 de novembro de 2018, por Mariano Horenstein.
La transcripción fue hecha por Karen Garcia Delamuta, Aline Wageck.
La
traducción al español, por Gastón Sironi.
Fonte: www.marianohorenstein.com
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Foto: Leo Aversa |
CAETANO VELOSO, O HOMEM QUE SONHOU A PSICANÁLISE
Caetano Veloso é, por qualquer ângulo que se olhe,
mestiço. Basta ver sua biblioteca e escutá-lo sustentar discussões sobre teoria
crítica, filosofia ou literatura com quem quer que seja para saber que estamos
frente a um verdadeiro intelectual. Também é um poeta, para quem a música das
palavras conta. É, logicamente, um artista incrível, um ícone da música
brasileira –no mínimo, dos últimos cinquenta anos– que sempre soube sustentar
um espírito ao mesmo tempo vanguardista e popular. Também é um homem político,
consciente do peso de sua voz nas discussões contemporâneas em que se joga o
destino da América Latina. É um artista local, leal às paisagens baiana e
carioca em que se formou e onde ainda mora. É, ao mesmo tempo, uma estrela
global.
E também é, em uma faceta pouco conhecida, um
amante da psicanálise. Alguém que fez da psicanálise parte de sua vida, a ponto
de escolher onde fixar residência em função da presença de psicanalistas no
local. Alguém com fineza perceptiva suficiente para poder sustentar uma
discussão teórica em psicanálise como se fosse psicanalista, e, ao mesmo tempo,
alguém que soube aproveitar o que um dispositivo como o nosso tem para
oferecer. Como ocorre com muitos outros artistas e intelectuais de renome, a
vida de Caetano pode ser rastreada a partir de seu itinerário analítico.
E, de algum modo, foi isto que procurei fazer nesta
entrevista, decantada de uma longa conversa que mantivemos em seu apartamento
de Ipanema, no Rio de Janeiro. Na contramão das dilações e entraves que costuma
ser necessário superar para entrevistar um artista de seu calibre, Caetano
tinha respondido meu convite imediatamente, com um caloroso e-mail escrito do
norte do mundo, em meio a uma turnê.
Entrevistar alguém da estatura e sensibilidade de
Caetano Veloso obriga quem o escuta a desaparecer ainda mais do que costumamos
fazer como psicanalistas. Obriga a renunciar a qualquer veleidade narcisista, à
tentação do fã ou do caçador de autógrafos, e reduzir a presença a tornar
possível que quem vai falar, fale. E o faça do modo mais íntimo e fiel a sua experiência
possível. Foi o que procurei nesse caso, e ouvir Caetano Veloso falar sobre
suas crises e suas análises, em uma entrevista atípica, foi uma verdadeira
delícia.
Mariano Horenstein
Você teve várias experiências com a psicanálise em sua vida, não?
Quatro. A primeira vez foi em Londres. Talvez, em
algum lugar, eu tenha contado uma pré-história da minha relação com a
psicanálise. Eu era menino e tinha muitas questões de saúde física, eu era o
filho mais fraco, doentio. Minha garganta estava sempre inflamada, eu era
fraquinho, e aí me levavam aos médicos e tudo. Apareceu um médico em Santo
Amaro [1] e foi curioso porque ele conversou comigo, o jeito dele eu gostei. E
ele preguntava coisas da minha vida, um pouquinho, e com a conversa vinha examinando:
“Abre a boca. Você dorme? Como é?” Me deu uma sensação, eu fiquei gostando
muito dele. Fiquei imaginando que devia ter um médico assim, que tratasse do
estado emocional da gente. Entendeu? E que pudesse conversar. Eu sonhei
realmente que houvesse um médico para isso, que pela conversa pudesse ir
resolvendo os nós de dentro da pessoa, da estrutura da pessoa.
E passado algum tempo, eu vi um filme americano em
que uma personagem, uma menina fala para a outra assim: “Você devia falar com um
psicólogo”. Um negócio assim. Psicólogo, foi o que apareceu escrito na
legenda, né? E a outra pergunta: “Mas o que é um psicólogo?”. “É uma pessoa que
trata dos seus problemas emocionais”. Eu pensei: “Então, existe isso!” É
engraçado, eu criança em Santo Amaro, eu ficava imaginando! Depois eu fiquei
sabendo da existência da psicanálise, na adolescência, achei que era uma coisa
que me fascinava.
Depois, li Freud um pouco, mas não fiz logo
psicanálise. Eu fui crescendo. Eu vim para o Rio porque uma prima minha me
trouxe e, passei um ano aqui, para ver meus problemas de saúde. Ao mesmo tempo
foi dos treze aos quatorzes que eu morei no Rio, lá na zona norte, parte pobre…
aos quatorze anos você vai ficando grande, saí da infância. Não gosto muito de
infância. Hoje eu gosto, mas demorei muito. Quando eu era jovem eu tinha
certeza que não queria ter filhos de jeito nenhum, porque ter criança era uma
coisa muito chata e depois também achava que ser criança era uma coisa muito
chata, … e vem do escuro e você não se lembra direito, e depois vai ficando
mais claro.
Eu tenho uma impressão da adolescência… muito
diferente da que em geral as pessoas têm. Existe um mito… parece que o
adolescente é angustiado, é um momento que começam os problemas… eu vejo sempre
ao contrário (risos). Eu vejo que muitos adolescentes têm problemas, mas a
impressão que me dá é que esses conflitos que aparecem na adolescência, eles
justamente aparecem, porque a pessoa está melhor, está mais livre… é muito mais
alegre, muito mais interessante. Pode criar conflitos, isso é outra coisa, mas
é porque pode mais, entendeu? Eu não tive uma infância desagradável, meus pais
eram maravilhosos, meus irmãos também. Mas a situação de ser criança… me
parecia desvantajosa… há uma certa felicidade em sair da infância… isso é uma
coisa, para mim, curiosa, porque o mito geral é que parece que a infância é uma
maravilha. E que depois você tem que aguentar as responsabilidades da vida
adulta, que é chato que é difícil, mas que a infância é uma delícia… E eu não queria
ter filho porque achava um negócio desinteressante a criança. Mas quando eu já
tinha trinta anos, eu tive… uma necessidade… um desejo de ter filho.
Necessidade e desejo de ter filhos.
Necessidade e desejo… era como se eu fosse… era
como se eu fosse até uma mulher, que o relógio biológico começa a exigir… a
pessoa fica tendo desejo de ter filho. Eu, eu sou homem e tive isso…. Eu tinha
muita curiosidade a respeito da sexualidade da mulher, porque parecia que não
existia. No ginásio os meninos todos falavam em masturbação… aí eu aprendi:
aquilo foi uma descoberta deslumbrante para mim. Eu ouvia uma sugestão, umas
falas… depois fui entendendo, e aquilo foi uma descoberta… eu tenho a impressão
que foi a descoberta mais importante da minha vida, a masturbação, o orgasmo.
Parece que a vida ganhou sentido, parece que agora eu sei porque vale a pena
viver.
Mas aí, mas as meninas, não falavam nisso… Eu tive
muitas mulheres na vida, e conversei muito com muitas… e aprendi muito, né?
Tive dois casamentos, longos, mas também muitas outras mulheres assim… de
encontros casuais, ou de curta duração, e conversei muito com elas, e elas
confirmam que realmente a gente não fala sobre isso. Algumas, conheciam a
masturbação, tinham descoberto sozinhas, mas não tinham a coragem de falar
disso…
E, com tantas mulheres, o que você descobriu sobre os mistérios da
mulher?
Eu comecei a transar com vinte anos… transar mesmo,
né? Eu tive um negócio com uma menina em Salvador, que não tinha penetração
porque ela era judia, e muito bonita, e virgem, e não queria… não queria deixar
de ser virgem. As meninas não entravam no bar, nunca saiam sozinhas de noite…
Era muito difícil, e a meninas… E a menina por quem eu me apaixonei… Era
impensável ter sexo com essas pessoas, porque seria como um desrespeito total…,
como se fosse um desastre para a própria vida delas e para a família. Então não
havia essa possibilidade que hoje há, né? Felizmente isso foi melhorando.
Aprendeu coisas com estas mulheres?
Nos livros da Simone de Beauvoir (risos), em Memórias
de uma moça bem-comportada e em O segundo sexo. Algumas coisas me
levaram a isso. Uma coisa era o cinema francês, porque o cinema americano não
tinha sexo; mas no cinema francês tinha…
Em Santo Amaro tinha dois cinemas e cada filme
passava dois dias, porque aí você podia ir em um e no outro. Eu ia em todos,
era louco por cinema e os filmes franceses apresentavam cenas assim de cara
beijando a mulher na cama e o peito da mulher aparecendo. Todos os meninos do
ginásio falavam: “Têm filme francês!”. Os meninos achavam meio chato, mas
adoravam algumas partes e ficavam esperando aparecer um peito, uma mulher nua.
E as mulheres ali demonstravam tesão. Entendeu? E prazer! Porque a gente não
sabia, como as meninas nunca falavam, e as mães da gente e irmãs tinham que ser
respeitadas, as mulheres eram criadas para… E o assunto sexo não entrava. Entendeu?
Nos filmes franceses eu via essa revelação da
sexualidade das mulheres. Eu ficava fascinado: então quer dizer que as mulheres
têm também… ficava misterioso, mas depois eu via que era uma repressão cultural
e comecei a ficar meio feminista assim, achando que as mulheres deveriam ter
mais liberdade de se expressar no mundo, de ser, e achava triste que elas não
tivessem essa abertura. E aí tinha uns primos meus que moravam em Salvador que
eram pessoas mais velhas e liam muitos livros, eram uma família meio
intelectual, então eu ouvi falar. Tinha uma prima minha que falou dos
existencialistas, então isso tinha ficado uma coisa pop, Sartre e Simone
de Beauvoir, e caíram nas minhas mãos Memórias de uma moça bem-comportada e
O segundo sexo.
Eu ficava pensando: “Será que a mulher
sente também?” Me perguntava se ela tinha orgasmo. Pelos filmes franceses
parecia que sim (risos), e depois eu li na Simone de Beauvoir. E, finalmente,
em Salvador, eu tive contato com uma menina que era muito linda; ela que tomou
a iniciativa e me chamou para ir ao cinema, eu pensei que era para ver um
filme… o filme não importava muito, e foi uma descoberta maravilhosa. Depois
fomos para a praia.
Teve algumas coisas com uns meninos, com uns
rapazes, mais ou menos neste período em Salvador também, alguma coisa de
masturbação mútua, ou pelo menos presencial, assim. Isso aí tem a ver com
psicanálise porque é sexo.
Sim, a descoberta da sexualidade.
Então eu fiquei fascinado com um negócio de Freud,
um negócio que batia com a minha experiência pessoal, que era o sexo ter este
lugar central.
O lugar central do sexo na experiência.
É, na experiência do ser.
Sim. Aí um ponto de sintonia com Freud.
Eu senti uma sintonia total. Ainda sinto essa
sintonia, porque eu acho que isso é uma intuição bastante profunda, isso é a
grande força do negócio de Freud.
Eu sempre tive muitos questionamentos na cabeça,
tinha angustia, tinha medos. Eu era um tipo hipocondríaco e tinha medo de ter
uma doença que me matasse ou que… eu tinha medo de estar doente e ficava
apavorado. Tinha medo também, porque eu vi uma mulher ter um ataque epilético e
eu pensei que ela estava sendo possuída por um orixá do candomblé, e era numa
festa religiosa católica. Fiquei um tempo enorme com medo daquilo.
Eu tenho uma resistência a dormir, minha mãe fala:
“Você era um bebê insone” Porque todo mundo ia dormir e eu não queria dormir,
queria continuar puxando conversa, mesmo quando tinha dois anos, três anos de
idade. Eu sou assim até hoje. Dormir é sempre um pouco problemático, a ideia de
dormir. Porque como eu estou aqui, conversando com você, vendo as coisas… e
daqui a pouco vou estar apagado? Eu não aceito, e a passagem de me entregar ao
sono é difícil.
Então eu tinha uma porção de coisas assim e uma
visão de mundo muito curiosa, porque a minha casa era muito pacífica. Meus paIs,
eles se amavam muito e eram muito harmônicos. Estavam sempre juntos, nunca
brigaram e eram pessoas muito dignas, muito carinhosas entre si. Isso dava um
ambiente…
Então, ao mesmo tempo, eu sentia a casa dentro de
uma redoma. Eu olhava para o mundo, recebia notícias do mundo. Nossa casa era
uma família estendida, por meu pai ter filhas de irmãs mais velhas dele vivendo
com ele desde que minha mãe se casou. Ele tinha três irmãs morando com ele e
seis sobrinhas quando minha mãe se casou com ele e entrou nessa casa cheia de
mulheres. O que é estranho é que elas nunca brigaram, nós nunca vimos briga.
Você cresceu rodeado de mulheres.
Muitas mulheres, a casa era cheia de mulheres e
depois eles tiveram a primeira filha mulher, a segunda filha mulher, finalmente
veio o terceiro, que é meu irmão Rodrigo, homem; depois Roberto, homem; depois
eu, homem; e depois, Bethânia. Eles tomaram duas meninas para criar, a mais
velha antes da primeira [filha] e a última, Irene, depois de Bethânia. São mais
duas mulheres… O modo feminino dominava a casa toda. Meu pai era o único homem
da casa até nascer o primeiro dos filhos homens, mas a gente não ficou muito
masculino não, porque o ambiente… talvez por isso também…. Enfim. Mas meu pai
era inacreditavelmente aberto para o que acontecesse naturalmente, com um
respeito por nós, assim de acompanhar. Ele exigia só honestidade, mas não
exigia masculinidade, não exigia definição sexual. Meu pai era incrível, era um
homem que tinha uma capacidade muito grande, porque ele é que deu o tom para
essas mulheres todas dentro daquela casa não brigarem, porque é muito difícil
isso.
Tem que haver um homem que ordene.
É quase impossível que não houvesse, que não fosse
um ambiente de muitas brigas, mas não havia. E é curioso que Bethânia, minha
irmã, que afinal foi quem me trouxe para essa vida profissional em música
popular, porque ela se tornou famosa quando tinha dezessete para dezoito anos,
e o meu pai pediu que eu viesse tomar conta dela. Bethânia quebrou um pouco
esse mundo de não-conflito, porque ela individualmente tinha uma coisa que vem
de dentro dela… a gente achava um pouco de graça… até hoje é um pouco assim. A
gente ria um pouco. Era “gracioso” que… ela dramatizasse assim as relações. Ela
às vezes ficava de mal com um membro da família sem ninguém saber por quê. Aí
tem gente que diz que é porque ela é do signo de Gêmeos, e é a única que é do
signo de Gêmeos. Então, mais tarde quando esse tema da astrologia entrou no
imaginário o fato dela ser geminiana explicava.
Então minha formação mais ou menos foi essa. Eu
tive muita curiosidade, muito interesse pela psicanálise, mas não tinha
sentido, até um determinado momento, necessidade.
E esse determinado momento qual foi?
Foi o seguinte, em 1968… O golpe foi em 64, o golpe
militar. Aí ficou difícil, mas não foi tão terrível. Foi um susto, eu deixei a
faculdade, porque o ambiente ficou ruim. Teve professor que foi preso, alunos
que desapareceram, e Bethânia foi chamada para o Rio para substituir a Nara
Leão num espetáculo. Como Bethânia veio, eu vim para cá. Ela cantou uma música
minha, a música já fez sucesso e terminei entrando nesse negócio de música
popular, que eu já fazia, mas que para mim era uma coisa secundária.
Eu pintava, eu queria fazer filmes e escrever. A
canção era uma coisa de que eu gostava assim, fiz uns espetáculos com meus
amigos em Salvador. Depois Gil teve a ideia tomar uma atitude diferente em
relação à música popular e deu no negócio do tropicalismo. Aí precisou muito do
meu contributo intelectual para acompanhar, para produzir junto, e finalmente
para teorizar mesmo, para articular o sentido do movimento. Então eu pensava:
eu faço isso e depois deixo o negócio de música popular e vou fazer filme, que
eu quero fazer e vou fazer outra coisa. Mas aí, em 68, dentro já da ditadura,
veio um golpe dentro do golpe, o AI-5 [2], que deu poderes ilimitados à
repressão e endureceu muito o regime.
Aí em 68, Gil e eu fomos presos. Ficamos dois meses
na cadeia, foi um período terrível, porque eles nos prenderam sem explicação. A
gente morava em São Paulo, tinha residência, eu era casado com Dedé que era
minha namorada desde Salvador, com quem eu vivia e havia combinado de nunca ter
filhos.
Então começou assim o negócio, fazendo música… o
tropicalismo, com a explosão da contracultura no mundo, coincidia com o que a
gente estava fazendo, né? E foi em 67 que nós fizemos o tropicalismo. Aí em 68
eles prenderam a gente, foi um susto, porque a esquerda não apoiava o que a
gente fazia. Ao contrário a esquerda vaiava, os estudantes de esquerda – como a
gente admirava os Beatles e admitia o uso de guitarras elétricas, ou seja,
tinha uma abertura para o rock – achavam que estávamos vendidos ao imperialismo
(risos).
Era assim mesmo, vaiavam e reagiam contra. Os
meninos alienados é que gostavam da gente. Eles eram alienados, mas estavam
querendo se engajar em uma coisa diferente, eram uns meninos que deixaram o
cabelo crescer e começaram a aderir à contracultura. Mas os militares
encontraram um meio – alguma denúncia falsa de que a gente teria feito um
espetáculo no Rio desrespeitando a bandeira nacional e o hino nacional –, não
houve isso, mas eles nos prenderam. Ficamos dois meses presos, só no meio do
segundo mês que fizeram um primeiro interrogatório comigo. A primeira semana eu
fiquei numa solitária, Gil em outra, eu não via ninguém. Ninguém me perguntava
nada, não havia explicação, eu dormia no chão. Fiquei sem conseguir comer me
sentindo mal e angustiado, porque ali eu não sabia… a impressão que eu tinha,
vou lhe dizer, é que a vida era aquilo e que todo o resto de que eu me lembrava
era uma fantasia minha, um sonho, não era real.
Fiquei muito mal mentalmente e, bom, isso durou
dois meses. Depois fomos levados em aviões da Força Aérea para Salvador. Eles
disseram que iria ser nossa soltura. Era tudo muito arbitrário, porque nós
morávamos em São Paulo, eles prenderam a gente em casa sem dizer que era prisão
e dizendo que nós íamos responder um interrogatório formal, e o carro veio para
o Rio, e depois levaram a gente para Polícia Federal, e de lá para o quartel do
Exército, e de lá para o quartel da Polícia do Exército (PE), na vila militar
na Tijuca, e de lá para a vila militar e depois para os paraquedistas. Isso
tudo durou dois meses e a soltura foi para Salvador, porque nós somos da Bahia.
Porém, quando o avião da FAB chegou em Salvador, a força aérea em Salvador
prendeu a gente e o cara da Polícia Federal brigou com um cara da Força Aérea e
levou a gente e prendeu de novo! Eu quase morro, porque eles tinham na verdade
a ordem de dois meses antes para prender, caso a gente fugisse para a Bahia.
Eles nunca avisaram que nós já tínhamos sido presos e nem deram a contraordem,
uma desorganização.
É tão latino americano isso…
Muito latino-americano, é um caos. E, bom, o
sujeito levou a gente e os caras da Polícia Federal brigaram e saíram dali
zangados. A gente foi presa. Eu fiquei arrasado olhando para Gil e dizendo:
“Gil o que vai ser da gente agora?”. Agora a gente foi presa pela Aeronáutica,
vai começar tudo de novo, uma coisa terrível. Enquanto isso, os caras da
Polícia Federal telefonando para o Rio, para Brasília para resolver a questão.
Afinal esclareceram e de noite eles foram lá e soltaram a gente. Mas a soltura
foi o seguinte, os policiais federais levaram a gente para o chefe da Polícia
Federal em Salvador, que era um coronel do exército. Ele olhou para nós: “Você
chegou aqui, mas não tem processo, não tem nada”. Ele reclamando do caos da
organização deles (risos). “Bom, o negócio é o seguinte: a ordem que eu tenho é
que vocês têm de vir aqui todos os dias, não podem sair do perímetro urbano da
cidade de Salvador. Tem que vir todos os dias assinar aqui o papel, nesse
caderno”. Aí assinamos nessa hora e ele disse: “Amanhã, aqui.” E assinamos
todos os dias. Nós ficamos quatro meses nessa situação. Não pode dar
entrevista, se apresentar em público, nada.
Gil já tinha duas filhas. Aí começou a reclamar,
que já estávamos há seis meses sem trabalhar, que tinha duas filhas. Aí a
solução que eles encontraram foi o exílio. Eles resolveram os papéis, mas nós
compramos a passagem.
E terminaram em Londres?
Terminamos depois em Londres, mas fomos para
Lisboa. Porém Lisboa… Portugal nessa época, ainda estava sob o salazarismo (risos).
De um inferno a outro.
É, de um inferno a outro, tudo dentro da língua
portuguesa! E aí, nós fomos para Paris. Nosso empresário estava lá, na Europa,
Guilherme Araújo, porque Gil ia ser a primeira apresentação de um artista
moderno, brasileiro tropicalista, fora do Brasil, que ia ser no Festival Midem
[3], em Cannes. Mas, quando fomos soltos… fomos exiliados, os caras da
Polícia Federal foram me botar dentro do avião, e o cara ainda me disse: “não
volte… e se voltar se entregue logo para nos poupar de ter o trabalho de passar
um dia lhe procurando; porque mais de um dia não fica.” Foi exatamente o que o
cara me disse. Então eu saí do Brasil amargurado. Eu tenho horror a morar fora
do Brasil, só gosto de viver no Brasil… e aí eu tive umas coisas esquisitas: primeiro
eu tinha tomado ayahuasca… essa bebida, em 68. É um alucinógeno muito forte. E
tive uma angústia muito grande. Tive uma viagem com visões muito bonitas, mas
depois de algumas horas, minha cabeça ficou cansada, eu queria desfazer aquilo,
e fiquei louco. Foi terrível, fiquei apavorado, mas foi passando. Mas aí veio
essa prisão e depois o exílio. E no dia em que a gente foi solto, Gil e eu
chegando em minha casa na Bahia, olhando a casa, as fotografias na sala, fiquei
tão louco quanto no dia da ayahuasca. Pensei que eu tinha ficado louco e não
tinha jeito, porque não tinha nem tomado droga, então era um desespero total.
Gil, me vendo assim, começou a chorar, eu olhava para Gil, entendia que ele
estava chorando, ao mesmo tempo eu sabia que eu não sabia mais quem era Gil.
Queria me olhar no espelho para ver se eu me reunia comigo mesmo, e foi horrível
porque não é que eu não sabia quem era, eu não sabia o que era aquilo
que eu estava vendo! Meu pai bateu o olho em mim e disse: “Não me diga que
esses filhos da puta te deixaram nervoso!”. Fiquei bom!
Te apaziguou isto! … A palavra de seu pai…
Ele falou “filhos da puta” na frente de minha mãe.
Ele nunca falou um palavrão na frente de minha mãe. Aí eu chorei… fiquei…
Então, isso tudo contribuiu para que quando a gente
saiu fosse… De Lisboa para Paris. Era 1969 e tinha acabado de ter o 68 em
Paris, foi bonito, mas terminou voltando… De Gaulle voltou, dominou a
situação…. As ruas ficavam muito policiadas, era uma sensação de opressão.
Uma coisa sensata é ir pra Londres, disse nosso
empresário. Em Londres tem paz, a música… é a música que mais interessa, lá não
tem esse negócio de polícia ficar parando ninguém…. Aí em Londres, com tudo
isso que eu estou contando, eu fiquei muito angustiado, eu fiquei meio deprimido,
fiquei meio mal. E aí fiquei procurando um psicanalista… E aí me disseram que
tinha um psicanalista brasileiro que atuava em Londres, era um cara judeu muito
bacana ele. E aí foi a primeira…
E te ajudou?
Eu gostei muito. Ele era muito lacônico assim,
daqueles analistas que ouviam muito e não falavam quase nada, com horário
certo, né? Mas aquilo mexeu muito comigo… me ajudou…, mas aí eu comecei toda
uma coisa com a psicanálise que é curiosa, porque quando eu sonhava com a
psicanálise, eu achava que você chegava lá e…. com aquela ideia de livre
associação…. Eu imaginava uma soltura… Nada disso acontece: você chega lá, você
tem uma pessoa, entendeu? Tem um cara e você. Você tem que falar, não sabe por
onde começar, e também… as amarras sociais se mantém todas ali… embora você vá
criando uma relação, que é uma relação especial: ela é diferente das outras,
né? Você tem, ao mesmo tempo, uma grande abertura de sua intimidade para uma
pessoa que não faz parte da sua vida. Realmente você cria uma instância especial.
E eu vi que isso, apesar de tudo, acontece, mas tinha uma decepção de não ver
as coisas acontecerem assim como eu sonhara…. Mas caiu muito bem, e ele… O nome
dele era Abrahão Brafman; eu quero muito bem a ele.
Quando você voltou foi quando pensou em procurar novamente?
Quando eu voltei… eu fui para a Bahia e fiquei tão
feliz de ter voltado, nunca mais pensei em psicanálise, durante um tempo.
Fiquei três anos. Nesse período eu comecei com, coincidiu com esse período da
psicanálise, – eu nunca liguei uma coisa com a outra, mas agora a gente é
obrigada a ligar – esse desejo de ter filho.
Começou em Londres, mas cresceu mais quando eu
comecei a vislumbrar, porque no princípio era uma angustia total, uma depressão
por causa da ideia de que eu não sabia quando eu poderia voltar ao Brasil e nem
se poderia voltar. Eu me lembro que conheci, fiz amizade com Cabrera Infante,
um escritor cubano, e ele temia, com razão, que iria morrer sem voltar a Cuba,
e ele morreu sem voltar a Cuba. Para mim isso era uma coisa insuportável.
Quando eu comecei a ver esboços de possibilidades
de vir ao Brasil, eu comecei a ter vontade de ter filho. Então teve a
psicanálise e a promessa de voltar ao Brasil, aí foi uma coisa muito grande,
porque eu comecei a querer ter filho e comecei a dizer a minha mulher e ela
falou: “O que é isso?” Porque a gente sempre teve a decisão de nunca ter filho,
para ser livre, criança a gente não gostava.
Mas quando a gente voltou para o Brasil e chegou na
Bahia e ela ficou feliz também porque a gente voltou. Quando voltei mesmo, aí
Dedé disse: “Caetano vou lhe dizer uma coisa, eu topo a ideia de ter filho,
agora eu quero, aqui na Bahia.” Aí ficamos três anos na Bahia, Moreno nasceu,
foi o maior acontecimento da minha vida adulta. E até hoje eu adoro ter filho,
eu tenho três filhos, é uma coisa espetacular.
Mas aí depois de três anos em Salvador, Moreno já
com três anos eu comecei a ter a necessidade de fazer psicanálise de novo. Aí
eu queria resolver, entrar mais, resolver mais minha pessoa dentro da coisa
psicanalítica, mas Salvador não tinha psicanalista, nessa altura. Eu lembro até
que falei com João Gilberto que em Salvador não tem psicanalista…. “Não precisa
Caetas…” (risos).
Está bem assim… (me rindo).
Era uma maravilha (risos). Aí eu queria ir para São
Paulo, mas Dedé dizia: “Se for para São Paulo eu não vou, não, para o Rio eu
vou.”, e aí viemos para o Rio e por isso eu estou no Rio até hoje.
Havia psicanalistas no Rio?
Sim, eu vim procurar uma psicanalista específica,
porque a Clarice Lispector tinha dedicado um livro dela a Inês Besouchet, que é
um dos primeiros nomes da psicanálise no Brasil, já era uma mulher mais velha.
Algo ela teria que ter…
Fui falar com ela, tive duas entrevistas, e ela
disse que não tinha tempo, mas que queria arranjar um psicanalista para mim e
deu três sugestões. A primeira não deu certo, a segunda eu não quis ir por
causa do endereço, eu tinha uma superstição com o endereço, que ficava na rua
do cemitério. Ela sorriu um pouco e depois disse: “Então você vai em um jovem,
um psicanalista jovem, eu acho que vai dar certo”. Me deu esse terceiro nome,
eu fui, e eu adorei, de primeira teve muita sintonia. A chamada transferência
aconteceu, aconteceu em Londres, mas com esse muito mais e durante todo o
tratamento. Foi o psicanalista com que mais senti que fiz psicanálise e que…
fiz durante muitos anos e depois ele estava caminhando para me dar alta. Estava
me preparando para gente se afastar, mas aí ele próprio foi se modificando
porque ficou interessado em um grupo, que era, na base lacaniano mas que tinha
se tornado uma coisa independente, diferente, que era o grupo de MD Magno. Hoje
eu faço análise com MD Magno. Porque este analista de quem eu estava falando,
eu fiquei anos fazendo análise com ele e ele começou a se encantar com o grupo
de Magno e começou a mudar e aí me disse que… A gente, na verdade, ia recomeçar
e mudar tudo e fazer um negócio diferente. E a Inês Besouchet apareceu num show
meu, foi ao camarim e daquele jeito dela, porque ela era uma mulher quase evanescente,
quase etérea, muito fascinante, e ela foi e disse: “Então, gostei muito, acho
que está na hora, não é?”. Eu disse: “Como?”. Ela disse: “Na hora de você ir
lá”, de eu finalmente fazer análise com ela. Ela era como uma supervisora do
meu analista, né?
Ela então acompanhou essa mudança… eu suponho, que
coincidiu, não é que coincidiu, acho que foi isso. Ela vendo ele… – porque ela
estava acompanhando possivelmente até esse caminho da alta, né – e de repente
essa mudança dele…, ele mudou muito, foi mudando, ele ficou fascinado pelo
neolacanismo de Magno, porque Magno criou um negócio dele.
Não era uma ortodoxia lacaniana, era uma cosa nova?
Ele foi um introdutor de Lacan no Brasil, muito
importante, mas ele se tornou uma nova coisa, entendeu? Com teoria própria, com
sugestões. Ele tem uma obra muito interessante. Um amigo foi assistir umas
palestras do Magno e me chamou pra ver. Vi que tinha coisa interessante ali,
mas eu pessoalmente não gostei muito não, porque tinha um negócio que eu vejo
também em Lacan e que eu estava vendo ali, que é um negócio… é…. tem algo de
mistificação. É um problema grande aí, porque entra todo um problema da
psicanálise, né?
Eu sou um apaixonado da psicanálise por tudo o que
eu já lhe contei, desde o sonho até a eleição por parte de Freud do sexo como
coisa central da experiência humana, tudo isso eu tenho… isso para mim tem um
valor, muito profundo, muito grande, mas aquelas críticas terríveis da história
do movimento psicanalítico e o que é a psicanálise hoje. A própria ideia de
Popper que a psicanálise é uma superstição moderna.
Bom, mas um de teus analistas defendia a superstição, não? Mais que a
religião.
Esse de que eu gostava muito…
Sim. Então não é uma “má palavra” que seja uma superstição do século XX?
Pois é. Não é necessariamente uma má palavra,
porque o analista me dizia assim: “Superstição é melhor do que religião”
Foram 4 análises, então? Abrahão Brafman, Rubens Molina…
Eu continuava ainda com ele quando Inês Besuchet
foi me dizer “está na hora de você ir para lá” – para o consultório dela. Eu
disse, então: “Eu vou lá conversar com a senhora”. Aí contei ao meu analista e
ele disse: “Muito bom, Inês é maravilhosa, vai lá”. Eu fiquei indo aos dois.
Ao mesmo tempo?
Sim, ao mesmo tempo, durante um período, e eu dizia
tanto para um quanto para o outro o que acontecia, como estava sendo.
Teve um episódio peculiar, em meio a tudo isso, é
interessante para você saber. A grande artista brasileira Lygia Clark [4], ela
achou que a arte não só devia sair do quadro, como começar a ser vivida pelo
autor tanto quanto pelo espectador. O espectador e a arte, e às vezes o
artista, né?
Ela é muito pioneira e achou que a arte dela estava
caminhando para uma terapia, e ela transformou numa terapia. E ela deixou de
fazer objetos e fazia uma terapia. Aí ela me convidou… eu fazia análise com o
Rubens Molina, e fazia também com a Lygia Clark, porque era Lygia Clark. Ela
era minha amiga e eu tinha uma grande admiração por ela e eu fui lá fazer. Era
muito interessante, muito curioso porque era a Lygia Clark, ela usava umas
coisas que tinham a ver com a arte dela, uns sacos com diferentes tipos de
texturas dentro, areia, pedaços de pedras, coisas grossas, coisas suaves,
água…e também uns canudos que ela soprava, o ar batia em certos pontos do
corpo, a gente ficava só de cueca e assim deitado, e ela fazia essas coisas e
falava muito pouco e perguntava muito pouco. E com as conversas ela ia nuns
pontos do corpo e fazia… eu não senti nenhum resultado propriamente.
Preferia a análise tradicional? Preferia a outra psicanálise?
É, eu preferia mais a psicanálise verbal, mas era
curioso. É curioso que uma artista tenha ido radicalizando o sentido de sua
arte até o ponto da interação com o espectador e que ela descobriu que, na
verdade, era uma terapia, e ela até o fim da vida ficou fazendo essa terapia.
Ela me despediu um dia, ela disse: “Caetano, olha, vamos parar aqui, você não
está respondendo”. “Está bom, continuamos amigos” (risos). Não nos víamos
muito, mas ela era uma pessoa que gostava de mim e eu a respeitava enormemente.
Então, até morrer ela fez esse negócio. Ela achou que a arte, a arte dela pelo
menos, se levada até as últimas consequências, virava uma terapia.
Em que medida te parece que tuas distintas psicanálises fizeram com que
você seja quem é? Há algum fio comum? Qual seria a marca que você vê da
psicanálise em sua vida?
Cara, como eu mais ou menos previa a psicanálise,
eu acho que está tudo sempre interligado, o que eu sou, o que eu faço com a
experiência da psicanálise, mas eu tenho a psicanálise sempre sob uma suspeita.
É, mas, isso é uma questão… Magno, uma vez ele
disse assim: “Não é ciência, é outra coisa”, mas depois disse: “É ciência!”
(risos). Mas esse é outro maluco, é outro tipo de figura, é especial. E para
mim é curioso, hoje em dia eu faço análise com ele, e, diferentemente do Rubens
Molina, com quem eu tinha essa identificação muito grande e achava que ele
entendia tudo…. Eu tive um desentendimento… Ele teve comigo, brutal, o Rubens
rompeu comigo… porque a doutora Inês morreu, e eu fiquei 14 anos sem fazer
psicanálise. Entendeu? Porque eu fui deixando o Rubens que estava mudando, e eu
não estava conseguindo acompanhar. E de fato, fiquei fazendo com Inês, a quem
Clarice tinha dedicado um livro, então eu, adorava ela. Mas aquilo não rendeu
muito. É curioso, é curiosíssimo.
Não te ajudou muito essa análise?
Não rendeu muito.
Mas, porque aí houve algo… ela te procurou… foi ao camarim te chamar.
É, foi me buscar…
Não pode funcionar assim.
Ela foi porque eu tinha ido buscá-la, e ela foi me
chamar: “Acho que chegou a hora, você foi me pedir, e agora acho que dá”,
entende?
Entendo. Entendo que não tenha funcionado.
Mas funcionava…, como assim… era bonito e agradável
o negócio com ela. E tem uma coisa estranha e interessante o fato dela ser
mulher. Era muito velha já, mas curiosamente com ela, eu tinha fantasias
sexuais. Isso é um pouco estranho, porque eu não diria para você que eu me
considere ou me sinta uma pessoa definidamente heterossexual. Mas foi assim,
com esses caras com que eu fiz análise, com que eu faço hoje, nunca tive
nenhuma fantasia sexual… isso não me vem à cabeça.
Com ela, toda vez, eu estava lá, dentro daquele
lugar, deitado, e ela sentada me ouvindo… e eu ficava pensando que tinha um
clima… eu tinha fantasias… eu não tinha coragem de dizer a ela…. Curioso…, eu
tinha vergonha porque ela era muito velha, e respeitada e tudo. E eu comecei a
esboçar um dia, mas ela desfez assim, mas eu não…. Tentei dizer, mas não
consegui dizer direito. É curioso. Isso é uma coisa a se registrar.
Com os psicanalistas esse aspecto que poderia
aparecer com a transferência, incluir coisa amorosa ou sexual, não aconteceu; mas
com ela aconteceu. Mas a parte, assim, de entendimento das minhas coisas, de ir
aclarando coisas, com ela não houve. Ela parecia quase uma coisa sobrenatural…
É gozado! Ela terminou se ligando a um cara brasileiro que fazia milagres, e
que a salvou… ela era muito frágil de saúde. Ela tinha sido considerada à beira
da morte desde muito jovem por causa do coração. Mas ela morreu velha…, mas
teve crises, e esse cara apareceu quando ela ia morrer, e quando apareceu ele…
a salvou, fez ela ficar boa de repente…, e ela ficou muito impressionada com
isso, então. É (risos). É, são coisas…
E você leu psicanalistas posteriores?
Li Klein, é muito bacana. Li um pouco de Bion.
Lacan, eu li um pouco, mas eu me irrito um pouco com aquela coisa. E olha, é
curioso porque eu adoro o jogo de palavras, adoro. Eu sou fã da poesia
concreta, e adoro Joyce…. Eu acho bacana, mas tem uma hora que as pessoas ficam
enredadas numa fascinação… Eu vejo aqueles vídeos dele na internet, acho ele
muito mistificador… tem umas coisas fascinantes. O mais bonito que eu vi dele,
dessas que tem na internet, é um programa de televisão que ele começa dizendo: Je
ne dis que la vérité: pas toute…uma coisa assim, né?
Porque não se pode dizer toda a verdade.
É, eu não digo senão a verdade… não toda (risos).
Escutar-te, me faz pensar que não se pode dizer toda a verdade, sempre
se diz às meias, como diz Lacan, mas se pode dizer bastante, Caetano, não é?!
Realmente se pode dizer muito.
É. Se pode dizer muito.
______________________
[1]
N. da E.: Santo Amaro da Purificação, pequena cidade da Bahia, terra
natal de Caetano Veloso.
[2]
N. da E.: O Ato Institucional Nº 5, AI-5, baixado
em 13 de dezembro de 1968 durante o governo do general Costa e Silva, foi a
expressão mais acabada da ditadura militar brasileira (1964-1985). Vigorou até
dezembro de 1978 e produziu um elenco de ações arbitrárias de efeitos
duradouros. Definiu o momento mais duro do regime, dando poder de exceção aos
governantes para punir arbitrariamente os que fossem inimigos do regime ou como
tal considerados.
[3] N. da E.: O Mercado Internacional do Disco e da
Edição Musical (Midem, por suas siglas em francês) é o maior encontro mundial
de empresas ligadas à música.
[4] N. da E.: Lygia Pimentel Lins, mais conhecida
como Lygia Clark (Belo Horizonte, 1920 – Rio de Janeiro, 1988) foi pintora e
escultora, trabalhou com instalações e body art e destacou-se por trabalhar no
campo da arte-terapia. Propôs a desmistificação da arte e do artista e a
desalienação do espectador, que compartilhava a criação da obra.
CAETANO VELOSO: EL HOMBRE QUE SOÑÓ EL PSICOANÁLISIS
Un encuentro con el inmenso artista brasileño, en su casa de
Ipanema, Rio de Janeiro, a principios de noviembre de 2018.
Comenzó a analizarse durante su
exilio en Londres y luego tuvo varias experiencias con diversos terapeutas
brasileros. En esta entrevista, Caetano Veloso habla de su familia, del
descubrimiento del sexo, de la femineidad, de la persecución política y
finaliza desconfiando, y mucho, de Lacan.
Caetano Veloso es, por donde se lo mire, mestizo.
Basta ver su biblioteca y escucharlo capaz de sostener discusiones acerca de
teoría crítica, filosofía o literatura con cualquiera para saber que estamos
ante un intelectual verdadero. También es un poeta, alguien para quien la
música de las palabras cuenta. Es, por supuesto, un artista tremendo, un ícono
de la música brasileña de al menos los últimos cincuenta años, que ha sabido
sostener siempre un espíritu a la vez vanguardista y popular. Es también un
hombre político, consciente del peso de su voz en las discusiones
contemporáneas donde se juega el destino de Latinoamérica. Es un artista local,
leal al paisaje bahiano y carioca en el que se ha formado y vive, y al mismo
tiempo una estrella global.
Y también es, en un costado apenas conocido, un
amante del psicoanálisis. Alguien que ha hecho del psicoanálisis parte de su
vida al punto de decidir un lugar de residencia en función de si había o no
psicoanalistas allí. Alguien con la fineza perceptiva suficiente como para
poder sostener una discusión teórica en psicoanálisis como si fuera
psicoanalista, y a la vez alguien que ha sabido aprovechar lo que un
dispositivo como el nuestro tiene para ofrecer. Como sucede con muchos otros
artistas e intelectuales de renombre, puede rastrearse la vida de Caetano a
partir de su itinerario analítico.
Y, de algún modo, eso he procurado
hacer en esta entrevista, decantada de una larga conversación que sostuvimos en
su departamento de Ipanema, en Río de Janeiro. A contramano de las dilaciones y
los escollos que suele ser necesario sortear para entrevistar a un artista de
su calibre, Caetano había respondido a mi invitación inmediatamente, con un
cálido correo escrito desde el norte del mundo, en medio de una gira.
Entrevistar
a alguien de la talla y la sensibilidad de Caetano Veloso obliga a quien lo
escuche a desaparecer, incluso a desaparecer aún más de lo que acostumbramos
desaparecer los psicoanalistas. Obliga a renunciar a cualquier veleidad
narcisista, a la tentación del fan o el cazador de autógrafos, y reducir la
presencia a hacer posible que quien va a hablar hable. Y lo haga del modo más
íntimo y fiel a su experiencia posible. Eso he procurado en este caso, y oír
hablar a Caetano Veloso acerca de sus crisis y sus análisis, en una entrevista
atípica, ha sido una verdadera delicia.
Mariano Horenstein
Has tenido varias experiencias
con el psicoanálisis en tu vida, ¿verdad?
Cuatro.
La primera vez fue en Londres. Tal vez, en algún lugar, haya contado una
prehistoria de mi relación con el psicoanálisis. Era niño y tenía muchos
problemas de salud física; era el hijo más flaco, enfermizo. Tenía la garganta
siempre inflamada, era flaquito, me llevaban al médico y todo eso. Apareció un
médico en Santo Amaro [1], y fue curioso porque conversó conmigo, esa manera
suya me gustó. Me preguntó cosas de mi vida, un poquito, y en la charla fue
examinándome: “Abre la boca. ¿Duermes? ¿Cómo?”. Me dejó una sensación que me
gustó mucho. Me quedé pensando que debía tener un médico así, que tratase el
estado emocional de la gente. ¿Se entiende? Y que pudiese conversar. Soñé
realmente que hubiese un médico para eso, que a través de la conversación fuera
resolviendo los nudos del interior de la persona, de la estructura de la
persona. Pasado algún tiempo, vi una película estadounidense en la que un
personaje, una niña, le dice a otra: “Tendrías que hablar con un psicólogo”.
Algo así. Psicólogo fue lo que apareció
escrito en los subtítulos, ¿no? Y la otra le pregunta: “Pero ¿qué es un
psicólogo? “Es una persona que trata tus problemas emocionales”. Y pensé: “¡Entonces,
eso existe! Es gracioso, ¡de niño en Santo Amaro me la pasaba imaginándolo!”.
Después supe de la existencia del psicoanálisis, en la adolescencia, y sentí
que era algo que me fascinaba.
Después
leí un poco a Freud, pero no hice psicoanálisis. Y fui creciendo. Vine a Río
porque una prima me trajo, y pasé un año aquí para atenderme por mis problemas
de salud. Fue entre los trece y los catorce que viví en Río, en la zona norte,
la parte pobre… A los catorce uno se va haciendo grande, salí de la infancia.
No me gusta mucho la infancia. Hoy me gusta, pero demoré mucho. Cuando era
joven tenía la certeza de que de ninguna manera quería tener hijos, sentía pena
por mis amigos con hijos, porque, mi Dios, tener niños era una cosa muy molesta
y además pensaba que ser niño también era algo muy molesto… y nace en la
oscuridad y uno no recuerda directamente, y luego va haciéndose más claro.
Tengo
una impresión de la adolescencia… muy diferente de la que tienen las personas
en general. Existe un mito. Parece que el adolescente es un ser angustiado, es
el momento en el que comienzan los problemas… Yo siempre veo lo contrario… [risas]
Veo que muchos adolescentes tienen problemas, pero la impresión que me da es
que esos conflictos que aparecen en la adolescencia justamente aparecen porque
la persona está mejor, es más libre… es mucho más alegre, mucho más
interesante. Puede crear conflictos, eso es otra cosa, pero es porque puede
más, ¿se entiende? Yo no tuve una infancia desagradable, mis padres eran
maravillosos, también mis hermanos. Pero la situación de ser niño… me parecía
desventajosa… hay una cierta felicidad en salir de la infancia… Eso es algo,
para mí, curioso, porque el mito general es que parece que la infancia es una
maravilla. Y que después uno tiene que soportar las responsabilidades de la
vida adulta, que es molesto, que es difícil, pero que la infancia es una
delicia… Y yo no quería tener hijos porque no me parecía algo interesante. Pero
cuando tuve treinta años, tuve… una necesidad… un deseo de tener hijos.
Necesidad y deseo de tener
hijos.
Necesidad
y deseo… Era como si fuese… Era como si fuese incluso una mujer para quien el
reloj biológico comienza a existir… Uno se ve sintiendo el deseo de tener
hijos. Yo soy hombre y sentí eso. Sentía mucha curiosidad y respeto por la
sexualidad de la mujer, porque parecía como si no existiera. En el colegio
todos los chicos hablaban de la masturbación… Ahí aprendí: fue un
descubrimiento deslumbrante para mí. Escuchaba consejos, dichos… Después fui
entendiendo, y fue un descubrimiento… Tengo la impresión de que fue el
descubrimiento más importante de mi vida, la masturbación, el orgasmo. Parece que
la vida cobró sentido, parece que ahora sé por qué vale la pena vivir. Pero
allí, las chicas, no hablaban de eso. Tuve muchas mujeres en la vida, y
conversé mucho con muchas… y aprendí mucho, ¿eh? Tuve dos matrimonios, largos,
pero también muchas otras mujeres así… de encuentros casuales o de corta
duración, y conversé mucho con ellas, que confirmaron que realmente la gente no
habla de eso. Algunas conocían la masturbación, la habían descubierto solas,
pero no se animaban a hablar de eso…
Y con tantas compañeras, ¿qué
has descubierto de los misterios de la mujer?
Debuté a los veinte años… Debutar
de verdad, ¿no? Tuve un asunto con una chica en Salvador, sin penetración
porque ella era judía, muy bonita, y virgen, y no quería… no quería dejar de
ser virgen. Las chicas no entraban al bar, nunca salían solas de noche. Era
impensable tener sexo con esas personas porque habría sido una total falta de
respeto como si fuese un desastre para su propia vida y para la familia.
Entonces no había las posibilidades que hay hoy, ¿no? Felizmente, eso fue mejorando.
¿Has aprendido cosas de las
mujeres?
En
los libros de Simone de Beauvoir [risas], en Memorias de una joven formal y en El segundo sexo. Algunas cosas me llevaron a eso. Una era
el cine francés, porque en el cine estadounidense no había sexo, pero en el
cine francés había…
En
Santo Amaro había dos cines y pasaban cada película durante dos días para que
se pudiera verla en uno y en otro. Yo iba a todas, me volvía loco el cine, y
las películas francesas mostraban escenas de hombres besando a mujeres en la
cama y se veían los pechos. Todos los chicos del colegio decían “¡Hay una
película francesa!”. Los chicos las encontraban algo aburridas, pero adoraban
algunas partes y vivían esperando que apareciera un pecho, una mujer desnuda. Y
las mujeres ahí demostraban excitación. ¿Se entiende? ¡Y placer! Porque yo no
sabía, como las chicas nunca hablaban, y las madres y las hermanas tenían que
respetarse, Y el asunto sexo no entraba. ¿Se entiende?
En los filmes franceses veía esa
revelación de la sexualidad de las mujeres. Me quedaba fascinado: entonces
quería decir que las mujeres también tenían… Era misterioso, pero después veía
que era una represión cultural y comencé a sentirme medio feminista, pensaba
que las mujeres debían tener más libertad de expresarse en el mundo, de ser, y
me parecía triste que no tuviesen esa apertura. Tenía unos primos que vivían en
Salvador, mayores que yo, leían muchos libros, eran una familia medio
intelectual, y entonces oí hablar de todo eso. Tenía una prima que habló de los
existencialistas, que entonces era algo pop, Sartre y Simone de Beauvoir,
y cayeron en mis manos Memorias de una joven formal y El
segundo sexo.
Me quedaba pensando: “¿Será que la
mujer siente también?” .Me preguntaba si tenían orgasmos. Por las películas
francesas parecía que sí [risas], y después lo leí en Simone de Beauvoir. Y,
finalmente, en Salvador, tuve contacto con una chica muy linda, ella tomó la
iniciativa y me invitó al cine, pensé que era para ver una película… La
película no importaba mucho, y fue un descubrimiento maravilloso. Después
fuimos a la playa.
Tuve
algunos asuntos con unos chicos, casi unos niños, también más o menos en ese
período en Salvador, alguna masturbación mutua o, por lo menos presencial. Eso
tiene que ver con el psicoanálisis porque es sexo.
Sí, el descubrimiento de la
sexualidad.
Entonces quedé fascinado con Freud.
Tocaba mi experiencia personal, que era el sexo en este lugar central.
Sí. Ahí hay un punto de
sintonía con Freud.
Sentí
una sintonía total. Aún siento esa sintonía, porque pienso que esa es una
intuición bastante profunda, es la gran fuerza del tema de Freud.
Yo siempre tuve muchos
cuestionamientos en la cabeza: sentía angustia, miedos. Era un tipo
hipocondríaco y tenía miedo de tener una enfermedad que me matase o que… Tenía
miedo de estar enfermo y estaba aterrado. Tenía miedo también porque había
visto a una mujer en un ataque epiléptico y había pensado que estaba poseída
por un orixá del candomblé, pero era en una fiesta religiosa
católica. Durante mucho tiempo tuve miedo de eso.
Tengo resistencia a dormir; mi
madre dice que era un bebé insomne. Porque todos se iban a dormir y yo no
quería dormir, quería seguir charlando, aun cuando tenía dos, tres años. Soy
así hasta hoy. Dormir es siempre un poco problemático, la idea de dormir.
Porque, así como estoy ahora acá, conversando con vos, viendo las cosas y… ¿en
un rato más voy a estar apagado? No lo acepto, y el pasaje de entregarme al
sueño es difícil.
Entonces
vivía muchas cosas así y una visión del mundo muy curiosa, porque mi casa era
muy pacífica. Mis padres se amaban mucho y eran muy armoniosos. Estaban siempre
juntos, nunca se peleaban y eran personas muy dignas, muy cariñosas entre sí.
Eso propiciaba un ambiente…
Entonces, al mismo tiempo, sentía
la casa dentro de una campana de cristal. Yo observaba el mundo, recibía
noticias del mundo. Nuestra casa era una familia ampliada, porque mi padre
vivía con las hijas de sus hermanas mayores desde antes de casarse con mi
madre. Tenía tres hermanas viviendo con él y seis sobrinas cuando mi madre se
casó con él y entró en esa casa llena de mujeres. Lo extraño es que nunca se
peleaban.
Creciste rodeado de mujeres.
La
casa estaba llena de mujeres y ellos después tuvieron la primera hija, mujer,
la segunda hija, mujer, y finalmente vino el tercero, que es mi hermano
Rodrigo, hombre; después Roberto, hombre, después yo, hombre y después,
Bethânia. Se ocuparon de criar a otras dos niñas, la mayor antes de la primera
[hija] y la última, Irene, después de Bethânia. Dos mujeres más. El modo
femenino dominaba la casa toda. Mi padre fue el único hombre de la casa hasta
que nació el primero de los hijos varones, pero yo no fui muy masculino, por el
ambiente… Tal vez por eso también… En fin. Pero mi padre era increíblemente
abierto a lo que aconteciese naturalmente, con un respeto por nosotros,
acompañándonos. Él solo exigía honestidad, no exigía masculinidad, no exigía
definición sexual. Mi padre era increíble, un hombre que tenía una capacidad
muy grande; fue quien generó el tono para que todas esas mujeres de la casa no
se pelearan. Es muy difícil eso.
Tenía que haber un hombre que
ordenara…
Es casi imposible que no lo
hubiese, que no fuese un ambiente de muchas peleas, pero no las había. Y es
curioso que Bethânia, mi hermana, fuera finalmente quien me trajera a esta vida
profesional en la música popular, porque ella se hizo famosa entre sus diecisiete
y sus dieciocho años, y mi padre me pidió que la cuidara. Bethânia quebró un
poco ese mundo sin conflictos porque ella individualmente tenía algo que venía
de su interior. A mí me daba gracia… Hasta hoy es un poco así. Yo me reía. Era
“gracioso” que ella dramatizara así las relaciones. A veces se quedaba mal con
un miembro de la familia sin que nadie supiera por qué. Algunos dicen que es
porque es de Géminis, y es la única de Géminis. Cuando más tarde ese tema de la
astrología entró en el imaginario, eso lo explicaba el hecho de que fuera
geminiana.
Entonces
mi formación más o menos fue esa. Tuve mucha curiosidad, mucho interés por el
psicoanálisis, pero no había sentido, hasta un determinado momento, necesidad.
¿Y ese determinado momento cuál
fue?
Fue
en 1968. El golpe fue en el 64, el golpe militar. Se puso difícil, pero no fue
tan terrible. Fue un susto, dejé la facultad porque el ambiente se puso
sórdido. Un profesor mío fue detenido, desaparecieron alumnos. Convocaron a
Bethânia a Río para reemplazar a Nara Leão en un espectáculo. Como Bethânia se vino,
yo me vine para acá. Ella cantó una canción mía, que tuvo éxito, y terminé
entrando en esta historia de la música popular, que ya hacía pero era para mí
algo secundario.
Yo
pintaba, quería hacer películas y escribir. La canción era algo que me gustaba,
hice unos espectáculos con mis amigos en Salvador. Después [Gilberto] Gil tuvo
la idea de una actitud diferente en relación con la música popular, y desembocó
en el tropicalismo. Ahí necesitó mucho mi contribución intelectual para
acompañar, para producir juntos, y finalmente también para teorizar, para
articular el sentido del movimiento. Entonces yo pensaba: “Hago esto y después
dejo esta historia de la música popular y me pongo a hacer una película. Es lo
que quiero hacer, y voy a hacer otra cosa”. Pero ahí, en el 68, ya en la
dictadura, vino un golpe dentro del golpe, el AI-5 [2], que dio poderes
ilimitados a la represión y endureció mucho el régimen.
Ahí,
en el 68, Gil y yo caímos presos. Estuvimos dos meses en prisión. Fue un
período terrible, nos detuvieron sin explicación. Yo vivía en San Pablo, tenía
domicilio allí, estaba casado con Dedé, que era mi novia desde Salvador, con
ella vivía y había acordado no tener hijos nunca.
Así comenzó la cosa, haciendo
música. El tropicalismo con la explosión de la contracultura en el mundo,
coincidía con lo que yo estaba haciendo, ¿no? Y fue en el 67 que creamos el
tropicalismo. Y en el 68 me detuvieron, fue un susto, porque la izquierda no
apoyaba lo que yo hacía. Al contrario, la izquierda abucheaba; como yo admiraba
a los Beatles y admitía el uso de guitarras eléctricas, es decir, tenía una
apertura para el rock, los estudiantes de izquierda pensaban que estábamos
vendidos al imperialismo [risas]. Era realmente así, abucheaban y reaccionaban
en contra. Yo les gustaba a los chicos alienados. Eran alienados, pero querían
involucrarse en algo diferente, eran chicos que se dejaban crecer el pelo y
comenzaban a adherir a la contracultura.
Pero
los militares encontraron un medio, una denuncia falsa de que habría hecho un
espectáculo en Río faltando el respeto a la bandera y al himno nacional; nada
de eso hubo, pero nos detuvieron. Estuvimos dos meses presos; recién a mediados
del segundo mes me interrogaron por primera vez. La primera semana estuve en
una celda solitaria, Gil en otra, no veía a nadie. Nadie me preguntaba nada, no
había explicación, dormía en el suelo. No lograba comer, me sentía mal y
angustiado, porque no sabía… La impresión que tenía era que la vida era eso y
que todo lo demás que recordaba era una fantasía mía, un sueño, no era real.
Estuve muy mal mentalmente y,
bueno, eso duró dos meses. Después nos llevaron en aviones de la Fuerza Aérea a
Salvador. Dijeron que allí nos soltarían. Era todo muy arbitrario, porque
nosotros vivíamos en San Pablo, ellos me detuvieron en casa diciéndome no que
iba a prisión, sino que íbamos a responder un interrogatorio formal, y el coche
policial vino para Río, y después me llevaron a la Policía Federal, y de allí
al cuartel del Ejército, y de allí al cuartel de la Policía del Ejército, PE,
en la villa militar de Tijuca, y de allí a la villa militar, y de ahí a la base
de los paracaidistas. Todo eso duró dos meses y la liberación será en Salvador
porque somos de Bahía. Pero cuando el avión de la FAB [3] llegó a Salvador, la
Fuerza Aérea de Salvador me detuvo y un tipo de la Policía Federal discutió con
uno de la Fuerza Aérea y me llevó otra vez detenido. Casi me muero, porque en
realidad tenían una orden de dos meses atrás para detenerme en caso de que
huyese a Bahía. Nunca avisaron que ya habíamos sido detenidos ni dieron una
contraorden, era una desorganización.
Es tan latinoamericano eso…
Muy
latinoamericano, es un caos. Y bien, el sujeto me llevó y los tipos de la
Policía Federal discutieron y salieron de ahí irritados. Y yo fui preso. Quedé
arrasado, mirando a Gil y diciendo: “Gil, ¿qué va a ser de nosotros ahora?”.
Entonces me detuvo la Aeronáutica; todo comenzaba otra vez, una cosa terrible.
Mientras tanto, los tipos de la Policía Federal telefoneando a Río, a Brasilia,
para resolver el asunto; al final lo aclararon y de noche fueron hasta allá y
nos liberaron. Pero la liberación fue así: los federales nos llevaron ante el
jefe de la Policía Federal en Salvador, que era un coronel del Ejército. Él nos
miró y nos dijo: “Ustedes llegaron acá, pero no tienen proceso, no tienen
nada”. Él, reclamando por el caos de su propia organización [risas]. “Bien, la
cosa es así: la orden que tengo es que ustedes tienen que presentarse acá todos
los días, no pueden salir del perímetro de la ciudad de Salvador”. Entonces
fijamos una hora y él dijo: “Mañana, acá”. Y nos presentamos todos los días.
Estuvimos cuatro meses en esa situación. No podíamos dar entrevistas, presentarnos
en público, nada.
Gil
ya tenía dos hijas, y empezó a reclamar que ya estábamos hacía seis meses sin
trabajar. Yo no tenía hijos. La solución fue el exilio. Compramos los pasajes.
¿Y terminaron en Londres?
Después
terminamos Londres, primero fuimos a Lisboa. Pero en esa época Portugal estaba
bajo el salazarismo [risas].
De un infierno a otro…
De
un infierno a otro, ¡todo dentro de la lengua portuguesa! Y, ahí, fuimos a
París. Nuestro representante estaba ahí, en Europa, Guilherme Araújo, porque la
de Gil iba a ser la primera presentación de un artista moderno, brasileño,
tropicalista, fuera de Brasil; sería en el Festival Midem [4], en Cannes. Pero
cuando nos soltaron, salimos exiliados; los tipos de la Policía Federal fueron
a meterme dentro del avión, y uno de ellos incluso me dijo: “No vuelva, y si
vuelve, entréguese de inmediato para ahorrarnos el trabajo de pasarnos un día
buscándolo, porque no pasará más de un día”. Fue exactamente eso lo que el tipo
me dijo. Entonces, salí de Brasil amargado. Me horroriza vivir fuera de Brasil,
solo me gusta vivir en Brasil. Y ahí me pasaron cosas extrañas: primero, había
tomado ayahuasca, esa bebida, en el 68. Es un alucinógeno muy fuerte. Y sentí
una angustia muy grande. Tuve un viaje con visiones muy bonitas, pero después
de algunas horas, mi cabeza quedó agotada, quería deshacer aquello, quedé loco.
Fue terrible, quedé aterrado, pero fue pasando. Pero ahí nomás vino esa
detención y después el exilio. Y el día en que nos soltaron, Gil y yo llegando
a mi casa en Bahía, viendo la casa, las fotos del living, quedé tan loco como
el día de la ayahuasca. Pensé que me había vuelto loco y no había manera,
porque no había tomado drogas, era una desesperación total. Gil, viéndome así,
comenzó a llorar; yo lo miraba, entendía que él estaba llorando, al mismo
tiempo sabía que no sabía más quién era Gil. Quería verme al espejo para ver si
me reunía conmigo mismo, y fue horrible porque no era que no sabía quién era, ¡no sabía qué era eso que estaba viendo! Mi padre me miró y me dijo: “¡No
me digas que esos hijos de puta te han puesto nervioso!”. Me puse bien.
¡Eso te calmó! La palabra de tu
padre…
Él dijo “hijos de puta” delante de
mi madre. Él nunca había pronunciado una mala palabra delante de mi madre. Ahí
lloré. Entonces, todo eso contribuyó para que al momento de salir fuese… de
Lisboa a París. Era 1969 y recién había pasado el 68 en París; fue bonito, pero
De Gaulle volvió, dominó la situación… Las calles estaban llenas de policías,
era una sensación de opresión.
Una
cosa sensata era ir a Londres, dijo nuestro representante. En Londres había
paz, música… Es la música que más interesa, y ahí no hay policías deteniendo a
nadie… Y ahí, en Londres, con todo esto que estoy contando, estaba muy
angustiado, medio deprimido, medio mal. Me puse a buscar a un psicoanalista… Me
dijeron que había un psicoanalista brasileño que atendía en Londres; era un
tipo judío muy agradable. Y esa fue la primera vez…
¿Y te ayudó?
Me
gustó mucho. Él era muy lacónico, de aquellos analistas que oían mucho y no
decían casi nada, con tiempo fijo, ¿no? Pero aquello anduvo muy bien conmigo…me
ayudó. Pero ahí comencé toda una cosa curiosa con el psicoanálisis, porque
cuando soñaba con el psicoanálisis pensaba que uno llegaba allí y… esa idea de
la asociación libre…Yo imaginaba una soltura… Nada de eso sucedió: uno
llega, se encuentra con una persona, ¿se entiende? Hay una persona y uno. Uno
tiene que hablar, no sabe por dónde empezar, y también… las amarras sociales se
mantienen todas allí… mientras uno va creando una relación, que es una relación
especial: es diferente de las demás, ¿no? Uno hace al mismo tiempo una gran
apertura de su intimidad a una persona que no forma parte de su vida. Uno
realmente crea una instancia especial. Y yo vi que eso, a pesar de todo,
sucede, pero sentía decepción por ver que las cosas no acontecían como las
había soñado, como si fuese… Pero le caí muy bien a él… Su nombre era
Abrahão Brafman; le tengo mucho afecto.
¿Fue cuando volviste que
pensaste en consultar de nuevo?
Cuando
volví fui a Bahía, y estaba tan feliz de haber vuelto que no pensé en el
psicoanálisis por un tiempo. Me quedé tres años. Ese período coincidió con ese
período del psicoanálisis; nunca vinculé una cosa con otra, pero ahora estoy
obligado a hacerlo– con ese deseo de tener un hijo. Comenzó en Londres, pero
creció cuando comencé a vislumbrar, porque en el principio era una angustia
total, una depresión causada por no saber cuándo podría volver a Brasil ni si
podría volver. Recuerdo que conocí a Cabrera Infante, el escritor cubano, y
entablé amistad con él. Él temía, con razón, morirse sin volver a Cuba, y de
hecho murió sin volver a Cuba. Para mí eso era una cosa insoportable.
Cuando
comencé a ver esbozos de posibilidades de volver a Brasil, empecé a sentir
ganas de tener un hijo. Entonces hice psicoanálisis y la promesa de volver a
Brasil fue algo muy grande, porque empecé a querer tener un hijo y empecé a
decírselo a mi mujer y ella dijo: “¿Y eso?” Porque yo siempre había tenido la
decisión de no tener hijos nunca para ser libre; no me gustaban los niños.
Pero
cuando volví a Brasil y llegué a Bahía, ella se sintió feliz también por mi
regreso. Hubo muchas cosas en el medio y dos viajes antes del regreso
definitivo. Apenas volví, Dedé dijo: “Caetano, voy a decirte algo, acepto la
idea de tener un hijo; ahora, quiero, aquí en Bahía”. Estuvimos tres años en
Bahía; nació Moreno, fue el mayor acontecimiento de mi vida adulta. Y hasta hoy
adoro tener hijos, tengo tres hijos, es una cosa espectacular.
Pero
después de tres años en Salvador, con Moreno ya de tres años, comencé a sentir
la necesidad de hacer psicoanálisis de nuevo. Quería resolver, entrar más,
resolver más mi persona dentro de la cosa psicoanalítica, pero en Salvador no
había psicoanalistas en ese entonces. Recuerdo que hasta hablé con João
Gilberto, le dije que en Salvador no había psicoanalistas. “No hacen falta,
Caetas…” [risas].
Está bien. Me rindo.
Era
una maravilla [risas]. Yo quería ir a San Pablo, pero Dedé decía: “Si vas a San
Pablo, yo no voy, no; a Río sí voy”. Fuimos a Río, y por eso estoy en Río hasta
hoy.
¿Había psicoanalistas en Río?
Sí,
busqué a una psicoanalista específica, porque Clarice Lispector le había dedicado
un libro a Inés Besouchet que es uno de los primeros nombres del psicoanálisis
en Brasil. Ya era una mujer mayor.
Algo tenía que tener.
Fui
a hablar con ella y me dijo que no tenía tiempo, pero que conseguiría un
psicoanalista para me hizo tres sugerencias. La primera no resultó. La segunda
no me convenía por la ubicación: tenía una superstición con su dirección, en la
calle del cementerio. Y ella sonrió y dijo: “Entonces usted irá a un
psicoanalista joven. Creo que va a resultar”. Me dio ese tercer nombre, fui y
me encantó de entrada, sentí mucha sintonía. La llamada transferencia se dio;
se había dado en Londres, pero con este mucho más, y durante todo el
tratamiento. Fue el psicoanalista con el que más sentí hacer psicoanálisis y
que… lo hice durante muchos años, y él ya se preparaba a darme el alta. Estaba
preparándome para alejarme, pero ahí él mismo fue cambiando porque se interesó
en un grupo básicamente lacaniano, pero que se había vuelto independiente,
diferente; era el grupo de MD Magno. Hoy hago análisis con MD Magno. Porque
este analista de quien estaba hablando… Estuve años haciendo análisis con él, y
comenzó a encantarse con el grupo de Magno y empezó a cambiar, y ahí me dijo
que… En realidad, yo iba a recomenzar y cambiar todo, hacer algo diferente. E Inês
Besouchet se apareció en un show, en el camarín, con su manera de ser, una
mujer casi evanescente, casi etérea. Muy fascinante, muy agradable, fue y me
dijo: “Me gustó mucho… Pienso que llegó la hora, ¿no? .Yo dije: “¿Cómo?” Ella
dijo: “La hora de ir a verme”, de que finalmente hiciera análisis con ella.
Ella era como una supervisora de mi analista, ¿se entiende? Ella entonces
acompañó ese cambio; supongo que coincidió…no es que coincidió, pienso que fue
eso. Ella viéndolo a él, porque ella estaba acompañando posiblemente ese camino
hacia el alta, ¿no? Y de repente ese cambio de él; él cambió mucho, se fascinó
con el neolacanismo de Magno..
¿No era ortodoxia lacaniana,
era una cosa nueva?
Él
fue el introductor de Lacan en Brasil, muy importante, pero se convirtió en
algo nuevo, ¿se entiende? Con teoría propia, con consejos. Tiene una obra muy
interesante. Un amigo fue a unas clases de Magno y me llamó. Vi que había algo
interesante allí, pero personalmente no me gustó mucho porque había una
cuestión que veo también en Lacan y que veía ahí, que tiene algo de
mistificación. Aquí entra toda una problemática del psicoanálisis, ¿verdad? Yo
soy un apasionado del psicoanálisis por todo lo que ya conté, desde el sueño
hasta la elección por parte de Freud del sexo como cosa central de la
experiencia humana. Todo eso para mí tiene un valor muy profundo, muy grande,
pero aquellas críticas terribles de la historia del movimiento psicoanalítico y
lo que es el psicoanálisis hoy… La misma idea de Popper de que el psicoanálisis
es una superstición moderna.
Bueno, pero uno de tus
analistas defendía la superstición, ¿no? Antes que la religión.
Ese
que a mí me gustaba mucho.
Sí. ¿Entonces no es una mala
palabra que sea una superstición del siglo XX?
Eso.
No necesariamente una mala palabra, porque el analista me decía eso,
superstición es mejor que religión.
¿Fueron cuatro análisis,
entonces? Abrahão Brafman, Rubens Molina…
Yo
seguía todavía con él cuando Inés Besuchetv vino a decirme: “Llegó el momento
de ir”, al consultorio de ella. Entonces, dije: “Voy. Voy a conversar con la
señora”. Le conté a mi analista y él dijo: “Muy bien, Inés es maravillosa, vaya
a verla”. Y seguí yendo a los dos.
¿Al mismo tiempo?
Sí,
al mismo tiempo, durante un período, y le decía tanto a una como al otro lo que
pasaba.
Tuve
un episodio peculiar en medio de todo eso. Es interesante que lo sepas. La gran
artista brasileña Lygia Clark [5] pensaba que el arte no solo debía salir del
cuadro, sino también comenzar a ser vivido
tanto por el autor como por el espectador. El espectador y el arte, y a veces
el artista, ¿no?
Ella es una pionera, y pensó que su
arte se encaminaba a una terapia, lo transformó en una terapia. Dejó de hacer
objetos y empezó a hacer una terapia. Entonces, me invitó. Yo hacía análisis
con Rubens Molina y también con Lygia Clark, porque era Lygia Clark. Era mi
amiga y sentía una gran admiración por ella y fui. Era muy interesante, muy
curioso, porque era Lygia Clark, usaba cosas que tenían que ver con su arte,
unas bolsas con distintos tipos de texturas dentro, arena, pedazos de piedras,
cosas ásperas, cosas suaves, agua… y también unos canutos que soplaba: el aire
incidía en ciertos puntos del cuerpo, yo me quedaba en calzoncillos, sentado, y
ella hacía esas cosas y hablaba muy poco y preguntaba muy poco. Y junto con la
conversación, ella se dirigía a algunos puntos del cuerpo y hacía… Yo no
sentí ningún resultado propiamente.
¿Preferías el análisis
tradicional? ¿Preferías el otro psicoanálisis?
Sí,
prefería el psicoanálisis verbal, pero era curioso. Es curioso que una artista
haya radicalizado el sentido de su arte hasta el punto de la interacción con el
espectador, que ella descubrió como una terapia en verdad, y hasta el final de
su vida siguió haciendo esa terapia. Me despidió un día; me dijo: “Caetano,
mira –ella hablaba así−, vamos a parar aquí, tú no estás respondiendo”. “Está
bien, seguimos siendo amigos” [risas]. No nos veíamos mucho, pero ella era una
persona que gustaba de mí, y yo la respetaba enormemente. Entonces, hasta su
muerte se dedicó a eso. Ella pensaba que el arte ‒su arte, al menos‒; si se
llevaba hasta las últimas consecuencias, se volvía una terapia.
¿En qué medida te parece que
tus distintos psicoanálisis han hecho que seas quien eres? ¿Hay algún hilo
común? ¿Qué marca ves del psicoanálisis en tu vida?
Inês
murió, y pasé catorce años sin hacer psicoanálisis, ¿se entiende? Porque fui
dejando a Rubens, que estaba cambiando, y yo no lograba acompañarlo. Y, de hecho,
seguí haciendo análisis con Inés, a quien Clarice le había dedicado un libro;
yo la adoraba, pero aquello no rindió mucho. Es curioso, es curiosísimo.
¿No te ha ayudado mucho ese análisis?
No
rindió mucho.
Pero porque ahí hubo algo… Ella
te buscó a ti… Fue al camarín a buscarte.
Sí,
me fue a buscar.
No puede funcionar así.
Ella
fue porque yo había ido a buscarla, y ella fue a llamarme: “Creo que llegó la
hora, usted fue a buscarme, y ahora creo que da”, ¿se entiende?
Entiendo. Entiendo que no haya
funcionado.
Pero
funcionaba… así… Era bonita y agradable la cosa con ella. Y tiene una cosa
extraña e interesante el hecho de que fuera mujer. Era muy anciana ya, pero,
curiosamente, con ella tenía fantasías sexuales. Es un poco extraño, porque no
te diría que me considere o me sienta una persona definidamente heterosexual.
Pero fue así, con esos hombres con los que hice, con el que hago hoy, nunca
tuve ninguna fantasía sexual… eso no se me viene a la cabeza.
Con
ella, cada vez que estaba ahí, dentro de aquel lugar, sentado, y ella sentada
oyéndome… Yo me quedaba pensando que había un clima… y tenía fantasías…Y no me
animaba a decírselo a ella… Es curioso, tenía vergüenza porque era muy mayor y
respetada y todo. Y comencé a esbozarlo un día, pero ella lo deshizo así, y yo
no… Intenté decirlo, pero no conseguí decirlo directamente. Es curioso. Es algo
para registrar. Con los psicoanalistas, ese aspecto que podría aparecer con la
transferencia, incluir la cosa amorosa o sexual, no sucedió, pero con ella sí.
Pero la parte de la comprensión de mis cosas, de ir aclarando cosas, con ella
no estuvo. Ella parecía casi algo sobrenatural… ¡Es fantástico! Terminó
vinculándose a un tipo brasileño que hacía milagros y que la salvó… Su
salud era muy frágil. La habían considerado al borde de la muerte desde muy
joven a causa del corazón. Pero murió anciana, aunque tenía crisis, y ese tipo
apareció cuando ella iba a morir, la salvó, la hizo ponerse bien de repente…, y
ella quedó muy impresionada con eso, entonces. Y bueno… [risas]
Son cosas…
¿Y has leído a psicoanalistas
posteriores?
Leí
a Klein; es muy ingeniosa. Leí un poco de Bion. Lacan, leí algo, pero me irrito
un poco con todo eso. Es curioso, porque adoro los juegos de palabras, los
adoro. Soy fanático de la poesía concreta, adoro a Joyce… Me parece genial,
pero llega un momento en el que las personas quedan enredadas en una
fascinación… Veo esos videos de él que hay en Internet; lo considero muy
mistificador. Tiene unas cosas fascinantes, ¿no? Lo más bonito que vi de él, de
lo que hay en Internet, es un programa de televisión en el que comienza
diciendo: Je ne dis que la vérité: pas
toute… Algo
así, ¿no?
Porque no se puede decir toda
la verdad…
Sí,
yo no digo sino la verdad… no toda [risas].
Escucharte me hace pensar que
no se puede decir toda la verdad. Siempre se dice a medias, como dice Lacan,
pero se puede decir bastante, Caetano, ¿verdad? Realmente se puede decir mucho.
Sí,
se puede decir mucho.
_________________
[1]
N. de la E.: Santo Amaro da Purificação, en el estado de Bahía, es la ciudad
natal de Caetano Veloso.
[2]
N. de la E.: El Acto Institucional Nº 5, AI-5, dictado el 13 de diciembre de
1968 durante el gobierno del general Costa e Silva, fue la expresión más
acabada de la dictadura militar brasileña (1964-1985). Estuvo en vigencia hasta
diciembre de 1978 y produjo un conjunto de acciones arbitrarias de efectos
duraderos. Definió el momento más duro del régimen, dando poder de excepción a
los gobernantes para punir arbitrariamente a quienes fuesen enemigos del
régimen o considerados como tales.
[3]
N. del E.: Fuerza Aérea Brasileña.
[4]
N. de la E.: El Mercado Internacional del Disco y la Edición Musical (Midem, por
sus siglas en francés) es el mayor encuentro mundial de empresas vinculadas a
la música.
[5]
N. de la E.: Lygia Pimentel Lins, más conocida como Lygia Clark (Belo
Horizonte, 1920-Río de Janeiro, 1988), fue pintora y escultora, trabajó con
instalaciones y body
art y
se destacó por trabajar en el campo de la arteterapia. Propuso la
desmitificación del arte y del artista y la desalienación del espectador, que
compartía la creación de la obra.
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Outubro de 1982 / Revista Manchete |