viernes, 4 de octubre de 2019

2014 - GOLPE MILITAR - 50 anos




















 

















 


 









Extrato do prontuário de CAETANO VELOSO

VLADIMIR CARVALHO



MARIA BETHÂNIA / GERALDO VANDRÉ / NARA LEÃO /
FERREIRA GULLAR / GILBERTO GIL / NELSON PEREIRA DOS SANTOS / CHICO BUARQUE





Exposição: "AI-5 50 ANOS – Ainda não terminou de acabar", exposição coletiva com curadoria de Paulo Miyada.
Datas e horários: De 4 de setembro a 4 de novembro de 2018. 
De terça a domingo, das 11h às 20h.
Local: Instituto Tomie Ohtake


Resenha por Tatiane de Assis


O Instituto Tomie Ohtake mergulha na história brasileira ao apresentar AI-5 50 ANOS — Ainda Não Terminou de Acabar. A mostra, com a participação de mais de setenta artistas, examina o aniversário e os efeitos da mais dura norma decretada durante a ditadura militar brasileira. O percurso dá igual importância a fotos, pinturas, vídeos, instalações e documentos de época. Dessa forma, a poucos passos da pintura A Prisão (1968), de autoria de Claudio Tozzi, que foi censurada na 10ª Bienal de São Paulo, está a capa do disco Barra 69, de Gilberto Gil e Caetano Veloso, gravado às vésperas da partida dos cantores para o exílio.


A Prisão (1968), de Claudio Tozzi


1973 - Caetano Veloso - Loucura & Cultura (Craziness & Culture)
9-minute 35mm Super 8 film. 


Hélio Oiticica [1937/1980] - Seja marginal seja herói [1968] 




A Delegacia de Ordem Política e Social, no caso de São Paulo, foi criada em 1924 e extinta em 1983. No geral, as várias DOPS estaduais foram criadas na década de 1920 e extintas ao longo da década de 80. Durante o regime militar a DOPS era apenas uma das instituições ligadas à "comunidade de informações", que era composta por inúmeros serviços de espionagem e repressão política, tais como os serviços de informação das três armas (CENIMAR, CIE, CISA), as Divisões e Assessorias de Segurança Interna dos órgãos públicos, a Polícia Federal, as chamadas "segundas seções" das polícias militares e das forças de segurança e o Serviço Nacional de Informações – SNI. Com a criação do sistema CODI/DOI – Centro de Operações de Defesa Interna / Destacamentos de Operações de Informações, em 1970, os agentes desses vários órgãos foram submetidos ao comando unificado do Exército.






 









 
 
 












FOLHA DE S.PAULO

São Paulo, domingo, 2 de novembro de 1997

O regime contra os 'bossa-nova'

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

Tempos depois, um capitão convocou Caetano para um rápido encontro que, sob o olhar do compositor, consistia numa "versão refinada" do papo com o sargento.

Acompanhe a narrativa do livro: "(O capitão) referiu-se a algumas declarações minhas à imprensa em que a palavra 'desestruturar' aparecia e, usando-a como palavra-chave, ele denunciava o poder subversivo do nosso trabalho. Dizia entender que o que Gil e eu fazíamos era muito mais perigoso do que o que faziam os artistas de protesto explícito e engajamento ostensivo. Ambos (o capitão e o sargento) confirmaram uma tese que eu teria usado para valorizar politicamente meu trabalho perante meus opositores da esquerda".

Os bossa-nova

O primeiro documento do Deops que sugere outro raciocínio por parte do governo é de junho de 1965 (leia quadro à pág. 5-9).

Revela que os agentes da repressão investigavam Caetano desde aquele mês -portanto dois anos antes de o tropicalismo nascer.

Em 18 de maio de 1965, de acordo com o relatório, o cantor integrara o show "Evolução" no badalado teatro paulistano Paramount.

Reuniram-se lá, entre outros, os protagonistas de dois musicais célebres, o "Opinião" e o "Arena Conta Zumbi", que se converteram em marcos dos espetáculos de participação política.

O Departamento Federal de Segurança Pública, responsável pelo documento, classificava o "Evolução" como "mais um show dos chamados bossa nova".

Alertava que servia de "estímulo aos movimentos estudantis, de caráter nitidamente esquerdista". Também considerava que, das canções e diálogos do espetáculo, extravasava "um nítido sentido subversivo".

Apontava, em especial, a música "Carcará" -que, interpretada por Maria Bethânia e composta pela dupla João do Vale/José Cândido, insinuava "uma aberta luta de classes".

Recomendava, assim, que o "Centro de Operações" passasse a investigar o "comportamento político" de todos os que entraram em cena naquele 18 de maio.

A lista incluía, além de Caetano, nomes que, já em 1965, se ligavam diretamente à "arte engajada" (ou iriam se ligar logo a seguir): Chico Buarque, Edu Lobo, Dina Sfat, Lima Duarte, Gianfrancesco Guarnieri e Marília Medalha.

Como os futuros tropicalistas ainda estavam próximos dos "artistas de protesto explícito", os militares tendiam a jogar gregos e troianos no mesmo saco -o dos "bossa-nova". Uma postura generalizante que se repetiu três anos depois, conforme deixa claro outro documento.

A Mercedes azul

Produzido pelo serviço secreto do Deops, o relatório de 4 de março de 1968 começa tratando Caetano, Gil, Maria Bethânia e Nana Caymmi como "o grupo baiano".

Informa que, "de há muito", tais artistas "vêm cantando 'músicas de protesto', subliminarmente atacando o regime vigente e exaltando os regimes socialistas".
Os termos, como se vê, poderiam se aplicar perfeitamente a cantores da esquerda militante.

Ocorre que, a essa altura, Gil e Caetano já estavam à frente do tropicalismo. Tinham lançado, respectivamente, "Domingo no Parque" e "Alegria, Alegria". Mais: acabavam de gravar "Tropicália ou Panis et Circensis", o disco-manifesto do movimento que chegaria às lojas por volta de julho.

O mesmo documento aponta um fato também revelador do olhar pequeno que o governo reservava para os tropicalistas.

Conta que, no dia 1º de março, o então repórter Silvio Luiz, da rádio paulistana Jovem Pan, entrevistou Gilberto Gil. E fez perguntas sobre uma Mercedes azul que o cantor acabara de comprar (na realidade, o carro, modelo 1959, era verde).

Gil respondeu com ironia. Disse que a compra não deveria causar surpresa porque "na Rússia e em Cuba todo mundo pode ter Mercedes azul". O comentário irritou o serviço secreto e lhe deu margens para julgar o compositor como "homem de parcos ou nenhum conhecimento filosófico", que demonstrou "uma pretensão de erudição ou simplesmente ser adepto da doutrina esquerdista".

Por causa das palavras do cantor, o relatório recomendava "maior observação" sobre todo o "grupo baiano" -que tinha "à sua disposição a Televisão Record e a Rádio Pan-Americana, dois poderosos veículos de penetração".

Randal Juliano

O relatório informa que, em um programa de 4 de março de 1968, o radialista de São Paulo noticiou as declarações que o cantor dera para Silvio Luiz. Criticando-as, afirmou: "Em Cuba e na Rússia, há falta de alimento quanto mais de Mercedes e da cor azul".

"Não me lembro se fiz tal comentário", disse Juliano, 72, à Folha. "Devo ter feito, porque aquela frase representa o que penso."

O nome do radialista surge duas vezes em "Verdade Tropical". O autor do livro o menciona quando conta que, depois de estar preso há semanas, um major finalmente decidiu interrogá-lo.

Numa das sessões de perguntas, o militar abordou o "episódio da boate Sucata".

Falava de uma série de espetáculos que Gil, Caetano e os Mutantes protagonizaram em uma casa noturna do Rio quase três meses antes da prisão.

"O show foi possivelmente a mais bem-sucedida peça do tropicalismo. Pelo menos, a que melhor expunha nossos interesses estéticos e nossa capacidade de realização", escreve Caetano.

"Eu (...) levava às últimas consequências o comportamento de palco esboçado desde 'Alegria, Alegria', estirando-me no chão, plantando bananeira e enriquecendo o rebolado cubano-baiano do 'É Proibido Proibir'."

"(O artista plástico) Hélio Oiticica, que involuntariamente dera nome ao nosso movimento, estava presente naquele próprio evento, com uma obra exposta perto do palco (...): sua homenagem ao bandido Cara de Cavalo, na forma de um estandarte em que se lia, sob a reprodução da fotografia do corpo do personagem, a inscrição 'Seja Marginal, Seja Herói'."

"Uma noite, um juiz de direito, que não sei por que cargas-d'água foi à Sucata ver o nosso show, indignou-se com o estandarte. (...) Sem embargo, conseguiu não apenas suspender o show como fechar a boate."

"A história da interdição da Sucata por causa da bandeira de Hélio correu de boca em boca e, possivelmente agarrado a essa palavra, 'bandeira', um apresentador de São Paulo, Randal Juliano, resolveu criar uma versão fantasiosa em que nós aparecíamos enrolados na bandeira nacional e cantávamos o Hino Nacional enxertado de palavrões."

"Esse sujeito era um demagogo de estilo fascista que cortejava a ditadura agredindo os artistas."

"Agora o major me informava que esse locutor tinha se dirigido explicitamente aos militares pedindo punição para nós, e que essa arenga havia surtido efeito sobretudo na Academia das Agulhas Negras. De lá teria saído a exigência de que nos prendessem."

Desde 1992, quando Caetano relatou a mesma história durante o programa "Jô Soares Onze e Meia", Juliano vem confirmando que criticou, sim, os tropicalistas na TV Record.

Mas que não inventou nada. Fez os comentários com base em informações da imprensa. "Não lembro onde li. Sei apenas que minhas críticas diziam algo como 'Gil e Caetano podiam gozar de tanta coisa e escolheram justamente o Hino do Brasil'. Sou nacionalista, sempre fui. E achei que tinha o dever de protestar."

O radialista afirma que, por causa dos comentários, recebeu uma convocação para comparecer à sede do Segundo Exército, em São Paulo. "Um coronel me perguntou: 'Você confirma o que falou na televisão?' Respondi que sim porque não costumo negar minhas opiniões. Foi só."

Papéis do Deops mostram que a voz de Juliano não ecoava sozinha -e que o coro que a engrossava também repercutia no governo.

Um relatório do Serviço Nacional de Informações, com data de 11 de outubro de 1968, alertava que Caetano quase sofrera uma "ação" de militares quando cantou "o Hino Nacional em ritmo tropicália".

O documento indica que o SNI soube do "incidente" pelo jornal paulistano "Folha da Tarde" que circulara em 10 de outubro. Quem consultar o diário encontrará, na página dois, uma pequena notícia com o título "Radicalização":

"Ontem, generais procuraram conter um grupo (de oficiais) mais exaltado que pretendia fazer uma expedição punitiva à boate Sucata a fim de 'justiçar' o cantor Caetano Veloso. Este, anteontem à noite, cantara o Hino Nacional em ritmo tropicalista com versos que constituem, para os militares, 'um atentado ao governo, às Forças Armadas e à nação'".

Outro relatório, de 26 de novembro de 1968, elaborado pelo Segundo Exército, registra os ataques que um radialista de São Paulo lançara sobre Caetano por força de "seu comportamento numa boate do Rio, cantando o Hino Nacional em ritmo de bossa".

Qual o nome do locutor? Moraes Sarmento, hoje com 74 anos. Na semana passada, ele declarou à Folha: "Não me recordo especificamente daquela crítica. Mas nunca gostei do tropicalismo. Era um movimento oportunista".

O último relatório que a Folha localizou também faz alusão às "provocações" na Sucata. O Deops o redigiu em 11 de fevereiro de 1969, quando os baianos ainda estavam presos.

É, talvez, o que melhor exprime as dificuldades do governo para diferenciar as diversas correntes culturais do país. Ora diz que Caetano cantou o Hino Nacional em ritmo tropicalista, ORA EM RITMO DE BOSSA NOVA. NO CABEÇALHO, CLASSIFICA O ARTISTA COMO "COMPOSITOR E CANTOR DE MÚSICAS FOLCLÓRICAS".





FOLHA DE S.PAULO

São Paulo, domingo, 2 de novembro de 1997

O TROPICALISMO NO CÁRCERE

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

Hoje pode soar ingênuo, quase improvável, mas na manhã do dia 27 de dezembro de 1968, quando agentes da Polícia Federal o levaram preso, Caetano Veloso não entendeu por quê.

Foi só durante o cárcere que encontrou a resposta, como demonstra em "Verdade Tropical".

E a resposta lhe chegou sob a roupagem de uma tese que, no final das contas (e sempre de acordo com a ótica muito pessoal de Caetano), tende a diferenciar e engrandecer o tropicalismo. Coloca-o um patamar acima das outras correntes culturais que sacudiram o Brasil dos anos 60.

Para o cantor, setores do governo militar nutriam um juízo específico (e sofisticado) do movimento que os baianos capitanearam. Tomavam-no como mais ameaçador à ordem instituída do que, por exemplo, as canções engajadas de Geraldo Vandré ou as peças politizadas de Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal.

Cinco relatórios que a Folha descobriu nos arquivos do extinto Deops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social), em São Paulo, apontam para um caminho diferente.

Permitem inferir que os militares não distinguiam o tropicalismo entre as tantas manifestações culturais ditas de oposição. Confundiam umas com outras e reuniam, todas, sob os rótulos de "subversivas" ou "esquerdistas".

A palavra "tropicalismo" não aparece em nenhum documento. Somente dois trazem a expressão "tropicália" ou "tropicalista".

Convém ressalvar que os cinco relatórios são apenas a parte visível de milhares de outros papéis que se perderam ou que a própria máquina da repressão destruiu -e que poderiam eventualmente corroborar a tese de Caetano.

Cheios de erros gramaticais e redigidos por informantes anônimos dos serviços de espionagem, os documentos localizados pela Folha ostentam as inscrições "reservado", "secreto" ou "confidencial".

Em 1992, durante uma entrevista para Jô Soares, o autor de "Verdade Tropical" mencionou o assunto pela primeira vez e abriu uma discussão sobre a figura do "dedo-duro" no meio artístico.

Agora, o livro -que não se preocupa em disfarçar o tom passional quando descreve as angústias do cárcere- volta a investir contra Juliano.

Narciso e as baratas

Duas semanas antes da prisão de Gil e Caetano, o presidente Costa e Silva colocou o Congresso em recesso e assinou o AI-5 (Ato Institucional nº 5), que cassava o mandato de parlamentares e inaugurava a etapa mais dura do governo militar.
Naquele período, os tropicalistas comandavam o "Divino Maravilhoso", programa semanal da TV Tupi que surpreendia pelo espírito anárquico.

Já na estréia, em 28 de outubro, Gil entoava "Bat Macumba" entre gargalhadas e rodopios.

Caetano -então cultivando uma cabeleira selvagem- se atirava, trôpego, de um lado para o outro e plantava bananeira diante de um cenário incomum: quatro painéis em alto relevo e cores berrantes, que exibiam seios, uma boca enorme e dentaduras.

Fechou o programa de maneira emblemática -com a música "É Proibido Proibir", que começou a cantar deitado no chão.

As semanas seguintes revelaram peripécias ainda maiores. Dentro de uma jaula, o elenco do "Divino Maravilhoso" chegou a simular um banquete de mendigos.

Cartas iradas do público mais conservador não paravam de pedir explicações à Tupi e de condenar as "ofensas" dos tropicalistas.

Nessa fase conturbada, a polícia bateu à porta do apartamento de Caetano, na avenida São Luís, centro de São Paulo.

"Nem eu nem Gil imaginávamos que seríamos presos. Não havia expectativa de que nada de grave pudesse acontecer conosco", escreve em "Verdade Tropical".

Toda a terceira parte do livro se dedica à anatomia do cárcere. São 62 páginas que levam o título de "Narciso em Férias".

Mesclam reminiscências dos quase dois meses que Caetano passou entre grades (sua libertação e a de Gil só ocorreram no dia 19 de fevereiro de 1969, uma Quarta-Feira de Cinzas) com a tentativa de desvendar a razão de tudo aquilo.

O leitor acompanha a busca como quem vê um filme labiríntico, protagonizado por um jovem bem distinto daquele que despejava irreverência sobre o palco.

Mais magro do que o habitual, confuso e frágil, o cantor caçava respostas não apenas nas raras conversas com militares, mas também em estranhos sinais metafísicos que, acreditava, poderia extrair de baratas e músicas do rádio.

Num trecho desconcertante, Caetano esmiúça tais rituais premonitórios -um sistema que usava menos para adivinhar as causas da prisão e mais para tentar antever quando o suplício terminaria.

"Se eu lançar o jato de Baygon nessa barata e ela conseguir fugir, haverá um atraso de três dias na ordem de liberação", raciocinava.

Foi assim, na solidão do cárcere, num ambiente que lhe estimulava tanto a superstição quanto o exercício da lógica, que Caetano concluiu por que o prenderam.

O compositor destrincha a tese contando, primeiro, que teve medo quando a polícia chegou a seu apartamento -mas "não era, de modo nenhum, um medo que correspondesse ao tamanho do que de fato" iria acontecer.

E explica: "Estávamos tão habituados a hostilizações por parte da esquerda, éramos tantas vezes acusados de alienados e americanizados, que, quando me vi diante daqueles policiais, imaginei que me estavam levando para uma conversa com algum oficial de São Paulo, o qual nos trataria como rapazes interessados apenas em divertir o público".

A realidade se mostrou menos otimista. Os dois baianos seguiram, juntos, para prisões cariocas e iniciaram um penoso caminho que culminaria com o exílio.

Certo dia, na cela da Vila Militar, em Deodoro, subúrbio do Rio, um sargento chamou Caetano e se pôs a atacar a peça "Roda Viva".

O espetáculo -escrito por Chico Buarque, que José Celso Martinez Corrêa montou em 1968 e cujo elenco sofreu agressões de militantes do CCC (Comando de Caça aos Comunistas)- lançava mão de uma linguagem cênica chocante. Ora sugeria ações canibais e expunha a nudez dos atores, ora estilizava símbolos religiosos.

"Em suma", resume Caetano, "era tudo com que nosso trabalho, meu e de Gil -dos tropicalistas-, se identificava."




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