domingo, 30 de septiembre de 2018

1975 - OS TRÊS CANTOS INÉDITOS DE CAETANO VELOSO

Jornal ex-13 - Agosto/1975




1975
Livro de Cabeceira do Homem
Volume 1
Publicação Bimestral da Editora Civilização Brasileira


Três cantos inéditos de Caetano Veloso
Páginas 76 e 77



PIPOCA MODERNA
TUDO TUDO TUDO
GUÁ





Os 3 cantos inéditos
Caetano Veloso - 
1975


Pipoca Moderna
 
E era nada de nem noite de negro não
e era nê de nunca mais
e era noite de nê nunca de nada mais
e era nem de negro não
porém parece que a golpes de pê
de pé de pão
de parecer poder
(e era não de nada nem)
 
pipoca ali aqui
pipoca além
desanoitece a manhã
tudo mudou
 

Tudo tudo tudo
 
Tudo comer
Tudo dormir
Tudo no fundo do mar
 

Gua
 
Água
Guamá
Iguape
Ibu-alama

Sobre Pipoca Moderna 

          Em 67 Gil passou um tempo no Recife. De lá ele trouxe o pique para o tropicalismo. E, principalmente uma fita cassete com o som da banda de pífaros de Caruaru. Desde então, a pipoca moderna ficou em nossa cabeça, alguma coisa transando entre ou neurônios, umas joiazinhas de iluminação. De lá até aqui não perdi a esperança. Esses anos. Eu quero cantar palavras cantáveis, encontrar palavras cantáveis eu amo a arte de João Gilberto. Em 72, Gil colocou uma gravação da pipoca moderna na primeira faixa do lp que ele fez naquele ano. Nós não perdemos nunca a esperança. Eu venho tentando me abandonar às palavras cantáveis, ocultas aqui ali, desvelar algumas, desvelar-me para elas. Venho sonhando com um canto que seja o som como a visão do visionário. Qual é a da música, afinal? Essas palavras por causa da pipoca dos pífaros merecem meu amor. Não são a realização do meu sonho, mas a prova de que é um bom sonho, esse. Eu estava na varanda de casa na Bahia e Marquinhos Rebucetê mostrou no céu aquela luz que surgiu e cresceu e me meteu medo muito medo e Dedé ficou toda inteira e Márcia ficou tão feliz e tem uma hora que eu agradeço a Deus porque depois vieram as palavras desse canto em mim e talvez seja esse o modo pelo qual meu medo se redime e eu não me perco. Depois de cantar a pipoca moderna eu fiquei inteiro como Dedé e feliz como Márcia e fui o primeiro a ver como Marquinhos Rebucetê. Fui o primeiro a ver essa pergunta luminosa inscrita no céu da boca de quem cante e outro dia Jorge Salomão falou alguma coisa como o "jeca total". Sou feliz na pipoca desse canto e isso é muito firme. Estou inteiro quando há esse canto da pipoca moderna. Eis. 


Sobre Tudo tudo tudo 

            Devia ser escrito assim: mmmmmmmmmm
                                               mmmmmmmmmm
                                               mmmmmmmmar, como foi cantado pra ninar Moreno. De algum modo deviam ir surgindo embriões de sílabas até o que finalmente é o texto ganhar forma. Mas não foi escrito nem assim nem assado. Está sendo agora copiado pra que se também leia. São bonitas essas músicas onde não há composição contando o que de fato se passou. Só Moreno conhece. O número de repetições é até ele dormir ou ficar de saco cheio de tentar e desistir. O acalanto é uma forma de música muito útil.


Sobre Gua 

          A pessoa que sabe me disse que o meu orixá é ibu-alama. A pessoa que sabe é muito bonita. Essa sílaba ‘gua’ surgiu tantas vezes seguidas e de tal medo se comportou como núcleo desse átomo que eu pensei que ela erra o jeito de se expressar o que eu não sei explicar da relação mítica entre ibu-alama e a água, as águas. Os lugares que eu amo - guamá-belém, iguape-pedrinho-baía de todos os santos, recôncavo de santo amaro, - são elementos qualquer coisa íntimos, desses que só eu sei e tudo é ritmo, tudo é inútil e não deveriamos temer coisa alguma 


[in Alegria, Alegria Rio de Janeiro: Editora Pedra Q Ronca, 1977]


jueves, 27 de septiembre de 2018

1994 - MARIO VARGAS LLOSA



“... Em dezembro de 1994, quando o escritor peruano Mario Vargas Llosa esteve no Brasil, o editor Luiz Schwarcz fez um jantar em sua casa, com a presença do então presidente eleito Fernando Henrique Cardoso.
Schwarcz convidou Caetano para o jantar e, nele, o compositor revelou ao editor o projeto da editora americana e, como havia uma espécie de convite permanente da Companhia das Letras, perguntou a Schwarcz se ele se interessaria em editar o livro no Brasil....” [Matinas Suzuki, Folha de S.Paulo, 21/4/1996]



Luiz Schwarcz pilota sarau literário domingo (04/12) em torno de Mario Vargas Llosa.
Com presença confirmada de Fernando Henrique Cardoso, Jô Soares e Caetano Veloso –entre outros stars.






São Paulo, terça-feira, 6 de dezembro de 1994


 

 



Na noite do domingo, o poder voltou à praça Morungaba, a mesma onde morava a ministra Zélia Cardoso de Mello, no Jardim Europa, zona oeste de São Paulo.
A agradável rua habitada pela alta classe média paulistana foi o endereço de um dos jantares mais disputados da pré-temporada do novo governo e uma espécie de "première" de como será o estilo dos anos Fernando Henrique Cardoso.
Pouco abaixo da casa de Zélia, o editor Luiz Schwarcz recebia políticos, escritores, artistas e empresários para uma homenagem a Mário e Patrícia Vargas Llosa.
Às 21h50, FHC e a futura primeira-dama, Ruth (sem óculos, de preto, muito elegante), juntos com Mário e Patrícia, chegaram ao jantar onde já se encontrava a grande maioria dos cerca de 60 convidados para o sarau dos novos tempos.
FHC e MVL são muito parecidos. Brilhantes intelectuais latino-americanos, homens grisalhos e de muito sucesso entre as mulheres. Os dois se deixaram cair na tentação da vida política –e aí começam algumas as diferenças.
FHC vestia um terno cinza, camisa branca, com a gravata no mesmo tom enlaçada por um nó um pouco menos apertado –digamos, um nó social-democrata.
MVL preferiu o azul e o paletó de quatro botões, sobre camisa do mesmo tom, riscada de amarelo. A gravata, combinando com a camisa, expunha um impecável laço liberal.
A julgar pelo bom humor e pela disposição de ambos, fica difícil saber o que é melhor: ganhar ou perder uma eleição presidencial.
Os tucanos eram maioria absoluta. Três ministeriáveis da Cultura dividiam as atenções do presidente eleito: Roberto Muylaert, Arnaldo Jabor e Jorge da Cunha Lima.
O último, que veio de helicóptero do litoral especialmente para o jantar, recebeu dez minutos de conversa, a sós com FHC, na sala de televisão da casa. Foram os dez minutos de maior suspense do jantar.
Em compensação, Jorge da Cunha Lima foi o autor da melhor frase da noite, recolhida perspicazmente pelo editor Jorge Zahar. Ao ver, em uma roda de tucanos, um assento desocupado ao lado de FHC, Cunha Lima exclamou: "Puxa, uma cadeira vazia ao lado do Presidente!" E, rapidamente, ocupou o espaço vazio.
O sucesso do jantar preparado por Charlô Whately foram as alcachofras de entrada. Aliás, as alcachofras são, desde já um item necessário da pré-temporada, pois também foram servidas como entrada do jantar de 90 anos de Roberto Marinho, no sábado, no Rio.
Ao ver FHC jantando, Jô Soares perguntou se ele estava comendo buchada. Depois, ao se despedir do presidente eleito, Jô disse que manifestaria seu desejo de que tudo corresse bem no governo usando a maneira com que os artistas de teatro desejam boa sorte uns aos outros: "Merda para o senhor", disse Jô.
FHC lembrou-se então de que, no Chile, onde viveu exilado, é comum se dizer "Viva Chile, mierda!" Sempre fazendo piadas, o presidente eleito brincou bastante com as idéias mais à esquerda de seu amigo e colega Roberto Schwarz –um dos raros petistas da noite.
Por seu lado, MVL encontrou um interlocutor no economista Eduardo Giannetti da Fonseca, com quem conversou, entre outras coisas, sobre Adam Smith. Uma conversa um pouco "liberada" –como brincava Caetano Veloso, que, com Gilberto Gil, chegou mais tarde, após o show no Palace– demais para os tucanos.
À saída, alguns convidados ganharam um volume autografado dos "Contos Reunidos", de Fonseca. FHC e MVL ganharam os primeiros exemplares do belíssimo "Saudades do Brasil", de Lévi-Strauss.
Os anos FHC começam assim: sem surpresas, com muitos sorrisos à esquerda e aos liberais e –se possível– com muito verniz cultural.




5/12/1994 - Folha de S.Paulo






miércoles, 26 de septiembre de 2018

2009 - OS SUCOS BÁRBAROS



Maria BeTâmara 
MaracuGil
GalRaná Costa
AbaCaetano



26/3/2009

Inspirada pela criação do designer Marc Valega, os Beatle Juice, caixinhas de suco com nomes dos integrantes dos Beatles, a empresa de design Bistrô resolveu criar uma versão brasileira da ideia, usando como inspiração os Doces Bárbaros.

O resultado foi "Os Sucos Bárbaros", uma linha que apresenta sabores inspirados no quarteto de MPB dos anos 70: Gilberto Gil vira MaracuGil [sabor maracujá]; Gal Costa, GalRaná [sabor guaraná]; Caetano Veloso se transforma em AbaCaetano [sabor abacate], e Maria Bethânia ficou como Maria BeTâmara [sabor tamarindo ou tâmara da Índia].

Apesar de ser tudo uma grande brincadeira, a agência garante que todos os sucos são receitas especiais da Dona Canô. Se você gostou das caixinhas, pode entrar no site da Bistrô e imprimir cada uma delas e montar você mesmo.

O diretor de criação Gabriel Besnos e a coordenadora de projetos Fernanda Aldabe são responsáveis pela criação desses sucos fictícios. Confira na nossa galeria imagens de cada um deles.





martes, 25 de septiembre de 2018

1972 / 2017 - DUNAS DO BARATO


25/12/1970 - Foto: Renato Soldon
















1971
Documentário, 3"
 
“Gal Fa-Tal”
 
Fotografia, câmera e direção:
IVAN CARDOSO
Edição: CLAUDIO TAMMELA
Produção: TOPÁZIO FILMES 1971
 
 
Imagens inéditas de Gal Costa, no Pier de Ipanema com Wilma Dias e Paulo Lima e no show “Gal a todo vapor”, intercalado com cenas de “Nosferato no Brasil”.

  


Torquato Neto


FALSA BAIANA

NÃO SE ESQUEÇA DE MIM







Fotos: Mário Luiz Thompson












1/1/1972 - Dunas do barato

A retirada de toneladas de areia do mar para a construção do Emissário de Ipanema criou, nos primeiros anos da década de 1970, dunas artificiais na orla.

Em 1972 aquele pedacinho da orla da Zona Sul era o ponto de encontro de inúmeras tribos, na efervescência da contracultura.

A cantora Gal Costa, à época estrela do espetáculo "Gal a todo vapor" no Teatro Tereza Rachel, em Copacabana, e Caetano Veloso eram figurinhas fáceis daquela faixa de areia. 



Salvador, novembro/72 - Foto: IvanCardoso














21/3/1972 - Foto: Eurico Dantas







1972
Revista Amiga
TV ● TUDO
Rio de Janeiro - 25 de abril de 1972 - n° 101

Reportagem de SÉRGIO LIMA E SILVA
Fotos de FREDERICO MENDES






22/7/1973 - Pier de Ipanema - Arquivo - Agência O Globo
O "pier", que ficava entre as ruas Farme de Amoedo e Teixeira de Melo, teve seu período áureo de 1970 a 1973




1972
Revista inTerValo 2000
Ano X - n° 477

Editora Abril





Gal Costa nas dunas do barato




1974
Revista Geração Pop
Fevereiro n° 16
Editôra Abril













Foto: Marco Antônio Rezende

















03/12/2011

Houve uma vez um verão

Aconteceu em 1972, no Píer de Ipanema, foi o primeiro a criar uma tribo, entrou para a história e vai virar filme




Foto: Reprodução Internet


Renato Lemos - O Globo

RIO - Tinha tudo para dar errado: o píer era uma horrorosa estrutura de madeira, aço e ferro enfiada mar adentro, em plena Ipanema, com o único propósito de escorar tubos de esgoto até alto-mar. Para fixar as pilastras, toneladas de areia foram retiradas do fundo do mar e espalhadas na praia formando dunas artificiais. Quem passava na calçada da Vieira Souto simplesmente não conseguia enxergar o mar. Tinha tudo para dar errado, mas, no comecinho de 1972, o conjunto formado pelo píer medonho, pelas dunas de araque e por um punhado de surfistas, artistas, desbundados, poetas, hippies e malucos de todos os tipos transformou o lugar no point do verão. Aquele seria o Verão do Píer. Ou, dependendo da vontade do freguês, o Verão das Dunas. Tanto faz. O que se sabe é que, de lá pra cá, Ipanema não parou mais de inventar seus verões.

Sem o Verão do Píer — o primeiro a criar uma tribo em Ipanema — provavelmente não existiria o Verão do Circo, o Verão da Lata e nem o Verão do Apito. É possível até que não existisse nem o Posto 9 nem o Coqueirão. Naquele 1972, havia algo de novo no ar e, especialmente, no mar. Quando a corrente vinha dos lados do Leblon, encontrava uma barreira formada pelos pilares e pelas chapas de ferro que formavam o emissário submarino, ali em frente à Farme de Amoedo. A onda então recuava um pouco, como se fosse empurrada para trás, elevando e aplanando o fundo de areia, deixando-o na medida para o surfe.

— Era como os corais do Havaí, só que no quintal da nossa casa — explica Marco Telles, o Coyote, editor do site pierdeipanema.com.br, dedicado exclusivamente às histórias daquela época. — A história do Píer começou nas ondas.
Depois disso, cada onda que vinha era melhor que a outra. Nunca se tinha visto esquerdas tão perfeitas em Ipanema. Os surfistas — que já se queixavam do excesso de forasteiros do Arpoador — foram os primeiros a chegar ao lugar. Depois vieram as menininhas bonitas que sempre vão atrás deles, os hippies, o cheiro de parafina, a maresia, a paz e o amor, os violões, o incenso, os sovacos cabeludos, os intelectuais, a festa, o pôr do sol e os malucos que cismaram de bater palma para ele. Por fim, veio Gal Costa.





Em janeiro de 1972, Gal estava botando gente pelo ladrão no novíssimo Teatro Tereza Rachel (que nos anúncios publicados nos jornais aparecia localizado como "em cima do Opinião"), em Copacabana. "Gal a todo vapor" era uma espécie de continuação de "Gal fa-tal", sucesso absoluto no ano anterior. O show era dirigido por Wally Salomão e misturava guitarras, barulho, banquinho, violão e uma cantora no ponto exato entre a timidez e a malícia.

Gal cantava "Pérola Negra" (de um novato chamado Luiz Melodia), "Sua estupidez" (naquele momento, cantar um sucesso do careta Roberto Carlos, isso sim, parecia uma estupidez) e "Vapor barato" (reza a lenda que a música teria sido composta por Macalé e Wally Salomão do alto das dunas, e que seu título não se referia exatamente à substância que inspirava a dupla, mas a um navio que passava no horizonte). Nas noites de quinta a domingo, Gal estava arrasando no palco. No resto do tempo, podia ser vista subindo e descendo as dunas de Ipanema, onde balançava a cabeleira, sorria pros meninos e pras meninas, se espreguiçava e, por fim, abria sua toalha de praia bem pertinho das ondas. As Dunas da Gal nasciam ali.

— Era um lugar onde ninguém ia, a obra causava um certo incômodo e afastava as pessoas em geral. Eu e Macalé percebemos isso, vimos que o espaço era bacana, começamos a ir ali. Então começou a juntar, naturalmente, uma turma mais hippie — explica Gal, 40 anos e um punhado de sucessos depois. — Como dizia o Mautner, virou um lugar protegido por uma redoma energética contra tudo de ruim que havia no Brasil.

No Brasil de 1972, mergulhado até o pescoço na ditadura, havia muita coisa ruim — e ninguém está se referindo, necessariamente, a Dom e Ravel cantando "Eu te amo meu Brasil". Para contrabalançar, Chico Buarque emplacava "Construção" no primeiro lugar das paradas, os Novos Baianos gravavam o clássico "Acabou chorare", Caetano lançava "Samba, suor e cerveja", Milton reunia o "Clube da Esquina", Gil vinha com "Expresso 2222" e Benjor (que ainda era só Ben), encantado com o carisma de um negro dentuço e desengonçado que comandava o ataque do Flamengo, começava a compor "Fio Maravilha". Por fim, Jorge Mautner estava lançando "Para iluminar a cidade", um elepê gravado ao vivo no Opinião, com capa assinada pelo vampiro Ivan Cardoso e um lote de músicas perfeitas para embalar qualquer viagem. Mautner — o profeta da contracultura — era a cara das Dunas do Barato.

— A contracultura no Brasil foi o Tropicalismo. É o que nos define e diferencia entre todos os países do planeta, a cultura negra, branca e indígena entrelaçadas. De Jesus Cristo aos tambores do candomblé — explica Mautner, que, naquele início de 1972, acabara de voltar de Londres e andava assinando artigos no "Pasquim". — O que nos iluminava ali nas dunas era a luta contra a ditadura, o desejo de democracia, as liberdades individuais e sexuais, a realização dos direitos humanos e a desobediência civil.

Desobedecer, naquela época, não tinha nada a ver com produzir apitaços para avisar da chegada da polícia na praia, como aconteceria 26 anos depois no Verão do Apito — até mesmo porque, no território livre das dunas, a polícia não ia mesmo. A pílula acabara de chegar ao país, e os esconderijos das dunas (especialmente de noitinha) eram um ótimo lugar para testar se elas funcionavam de verdade. Ao mesmo tempo, a maconha era mais consumida que Continental sem filtro, o mais popular do mercado. Muita gente ia ali só para isso — namorar, fumar um baseado, jogar conversa fora — e nem pensava em colocar uma sunga ou um biquíni para dar um mergulhinho.

A moda, inclusive na praia!, eram as calças jeans desbotadas, boca de sino, e as camisas com slogans contra a guerra do Vietnã. Se as lojas de Copacabana ofereciam a nova coleção da Ducal ("Neste verão, o homem carioca veste os ternos Relax, do mais puro tergal"), os malucos do Píer se esbaldavam com os panos, as sandálias de couro e as bijuterias compradas na Feira Hippie, que funcionava havia quatro anos bem ali pertinho, na General Osório.

O fotógrafo Frederico Mendes, espécie de cronista da época e responsável por alguns dos melhores flagrantes daquele verão, explica:
— As dunas eram um reflexo direto do Tropicalismo. Da música ao jeito de as pessoas se vestirem, tudo levava ao movimento. Um dia eu estava no alto das dunas quando vi a garota passando lá embaixo sem a parte de cima do biquíni. Era o primeiro topless de Ipanema. Corri em casa, lá em Copacabana, peguei minha câmera e voltei para fotografá-la. O incrível é que as pessoas em volta nem ligavam...

Talvez não ligassem porque ainda estivessem sob o efeito da visão de Ana Maria Magalhães completamente nua em "Como era gostoso o meu francês", a incursão de Nelson Pereira dos Santos no antropofágico mundo dos índios brasileiros. No filme, lançado em janeiro, Ana Maria contracenava com Arduíno Colassanti, pescado dos mares do Arpoador para as telas. Se "Como era gostoso o meu francês" era o assunto nas rodas das Dunas, "A 300 km por hora", com Roberto Carlos, levava uma multidão ao Super Bruni 70, na Visconde de Pirajá. O Rei cortava um dobrado para vencer o vilão interpretado por um cabeludo Raul Cortez.

No teatro, "Hoje é dia de rock" (bebê?) prosseguia com a carreira de sucesso e, no Night and Day, Marília Pêra encarnava Carmen Miranda em "A pequena notável". A tropicalíssima Carmen, musa inspiradora daquele Verão das Dunas, seria também enredo do Império Serrano, campeão do carnaval de 1972. A escola apresentava um samba que, pela primeira vez, ousava misturar gírias à rigidez típica dos carnavais da época: "Que grilo é esse?/ Vou embarcar nessa onda/ É o Império Serrano que canta, dando uma de Carmen Miranda".

— As dunas funcionavam como uma fronteira demarcada. A repressão não ia até lá. Desconfio que até incentivava aquilo, porque, no fundo, gostava que as pessoas tivessem optado pelo desbunde e não pela luta armada — especula Fernando Fedoca Lima, de 56 anos, surfista da época e autor de boa parte das fotos que ilustram esta reportagem. — Mas, no geral, tudo o que se produzia lá repercutia do lado de fora: moda, música, comportamento. A cultura do Rio de Janeiro não foi mais a mesma depois daqueles verões.

Um retrato desse tempo provavelmente estará nos cinemas a partir de 2013, com o longa "Píer de Ipanema — 1972". É um filme de ficção que remonta às histórias em torno das areias de Ipanema. O produtor paulista Guilherme Keller chegou a pensar em fazer um documentário, mas percebeu que, na boa, aquele mundo doido parecia mesmo coisa de ficção. Ele conta com o auxílio de Sergio Ayrosa — que trabalhou na equipe técnica de produções como "Avatar" e "Harry Potter" — nos efeitos especiais.

— Vamos reconstituir o píer com efeitos especiais e tentar recuperar todo o clima daquela época — explica Guilherme, que está associado à produtora RT, de Rodrigo Teixeira. — O foco vai ser o verão de 1972. Aquele período serve de síntese de tudo o que foi o píer.

Em 1975, o píer seria desmontado, deixando para trás alguns verões de moda, liberdade, fumaça, boas ondas e — dizem os mais maldosos — quilos de piolhos pelo caminho. Era o fim do caminho, como profetizava "Águas de março", de Tom Jobim, que fechou genialmente aquele verão de 1972. O Verão das Dunas — que apresentou ao carioca nomes como Rose di Primo, Angela Ro Ro, Evandro Mesquita, Pepê, Petit (o Menino do Rio inspirador de Caetano), José Simão, Chacal e Baby Consuelo — deixaria também muita saudade. Ou, como preferiam os poetas da época, saüdade.

No dia 20 de janeiro de 1972, uma revisão ortográfica da língua portuguesa entrava em vigor no país. Saudade, que até então podia ser escrita com um charmoso trema sobre o u, perdia de vez o "acento". A grita era geral. Aurélio Buarque de Hollanda, pai do pai dos burros, foi aos jornais reclamar: "Estamos caminhando para a anarquia ortográfica. É só o começo."

Começo, por sinal, levava o circunflexo em cima do e: comêço. Eram sinais do tempo.

A partir daquele janeiro de 1972, a história dos verões do Rio definitivamente seria escrita de um outro jeito.








Fotos: Fernando "Fedoca" Lima






1971 - Foto: Ivan Cardoso








Moraes Moreira


Canal Brasil estreia “Dunas do Barato” nesta quinta, 18/05/2017


Dividido em cinco episódios, o inédito e exclusivo “Dunas do Barato”, que estreia no Canal Brasil nesta quinta-feira (18/05), às 21h, promove uma volta ao passado por meio de imagens e depoimentos para relembrar o Píer de Ipanema, desmontado em 1975, e que culminou no encontro de uma turma de artistas, poetas e revolucionários durante quatro anos, enquanto o Brasil vivia sob o Regime Militar.

A construção, projetada para erguer um emissário que levaria o esgoto da cidade ao mar, propiciou também o surgimento de ondas perfeitas para surfistas, e dunas que impediam a visão de pedestres no asfalto.

A ideia surgiu de uma proposta de Roberto Moura, o produtor-executivo do programa. Responsável pelo filme “Surf Adventures”, ele pensava num outro longa sobre o surfe no píer. “Aí fiz uma contraproposta e propus que a gente falasse não apenas deste assunto, mas do caldeirão cultural que foi aquele lugar”, explica Olivio Petit, que assina texto, roteiro e direção da série documental.

Foram cerca de 50 entrevistados e uma seleção de imagens icônicas para resgatar toda a essência do local. O primeiro episódio aborda as musas e os poetas locais, com as memórias de gente como Ziraldo, Chacal, David Azulay, Alceu Valença, Regina Martelli, Jorge Mautner, Jards Macalé, Patricia Travassos e José Wilker, entre outros.

“O significado do píer é uma coisa que a gente acaba olhando depois. Na época ninguém tinha nenhuma preocupação de ter significado praquilo. Primeiro, a gente era contra o píer é uma coisa que vai sujar a praia, aí de repente, de teimosia, a gente passou a ir e ia todo dia, e eram as mesmas pessoas todo dia”, conta Wilker, morto em abril de 2014.

Sinopse: Dividido em cinco episódios, o programa dirigido por Olivio Petit promove uma volta ao passado por meio de imagens e depoimentos para relembrar o Píer de Ipanema, desmontado em 1975, e que propiciou o encontro de uma turma de artistas, poetas e revolucionários durante quatro anos, enquanto o Brasil vivia sob a Ditadura Militar.

A construção, projetada para erguer um emissário que levaria o esgoto da cidade ao mar, propiciou também o surgimento de ondas perfeitas para surfistas e dunas que impediam a visão de pedestres no asfalto.



Episódio: As Musas e Os Poetas
No episódio de estreia da série, personalidades resgatam a história das musas e dos poetas que surgiram nas areias de Ipanema, no Rio de Janeiro, em 1970.

“A gente achava que podia fazer tudo o que queria ali. Na realidade, a gente tava cercado pela polícia. Era uma como uma válvula de escape. Ali podia tudo, mas se você saísse na calçada com droga ou um comportamento inadequado, dançava” [Jards Macalé].

Episódio: A Obra E Os Pioneiros
Da construção do píer ao primeiro campeonato de surf sediado no local, o episódio resgata a história do surgimento das dunas de Ipanema e a chegada dos seus primeiros frequentadores.

"— O píer foi mais um dos grandes projetos do governo militar, que apostava em grandes obras para impressionar, como a Transamazônica (rodovia inaugurada em 1972, durante o governo do presidente Emílio Garrastazu Médici) —" destaca o diretor.

Episódio: A Arte Faz a Moda
O episódio destaca como as artes plásticas ganharam espaço na década de 1970, influenciando o vestuário dos frequentadores de Ipanema e se tornando referência de moda jovem.

Episódio: Explosão Cênica
O episódio destaca a expansão do cinema e teatro na cena cultural carioca dos anos 1970. Da liberdade audiovisual ao engajamento dos grupos teatrais, a juventude influenciou diversas formas de expressão.

Episódio: O Som e O Fim
O episódio resgata a explosão criativa vivida no cenário musical após a efetivação da censura. Os entrevistados relembram o último verão no píer e falam sobre os frutos dessa geração.


Elenco:
André de Biase
Dadi Carvalho
Evandro Mesquita
Gal Costa
Jards Macalé
Patrícia Travassos
Antônio Carlos da Fontoura
Bernardo Vilhena
Carlo Vergara
Cecília Conde
Chacal
Charles Peixoto
David Pinheiro
Heloísa Buarque de Hollanda
Ivan Cardoso
Jorge Mautner
Jorge Salomão
José Wilker
Moraes Moreira
Neville de Almeida
Oswaldo Caldeira
Regina Martelli
Rico de Souza
Ronaldo Santos
Zuenir Ventura




Por Ancelmo Gois

12/11/2022

 

Eduardo Paes vai batizar oficialmente de “Dunas de Gal” o pedaço da Praia de Ipanema que em 1972 ganhou este nome em homenagem à artista baiana. 

O lugar era ponto de encontro de artistas, intelectuais , surfistas e outras tribos.