domingo, 30 de septiembre de 2018

1975 - OS TRÊS CANTOS INÉDITOS DE CAETANO VELOSO

Jornal ex-13 - Agosto/1975




1975
Livro de Cabeceira do Homem
Volume 1
Publicação Bimestral da Editora Civilização Brasileira


Três cantos inéditos de Caetano Veloso
Páginas 76 e 77



PIPOCA MODERNA
TUDO TUDO TUDO
GUÁ





Os 3 cantos inéditos
Caetano Veloso - 
1975


Pipoca Moderna
 
E era nada de nem noite de negro não
e era nê de nunca mais
e era noite de nê nunca de nada mais
e era nem de negro não
porém parece que a golpes de pê
de pé de pão
de parecer poder
(e era não de nada nem)
 
pipoca ali aqui
pipoca além
desanoitece a manhã
tudo mudou
 

Tudo tudo tudo
 
Tudo comer
Tudo dormir
Tudo no fundo do mar
 

Gua
 
Água
Guamá
Iguape
Ibu-alama

Sobre Pipoca Moderna 

          Em 67 Gil passou um tempo no Recife. De lá ele trouxe o pique para o tropicalismo. E, principalmente uma fita cassete com o som da banda de pífaros de Caruaru. Desde então, a pipoca moderna ficou em nossa cabeça, alguma coisa transando entre ou neurônios, umas joiazinhas de iluminação. De lá até aqui não perdi a esperança. Esses anos. Eu quero cantar palavras cantáveis, encontrar palavras cantáveis eu amo a arte de João Gilberto. Em 72, Gil colocou uma gravação da pipoca moderna na primeira faixa do lp que ele fez naquele ano. Nós não perdemos nunca a esperança. Eu venho tentando me abandonar às palavras cantáveis, ocultas aqui ali, desvelar algumas, desvelar-me para elas. Venho sonhando com um canto que seja o som como a visão do visionário. Qual é a da música, afinal? Essas palavras por causa da pipoca dos pífaros merecem meu amor. Não são a realização do meu sonho, mas a prova de que é um bom sonho, esse. Eu estava na varanda de casa na Bahia e Marquinhos Rebucetê mostrou no céu aquela luz que surgiu e cresceu e me meteu medo muito medo e Dedé ficou toda inteira e Márcia ficou tão feliz e tem uma hora que eu agradeço a Deus porque depois vieram as palavras desse canto em mim e talvez seja esse o modo pelo qual meu medo se redime e eu não me perco. Depois de cantar a pipoca moderna eu fiquei inteiro como Dedé e feliz como Márcia e fui o primeiro a ver como Marquinhos Rebucetê. Fui o primeiro a ver essa pergunta luminosa inscrita no céu da boca de quem cante e outro dia Jorge Salomão falou alguma coisa como o "jeca total". Sou feliz na pipoca desse canto e isso é muito firme. Estou inteiro quando há esse canto da pipoca moderna. Eis. 


Sobre Tudo tudo tudo 

            Devia ser escrito assim: mmmmmmmmmm
                                               mmmmmmmmmm
                                               mmmmmmmmar, como foi cantado pra ninar Moreno. De algum modo deviam ir surgindo embriões de sílabas até o que finalmente é o texto ganhar forma. Mas não foi escrito nem assim nem assado. Está sendo agora copiado pra que se também leia. São bonitas essas músicas onde não há composição contando o que de fato se passou. Só Moreno conhece. O número de repetições é até ele dormir ou ficar de saco cheio de tentar e desistir. O acalanto é uma forma de música muito útil.


Sobre Gua 

          A pessoa que sabe me disse que o meu orixá é ibu-alama. A pessoa que sabe é muito bonita. Essa sílaba ‘gua’ surgiu tantas vezes seguidas e de tal medo se comportou como núcleo desse átomo que eu pensei que ela erra o jeito de se expressar o que eu não sei explicar da relação mítica entre ibu-alama e a água, as águas. Os lugares que eu amo - guamá-belém, iguape-pedrinho-baía de todos os santos, recôncavo de santo amaro, - são elementos qualquer coisa íntimos, desses que só eu sei e tudo é ritmo, tudo é inútil e não deveriamos temer coisa alguma 


[in Alegria, Alegria Rio de Janeiro: Editora Pedra Q Ronca, 1977]


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