miércoles, 23 de octubre de 2024

2024 - ANTÔNIO CÍCERO


Antônio Cícero [Rio de Janeiro, 6/10/1945 - Suíça, 23/10/2024 ] 



QUASE

(Caetano Veloso/Antônio Cícero)

Um poema do livro “Guardar”:

 

Por uma estranha alquimia

(você e outros elementos)

quase fui feliz um dia.

Não tinha nem fundamento.

Havia só a magia

dos seus aparecimentos

e a música que eu ouvia

e um perfume no vento.

Quase fui feliz um dia.

Lembrar é quase promessa,

é quase quase alegria.

Quase fui feliz à beça

mas você só me dizia:

“Meu amor, vem cá, sai dessa”.






"Ao acordar, fiquei sabendo de Antonio Cicero. Recebi mensagem dele, onde a coerência e a lucidez, que sempre foram características do meu amigo filósofo e poeta, impressionam, mas não desfazem a tristeza que sua ausência física me causa. Cicero foi meu melhor amigo, a pessoa mais correta que conheci. O afeto de amizade mais límpido que se possa imaginar. E uma inteligência luminosa. Marcelo, seu marido de tantos anos, deve entender minha tristeza e também meu orgulho pela coerência de Cicero. Sua irmã Marina pôs música em um poema seu e dali saiu um longo e brilhante repertório de canções. Ela também deve me entender. Adoro o desaforado livro de filosofia em que Cicero louva Descartes em época pós-estruturalista. Morrer por decisão própria enfatiza seu pensamento. E sua poesia."

Caetano Veloso, 23 de outubro de 2024





Carta de Antonio Cícero:

 

"Queridos amigos,

Encontro-me na Suíça, prestes a praticar eutanásia. O que ocorre é que minha vida se tornou insuportável. Estou sofrendo de Alzheimer.
Assim, não me lembro sequer de algumas coisas que ocorreram não apenas no passado remoto, mas mesmo de coisas que ocorreram ontem.
Exceto os amigos mais íntimos, como vocês, não mais reconheço muitas pessoas que encontro na rua e com as quais já convivi.
Não consigo mais escrever bons poemas nem bons ensaios de filosofia.
Não consigo me concentrar nem mesmo para ler, que era a coisa de que eu mais gostava no mundo.
Apesar de tudo isso, ainda estou lúcido bastante para reconhecer minha terrível situação.
A convivência com vocês, meus amigos, era uma das coisas – senão a coisa – mais importante da minha vida. Hoje, do jeito em que me encontro, fico até com vergonha de reencontrá-los.
Pois bem, como sou ateu desde a adolescência, tenho consciência de que quem decide se minha vida vale a pena ou não sou eu mesmo.
Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade.
Eu os amo muito e lhes envio muitos beijos e abraços!"

 


Antônio Cícero e Marcelo Pies em Buenos Aires












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