sábado, 2 de septiembre de 2017

2017 - VERDADE TROPICAL





"Enquanto escrevo, o Brasil está em perpétua convulsão, e há coisas demais sugerindo que não temos por que ser otimistas."





Foto: Fernando Young


1997

2008


Vinte anos depois do lançamento de Verdade tropical – precioso testemunho da vida cultural do Brasil na segunda metade do século XX, com especial atenção para o tropicalismo –, Caetano Veloso retorna ao livro em edição revista e ampliada.

Ao narrar sua formação cultural – que inclui música, cinema, artes plásticas, literatura e filosofia –, Caetano Veloso não se limita a escrever uma autobiografia. Nessa mistura de memórias, ensaio e história, tendo como eixo central a eclosão do tropicalismo em meio aos anos de chumbo, o autor esmiúça momentos decisivos da ditadura militar e os nomes com quem travou apaixonadas conversas. Partindo de Santo Amaro, na Bahia, onde leu Clarice Lispector, assistiu a La strada, ouviu João Gilberto e teve sua primeira relação sexual, suas lembranças atravessam a adolescência, a prisão em 1968, o exílio em Londres e chegam ao fim da década de 1990 para compor um extraordinário panorama do Brasil.


A nova edição de Verdade Tropical, com projeto gráfico redesenhado, inclui texto inédito escrito especialmente para este volume. Em “Carmen Miranda não sabia sambar”, Caetano pondera sobre as duas décadas que se passaram entre o lançamento do livro, em 1997, e hoje. Aos 75 anos, ele se debruça sobre sua trajetória musical – e também literária – para um acerto de contas com suas experiências pessoais, além de analisar assuntos relacionados à cultura, política e identidade do país. “Sou brasileiro e me tornei, mais ou menos involuntariamente, cantor e compositor de canções", ele escreve. "Fui um dos idealizadores e executores do projeto da Tropicália. Este livro é uma tentativa de narrar e interpretar o que se passou.”



3/9/2017 - Crédito: Facebook

















VERDADE
TROPICAL
CAETANO
VELOSO





EDIÇÃO COMEMORATIVA DE 20 ANOS












Copyright ©2017 by Caetano Veloso


Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico
da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor
no Brasil em 2009.

Capa e projeto gráfico
RAUL LOUREIRO

Foto de capa Caetano Veloso com o Parangolé P4 Capa 1, 1964,
de Hélio Oiticica. Rio de Janeiro, 1968. Cortesia
Projeto Hélio Oiticica. DR/Geraldo Viola. Todos
os esforços foram feitos para reconhecer os direitos
autorais da imagem da capa. A editora agradece
qualquer informação relativa à autoria, titularidade
e/ou outros dados, se comprometendo a incluí-los
em edições futuras.


Foto de quarta capa
Caetano Veloso com o Parangolé P25 Capa 21 —
“Xoxoba”, 1968, de Hélio Oiticica. Cortesia Projeto
Hélio Oiticica. ©Fernando Young


Obra de arte da guarda
A violinista, Caetano de Almeida, 2014, acrílica sobre
tela, 220×170 cm, reprodução de Edouard Fraipont.


Preparação MÁRCIA COPOLA


Índices
LUCIANO MARCHIORI


Revisão
ÉRICO MELO
ANGELA DAS NEVES
VALQUÍRIA DELLA POZZA



Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
______________________________________________

Veloso, Caetano
Verdade tropical, Caetano Veloso. — 3a ed. — São Paulo:
Companhia das Letras, 2017.

"Ed. comemorativa de 20 anos"
ISBN: 978-85-359-2989-8

1. Música popular — Brasil — História e crítica
2. Tropicalismo (Música) — Brasil 3. Veloso, Caetano,
1942- I. Título.


17-07978                                            CDD-781.630981
______________________________________________

Índices para catálogo sistemático:
1. Brasil: Tropicalismo : Música popular
781.630981
2. Tropicalismo: Música popular brasileira
781.630981



[2017]
Todos os direitos desta edição reservados à
EDITORA SCHWARCZ S.A.
Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 32
04532-002 — São Paulo — SP
Telefone: (11) 3707-3500
www.companhiadasletras.com.br
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11 CARMEN MIRANDA NÃO SABIA SAMBAR
47 INTRO


PARTE 1

57 ELVIS E MARILYN
83 BETHÂNIA E RAY CHARLES
115 INTERMEZZO BAIANO

PARTE 2

123 TRANSE
139 PAISAGEM ÚTIL
147 DOMINGO
165 BAIHUNOS
175 ALEGRIA, ALEGRIA
193 DOMINGO NO PARQUE
201 TROPICÁLIA
215 2002
221 A POESIA CONCRETA
243 CHICO
249 VANGUARDA
255 ANTROPOFAGIA
275 PANIS ET CIRCENSIS
305 É PROIBIDO PROIBIR
315 DIVINO, MARAVILHOSO

PARTE 3

349 NARCISO EM FÉRIAS

PARTE 4

405 BARRA 69
413 LONDON, LONDON
425 LÍNGUA
433 AFINIDADES ELETIVAS
443 AME-O OU DEIXE-O
453 BACK IN BAHIA
473 ARAÇÁ AZUL
479 VEREDA

493 ÍNDICE ONOMÁSTICO
505 ÍNDICE DE MÚSICAS
509 SOBRE O AUTOR






VERDADES TROPICAIS, DELÍRIOS UTÓPICOS
QUANDO: seg. (16), às 18h
ONDE: Casa do Baixo Augusta, esquina da rua Consolação com a rua Rego Freitas (SP)
QUANTO: grátis; retirar ingresso no local a partir das 16h



16/10/2017 - Caetano Veloso no relançamento seguido de debate do livro "Verdade Tropical" - Foto: Mastrangelo Reino / Folhapress


16/10/2017 - O produtor cultural Cláudio Prado no relançamento seguido de debate do livro "Verdade Tropical" - Foto: Mastrangelo Reino / Folhapress 



Caetano Veloso na Casa do Baixo Augusta com o ativista Cláudio Prado - Foto: Frâncio de Holanda / Divulgação

Caetano Veloso e o produtor e teórico Cláudio Prado


Caetano Veloso está em São Paulo nesta segunda-feira (16) para o relançamento de seu livro Verdade Tropical (Companhia das Letras) 20 anos depois da primeira edição. Em debate com o ativista Claudio Prado, quando este comparou o celular ao coquetel motolov no ativismo atual, Caetano respondeu: "Nunca tive celular".

O evento, com entrada gratuita, acontece na Casa do Baixo Augusta, no centro de São Paulo, e é organizado pelo Mídia Ninja. Logo pela manhã, a fila para retirada de senhas era longa no local.



Antonia Pellegrino

16/10/2017 - Thalma de Freitas, Caetano Veloso, Cláudio Prado, Antonia Pellegrino
Foto: Uns






O Estado de S.Paulo

'Algum conservadorismo é necessário', diz Caetano
Em São Paulo, cantor afirma que é bom que fiquem claras visões de mundo que estão espalhadas no seio das sociedades

Ricardo Galhardo
17 Outubro 2017

“Algum conservadorismo é necessário. Pode não ser desejável mas é necessário”. O autor da frase é o cantor e compositor Caetano Veloso, que na segunda-feira, 16, participou de um debate na inauguração da nova sede do coletivo de ativismo digital Mídia Ninja na Casa do Baixo Augusta, região central de São Paulo. 


Caetano Veloso em debate na inauguração da nova sede do coletivo de ativismo digital Mídia Ninja na Casa do Baixo Augusta, região central de São Paulo - Foto: Frâncio de Holanda


O raciocínio do baiano surpreendeu muitas das mais de 250 pessoas que lotaram o local no início da noite, várias delas antigos militantes ou jovens simpatizantes de partidos e novas organizações de esquerda.

“Uma sociedade precisa persistir e para persistir ela tem que ter um aspecto conservador de si mesma. Isso não se manifesta necessariamente em atos reacionários. Não necessariamente todo conservadorismo é reacionário. De todo modo, algum conservadorismo é necessário. Pode não ser desejável mas é necessário”, provocou o cantor.

Caetano comentava o surgimento de novos grupos assumidamente de direita como o Movimento Brasil Livre (MBL, que não foi citado nominalmente pelo artista) ao lado do veterano ativista Cláudio Prado, um dos ideólogos da Mídia Ninja. O cantor, que foi perseguido pela ditadura e precisou viver exilado em Londres no final dos anos 1960 e começo dos anos 1970, disse ver alguma semelhança entre grupos da nova direita e os movimentos ruidosos que representavam minorias no passado.

“Esse barulho feito pelos conservadores pode significar que eles estão se sentindo como os não conservadores se sentiam, ou seja, de alguma forma minoritárias. Eles não representam a parte silenciosa do conservadorismo natural das sociedades”, afirmou.

Caetano identificou na estridência desses grupos um aspecto que, do ponto de vista da esquerda, pode representar uma vantagem. “Isso, embora assuste, pode denotar alguma fragilidade”, disse ele.

De acordo com o compositor baiano, o protagonismo alcançado pela nova direita nos últimos anos é um avanço, pois deixam claras as posições ideológicas colocadas hoje na sociedade brasileira ao contrário de algum tempo atrás, quando uma “maioria silenciosa” dava sustentação velada ao sistema vigente.

“Estamos vivendo um período no mundo e no Brasil em que forças neoconservadoras estão explicitadas e se apresentando como grupos de atividade clara e definida. Isso não é ruim. Antigamente a direita americana usava a expressão maioria silenciosa que era aquela gente que não faz barulho, mas segura o aspecto conservador da sociedade. Hoje essas tendências conservadoras não estão silenciosas e é bom porque ficam claras as visões de mundo que estão espalhadas no seio das sociedades”, afirmou.

O tema do debate foi o livro Verdade Tropical, relançado 20 anos depois da edição original em versão revista e ampliada. Depois do evento Paula Lavigne, ex-mulher de Caetano, comandou uma reunião do grupo “342 Arte” que contou com a presença de artistas radicados em São Paulo além do deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ) e do líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos. O evento faz parte do calendário da Casa do Baixo Augusta, sede do bloco carnavalesco Acadêmicos do Baixo Augusta, o maior de São Paulo, inaugurada duas semanas atrás com o objetivo de ser um espaço para reflexão, difusão de conhecimento e debate para além das fronteiras do Carnaval.

Caetano também comentou os ataques feitos pelos grupos neoconservadores a exposições e outras atividades artísticas. Segundo ele, estas manifestações são uma “cortina de fumaça” usada para enganar uma parcela “inocente” da população e, de alguma forma, desmoralizar a classe artística.

“Tem gente que se utiliza disso (acusações de pedofilia) de uma maneira cínica porque sabem perfeitamente que não se trata disso e dizem que sim para assustar os inocentes. Então um número grande de pessoas inocentes possivelmente pode estar desconfiada dos artistas, o que é uma coisa já velha nas sociedades atrasadas. Uma cantora popular, uma atriz, quando eu era criança essas pessoas eram olhadas como merecendo pouco confiança moral”, disse ele.

Pouco antes, respondendo a uma colocação de Cláudio Prado, que sacou o celular do bolso e comparou o aparelho a um coquetel Molotov, Caetano fez uma revelação surpreendente para a plateia jovem e conectada que lotou a Casa do Baixo Augusta: “Eu nunca tive um telefone celular”.






Foto: Fernando Young




O GLOBO
25/10/2017




  












 

















O Estado de S.Paulo

Caetano: 'O que há é uma grande tensão na sociedade, sobretudo entre os jovens'
Prestes a fazer seus últimos shows da turnê com os filhos no Theatro Net, Caetano Veloso, 75 anos, acaba de relançar 'Verdade Tropical' 20 anos depois sob ataques de desafetos em um País dividido

Julio Maria
25 Outubro 2017


Aos 75 anos, Caetano Veloso está aberto para balanço em meio à turbulência dos tempos. Seu engajamento tem custado desafetos, como a acusação de prática de pedofilia feita por integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL) e pelo ator Alexandre Frota quando, aos 40 anos, conheceu Paula Lavigne, então com 13, sua atual mulher. Sobre esse assunto, Caetano não respondeu às perguntas enviadas posteriormente a essas abaixo, encaminhadas antes do caso acontecer. Mas não deixou de mencionar o assunto pedofilia quando falou das mudanças na Lei Rouanet pedidas pela bancada evangélica ao MinC: “Toda essa gente que mente cinicamente sobre exposições de arte usando a palavra ‘pedofilia’ para angariar adeptos entre os mais ingênuos, se esforça para encobrir o desejo de manter a opressão da maioria do povo brasileiro, que vive sob a mais pesada desigualdade econômica do mundo.”



Caetano em show no Theatro Net, em São Paulo - Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO



Ao mesmo tempo, Caetano segue na cidade com os três filhos, Zeca, Tom e Moreno, no Theatro Net, onde faz as últimas sessões neste final de semana do espetáculo Caetano Moreno Zeca Tom Veloso, com ingressos esgotados. E também republica o libro Verdade Tropical, lançado há 20 anos, com novas reflexões sobre as mudanças do País.

É um bom momento para sentir no palco o que chamam ‘gap geracional’. Tom tem 25 anos e Zeca tem 20. Você e sua geração brigavam por causas visíveis, ouviam músicas em LPs e sabiam qual caminho seguir para que as coisas dessem certo. E sobre eles? Não estão perdidos? Não estamos criando uma geração triste?

Sempre me sinto próximo de meus filhos. Tanto do que está na casa dos quarenta quanto dos que estão na dos vinte. Bem, todos ouvem mais LPs do que eu. Não os considero tristes de jeito nenhum. O mais novo é o mais alegre. Talvez por ser mais novo. Mas acho que é mesmo temperamento: ele sempre foi assim. Mas os outros dois não são tristes. Todos três têm entusiasmo. Vivem intensamente suas vidas e se entregam muito em suas criações musicais. Gosto de conversar com todos. Moreno narra e explica com muita propriedade. Zeca analisa. Tom faz sínteses. Cada um tem seu jeito de fazer os outros rirem. E as vozes se harmonizam, sem virtuosismo mas também sem artificialismos.

Seus meninos são também cristãos convictos, seguidores da Igreja Universal do Reino de Deus, mais um antagonismo à sua geração, de rompimentos religiosos e entendimento existencialista. Como prepará-los para que a entrega às doutrinas não cegue a capacidade da inteligência, não suprima os poderes da contestação?

Zeca e Tom são cristãos. Moreno é religioso de modo abrangente: é do candomblé, atrai-se pelo hinduísmo, é católico franciscano e, tão ligado a Santo Amaro, não pode deixar de ser mariano. Eu não sou religioso. Mas não tenho medo da religiosidade dos meus filhos. Temos sempre conversas muito claras. De minha parte, não vejo o crescimento das igrejas evangélicas no Brasil como algo negativo. Nunca vi assim. Há um preconceito pseudo-chique contra os evangélicos com o qual eu nunca me identifiquei. Antes de Zeca e Tom nascerem eu já via programas evangélicos na TV e pensava que aquilo ia crescer e que poderia ganhar importância na caminhada do país. Isso não quer dizer que eu respeite qualquer mau-caráter que pregue alguma forma de fundamentalismo ou que use a religiosidade para dominar mesquinhamente as pessoas e para agredir outros grupos. Uma das coisas que me atraem no pensador Roberto Mangabeira é sua visão realista do fenômeno neo-pentecostal.

Os homens políticos também são outros, e a tendência das novas gerações é a de que abandonem velhas causas pelo desânimo. O que sente dos garotos?

Há descrédito em relação aos políticos profissionais. Mas não uma indiferença pela política. A presença de jovens nas manifestações públicas é grande e constante. Os movimentos à direita que cresceram desde 2013 são exemplo disso. E eles produzem respostas. A polarização é o oposto de uma atitude apolítica. O que há é uma grande tensão na sociedade. Sobretudo entre os jovens. Meus três filhos estão atentos ao que se passa. Falamos sobre isso. E todos têm posições nítidas. Mas isso não é coisa para eu dizer. Se eles quiserem dizer qualquer coisa de público (o que não creio que seja o caso), eles que o façam.

O que o fez aceitar atualizar as memórias do libro Verdade Tropical 20 anos depois? Se quiser de fato deixá-lo atual, com o mundo em plena transformação como está hoje, esse será um trabalho eterno, não?

Sou maluco. Eu não apenas aceitei: eu induzi os editores a fazerem isso. Mas depois me enrolei todo. Escrevi uma nova introdução. Não é nada parecido com uma visão coerente do estado do mundo hoje. Nem dá conta dos caminhos que percorreram a música e a cultura brasileira ou mundial nesses vinte anos que separam o lançamento do livro e a atual edição comemorativa. É um apanhado (muito incompleto) de observações sobre o que já fora escrito na versão original do livro e uma exibição sem censura (para não dizer irresponsável) dos pensamentos que me vêm à cabeça hoje em dia. Nada disso tem pinta de eterno.

Falamos há pouco de Igreja e me ocorre do recente caso que tem antagonizado posturas no cenário político. Uma emenda proposta pela bancada evangélica pede ao MinC para barrar da Lei Rouanet projetos que vilipendiem símbolos ou dogmas religiosos. O MinC parece ter aceitado algo neste sentido, seja lá a interpretação que se dá ao pedido, embora diga que o texto da emenda só sairá no final do mês. E então, se isso passa, como fica?

Parece que o MinC entende que censura não pode haver. Toda essa gente que mente cinicamente sobre exposições de arte usando a palavra pedofilia para angariar adeptos entre os mais ingênuos, se esforça para encobrir o desejo de manter a opressão da maioria do povo brasileiro, que vive sob a mais pesada desigualdade econômica do mundo. Os malucos dos grupos conservadores que se organizaram à sombra das passeatas de 2013 sabem que não há casos de pedofilia onde eles dizem haver. Mas pode ser que ganhem dinheiro de grupos políticos para criar pautas que una as pessoas inocentes contra artistas e museus de modo que o que mais interessa – manter o poder econômico nas mãos dos muito poucos – permaneça intocado. Claro que não se pode admitir que obras sejam submetidas a censura prévia. Lutaremos quantas vezes forem precisas contra isso. Mas não esqueceremos que vencer a desigualdade campeã é primordial.

Seu show com os filhos vai virar disco? Ou você já tem o próximo álbum em andamento? Pode adiantar algo?

Ainda não decidimos nada a respeito. O material que temos pode dar um disco. Mas não fizemos planos. Pode ser que vamos para o estúdio ao fim da turnê, pode ser que gravemos shows e, caso o material me mostre de boa qualidade, lancemos de alguma forma essa gravação. Penso muito vagamente em fazer novo disco meu solo. No momento, estou inteiro com meus filhos.

E uma menina? Os politicamente corretos diriam que falta ao show uma mulher. Imaginou-se pai de mulher? Desejou isso algum dia? Como ela se chamaria?

Dedé e eu tivemos uma filha que nasceu prematura e morreu alguns dias depois. Ela se chamava Júlia. Antes de Moreno nascer fiz uma canção chamada Júlia/Moreno porque não sabíamos o sexo do nascituro naqueles tempos. Depois, com Paulinha, se tivesse vindo uma menina, o nome seria Clara. Júlia e Clara são nomes lindos e acontece de serem os nomes de minhas duas avós. Eu queria ter experimentado ser pai de uma menina. Mas como só ficaram os homens, me alegro com isso. A gente ama tanto os filhos que aprova o sexo em que eles nascem, o gênero que recebem ou escolhem, a cor e a textura de seus cabelos, tudo.

Filhos músicos te fazem mais feliz ou mais preocupado?

Filhos, músicos ou não, dão muita felicidade e muita preocupação. A meu ver, a felicidade vence.





Folha de S.Paulo
Ilustrada

No momento, esperanças são menores do que preocupações, afirma Caetano
O músico Caetano Veloso - Foto: Fernando Young / Divulgação

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
DE SÃO PAULO
29/10/2017 

Caetano Veloso está de volta à cena. Coloca nas livrarias uma nova edição de "Verdade Tropical" (Companhia das Letras, R$ 69,90, 512 págs.), lançado em 1997, e se apresenta em turnê em companhia dos filhos, Moreno, Zeca e Tom.

Mas não é só: o compositor tem participado de campanhas nas redes sociais e recentemente reagiu às investidas de grupos ultraconservadores contra exposições de arte e museus, o que lhe rendeu bombardeio cerrado de críticos e adversários.

Caetano, 75, está acostumado a ser alvo de ataques.


Foi vaiado por estudantes de esquerda em 1968, mesmo ano em que um juiz indignou-se com a presença da bandeira "Seja Marginal, Seja Herói", do artista Hélio Oiticica, na boate Sucata, em São Paulo, onde ele se apresentava com os Mutantes. A reação moralista terminou com a suspensão do show, o fechamento da boate e, a seguir, com a prisão e o exílio, ao lado de Gilberto Gil.

Com Gilberto Gil no fim dos anos 1960 - Foto: Reprodução

Na entrevista que se segue, ele comenta o livro, o show e a situação política do Brasil.

Diz que tudo lhe parece "muito complexo" e afirma que "no momento as preocupações são maiores do que as esperanças". Sem jamais ter sido petista, diz que viu na deflagração da Operação Lava Jato "muita cara de neolacerdismo" e uma tentativa de "desfazer o PT". Fala sobre a nova direita em cena, sobre os riscos de uma polarização eleitoral com o deputado Jair Bolsonaro, e declara apoio ao pré-candidato Ciro Gomes (PDT).

Folha - É evidente o fascínio de Roberto Schwarz, um crítico marxista, por "Verdade Tropical". Mas, num artigo em que ele elogia o livro, faz também restrições a atitudes político-ideológicas suas que deplora e até ridiculariza. Como você assimilou esse texto?

Caetano Veloso - Como conto na nova introdução ao livro, o interesse literário de Schwarz me envaidece. O julgamento político-ideológico me desagrada intelectual e pessoalmente. Acho que ele até valoriza muito mais o livro literariamente do que o fazem outros intelectuais menos presos ao marxismo. Mas a superioridade que ele vê nos capítulos iniciais sobre os seguintes não faz sentido para mim – exceto o de que ele acha tudo bom quando parece que o narrador aprova a ingenuidade política do garoto que, embora não se deixasse levar por uma ligação automática com a esquerda, sentia-se animado com os projetos de reforma anunciados com ameaça de revolução.

Bem, até hoje eu acho que deveríamos ter feito uma reforma agrária e não imagino que fosse me arrepender de aplicar o método Paulo Freire nas escolas do interior. Mas nossa história foi outra. E, acompanhando-a, aprendi que as revoluções comunistas davam em tiranias. Assim, a má vontade de Schwarz com o capítulo da prisão é igual à atitude de Augusto Boal contra o tropicalismo. Ele cai na esquerda convencional e fica parecendo que não sabe ler.

Você tinha um capítulo que ficou fora de "Verdade Tropical" que seria sobre sexo. Por que foi excluído?

Escrevi um texto bastante longo que seria um capítulo chamado "Sexos". Ele não caberia em "Verdade Tropical". As observações essenciais estão no corpo do livro original. As anedotas e divagações, não. A Companhia das Letras propôs que publicássemos o capítulo, mesmo que lá estejam repetidas as conclusões mais significativas que já são parte do livro. Até mesmo alguns parágrafos inteiros. Seria curioso. E talvez agradável, já que a escrita é boa. Naquela época eu escrevia com muita vivacidade –e o assunto é meu favorito. Mas há razões pessoais para que eu evite mexer com coisas que podem cair mal sobre certas pessoas que, mesmo quando não nomeadas, se reconheceriam de um modo que me levaria a sentir-me mal.

Você visitou a mostra de Hélio Oiticica no Whitney, em Nova York, que é mais um reconhecimento da potência cultural de sua geração. O tropicalismo é hoje referência em círculos internacionais sofisticados. Um olhar em retrospectiva não deixa dúvida de que estávamos não apenas em sintonia com o que acontecia no mundo nos anos 1960/1970, mas em alguns casos na vanguarda mesmo. De onde vem essa força?

É uma força estranha do Brasil. A exposição de Hélio no Whitney –assim como a de Lygia Pape no Metropolitan– é uma mostra disso. Esses artistas estavam na vanguarda mundial. É incrível pensar que a arte brasileira esteja sofrendo, no Brasil, ataques malucos.

A exposição de Lygia Clark no MoMA, antes da de Hélio e da de Lygia Pape –e também a inspirada na obra crítica de Mário Pedrosa, no Reina Sofía de Madri– são eventos que devem nos lembrar de que temos responsabilidades grandes. A força da expressão latino-americana vem crescendo no mundo. E a coisa brasileira tem história peculiar: fomos para o abstracionismo geométrico de um jeito que não acompanhou a inclinação surrealista de alguns países de língua espanhola.

A arte concreta brasileira, a poesia concreta e o neoconcretismo carioca (principalmente quando ele sai do quadro e vira ambiente, roupa, evento) são experiências radicais que colocam o Brasil em lugar especial. Eu, pessoalmente, me sinto enormemente orgulhoso de estar perto de todos esses acontecimentos que fazem o Brasil ser reconhecido como um lugar de forte experimentação.

Sou um cantor popular que sem dúvida ocupou áreas restritas no pensamento de Clark, Rubens Gerchman ou Oiticica, mas me emociono com a "Lindoneia" em Madri, com as referências a coisas minhas em Nova York, com o fato de ter feito, em forma de samba-de-roda, uma canção sobre Lygia Clark enquanto ela estava viva. Muito mais gente está muito mais perto disso tudo do que eu. Consciente ou inconscientemente. O Brasil não pode querer tapar o próprio sol com uma peneira rasgada.

Você sempre insistiu na tese, até certo ponto voluntarista, de que o Brasil tem a possibilidade oferecer ao mundo uma contribuição civilizatória original. Como você colocaria essa questão à luz dessa crise de grandes proporções que estamos vivendo?

No momento as preocupações são maiores do que as esperanças. O fato é que não basta o Brasil ser original: tem de funcionar. Já temos alguma experiência disso. Por episódicas que sejam. Precisamos criar condições para que a energia criativa do povo brasileiro encontre seu leito e o ritmo de sua correnteza. Uma crise pode ser uma oportunidade. Gostaria que mais gente que pensa e escreve captasse melhor as sugestões de Roberto Mangabeira Unger. Mas li, não faz muito, de um colunista da Folha que tem nome de rua do Rio [Bernardo Mello Franco], que a melhor coisa que Mangabeira fez foi deixar o ministerio e que só quem dava importância a ele era o cantor Caetano Veloso.

O Brasil deveria poder criar algo novo. Eu pagaria para ver o que Mangabeira considera um modelo de país justo e original que não seja nem uma Suécia tropical nem uma China com menos gente. Vivemos a desilusão com o socialismo real e devemos saber viver a desilusão com o liberalismo real. Sem perder o sentido essencial desses projetos. A China é um desafio ao modelo liberal-democrata. E as democracias liberais estão se corroendo por dentro. Mas os princípios liberais e socialistas, que são, para Mangabeira, a face profana do cristianismo, têm valor intrínseco para mim.

Você tem mostrado a cara para protestar e tem participado de discussões sobre nosso futuro político. Como você vê a deposição da presidente Dilma, os desdobramentos que se seguiram e as perspectivas para 2018? Com quem você está?

Tudo me parece muito complexo. Eu não era fã de Dilma como política. Ela mostrou não ter muito talento para essa atividade. Nunca fui petista. Lula é uma grande figura histórica, aconteça o que acontecer com ele. Sinceramente, achei o período de Palocci com Lula o melhor do PT no poder, mas não me surpreenderam as revelações de corrupção. Talvez pela própria pinta de Palocci.

Mas a Lava Jato tinha muita cara de neolacerdismo. A desconfiança de que tudo era para desfazer o PT estava tanto entre esquerdistas que, com razão, pensam que o nosso primeiro problema é a desigualdade campeã, quanto entre figuras como Romero Jucá, Aécio Neves ou o próprio Temer, que querem levar vantagem e mover-se de modo a não atrapalhar a manutenção dessa desigualdade. Ou seja, os esquerdistas temiam que a força-tarefa fosse apenas uma trama para destruir Lula e o PT, e os conservadores corruptos esperavam exatamente isso dela. O comentário de Jucá querendo acelerar o processo de "estancar a sangria" é prova disso.



Em palanque com Lula, na campanha presidencial de 1989
Foto: Niels Andreas - 1º jan. 1989 / Folhapress


Você desde o início foi contra o impeachment?

Fui contra o impeachment. Eu estava em São Paulo, no hotel Emiliano, quando o telefonema de Dilma, aquele do "Bessias", era divulgado pelo "Jornal Nacional". Eu tinha saído pra comprar alguma coisa na farmácia e, ao voltar, vi as ruas cheias de gente gritando. Perguntei aos porteiros do hotel o que era aquilo e eles logo me disseram exatamente do que se tratava. Vi essa gente festejando a futura queda de Dilma e me senti tão estranho a essa turba quanto às marchadeiras de 1964.

Acho até hoje feio que o juiz Moro tenha divulgado o telefonema irregularmente. O Power Point que tinha Lula no centro, apresentado pelos procuradores de Curitiba, também me pareceu suspeito. A novidade de ver empresários e políticos graúdos sendo presos não pode deixar de ter impacto sobre nós, sobre mim. Por outro lado, os discursos dos parlamentares no dia do impeachment mostraram um Brasil retrógrado e, como é o caso da homenagem de Bolsonaro ao torturador Ustra, um Brasil ameaçador das liberdades democráticas.

O impeachment seguiu ritos, mas via-se que os princípios constitucionais estavam sendo interpretados com muita folga, que a sensação de insegurança tendia a crescer. Mas o mais chocante é que um punhado de bandidos que estão sob acusações mais fortes (e com provas mais contundentes) do que as enfrentadas por Dilma mantêm-se no poder, seja como presidente da República, seja como ministros seus, seja como legisladores.

Hoje me pergunto por que Delfim Neto, que foi entusiasta do AI-5, só agora escreve contra a judicialização da política e a politização da Justiça. É fascinante que ele ressalte a importância das casas legislativas acima do Judiciário como defesa contra a "ditadura das minorias": o Judiciário, por não depender de voto popular, pode defender as minorias contra a ditadura da maioria. Por que Delfim frisa exatamente a força oposta neste momento? O timing diz muito.

E com quem você está?

Eu, inclusive porque quero compensar o nítido boicote que os grandes jornais fazem a seu nome, estou com Ciro Gomes. A imprensa nunca lembra que ele é dos pré-candidatos mais assumidos e que ele tem explicitado, em palestras cujos vídeos saem na internet, um projeto para o Brasil. Desde que o conheci, garoto, prefeito de Fortaleza, achei que ali nascia um grande quadro político. Depois, foi meu candidato à Presidência.

Embora eu ame Marina, sua figura, sua história, e me sinta esmagado pela imensidão do problema ambiental (que ela toma para si e Ciro parece desprezar), fico com Ciro, que é a figura de político que crê na política, que apresenta planos claros para o país e que poderá fazê-lo forte, inclusive para combater a destruição do meio ambiente.

Para quem fala em timing, sei que sou incoerente aqui: a ameaça ecológica é urgente e eu falo em Ciro fortificar o país para poder, depois, lutar contra o desmatamento e o aquecimento global. Mas a causa ambiental é alimentada por visões apocalípticas e fantasias (fecundas) de recriação de cosmovisões contrastantes com a história moderna e, portanto, com a política democrática. Para mim não é um tema fácil. Mas teremos uma eleição dentro de um ano e será melhor injetar saúde na nossa vida política do que deixar que a antipolítica possibilite uma situação opressiva.

Como você vê a persistência do prestígio de Lula? Uma polarização entre Lula e Bolsonaro não parece possível?

Acho natural a persistência do prestígio de Lula. Com o histórico pessoal, com os conseguimentos do seu período de governo (que lançou o Bolsa Família e elevou o salário mínimo, estimulando o consumo e mudando a aparência da sociedade brasileira), com seu talento para falar às multidões, seria absurdo que ele não tivesse a força popular que tem. Pode até ser que uma prisão de Lula tenha uma percentagem do efeito morte de Getúlio.

A polarização Lula versus Bolsonaro está no ar. Mas seria melhor que essa cena não dominasse a eleição. As forças conservadoras perceberam que já não podem mais ser a "maioria silenciosa". Temas como a luta contra a desigualdade, os avanços sociais, como união estável de casais homoeróticos, reconhecimento do racismo estrutural da sociedade brasileira, defesa dos direitos da mulher, com atenção para a mais abrangente possível descriminalização do aborto, enfim, assuntos que eram bandeiras da contracultura dos anos 1960, ganharam força (inclusive conquistando as esquerdas, que tinham esses temas como desvios pequeno-burgueses) e a direita não pode mais ficar calada.

Será que a ameaça de uma "ditadura das minorias" aventada por Delfim seria uma referência a isso? A possibilidade de um segundo turno com Bolsonaro é alta. Temos de estruturar uma comunicação que defenda o voto político, sem deixar que os pseudo "não políticos" abram alas para os tiranos.

Há uma nova direita em cena, intelectual, mas truculenta. Como você vê esse cenário?

Claro que há uma nova direita intelectual e truculenta: o passeio de Bolsonaro pelos EUA orquestrado por Olavo de Carvalho é caso emblemático.

Como nasceu a ideia de fazer um show com seus três filhos?

Para mim, é um velho sonho. Faz anos, fiz um show com Moreno (numa série chamada "Pais e filhos", no Sesc) e adorei. À medida que Zeca e Tom foram crescendo e se inclinando para a música, comecei a ter vontade de fazer um espetáculo com eles todos.


Caetano Veloso e seus filhos fazem show no Rio de Janeiro
Foto: Marco Aurélio Canônico / Folhapress


Na verdade, no disco "Recanto", que produzi para Gal, "Neguinho" deveria estar creditada também a Zeca, não só a mim: ele fez a programação da base em cima da qual fiz letra e melodia.

Moreno já tem um repertório conhecido e amado. Há cerca de dois anos Tom uniu-se a amigos supermúsicos que criaram a Dônica. No começo não quis propor uma coisa que o desconcentrasse ou afastasse desse projeto. Moreno estava (e sempre está) muito atarefado. E Zeca dizia não querer encarar a atividade de músico. Fiquei quieto. Quando esses embargos foram cedendo, fiz a proposta.

Você disse uma vez que o Jaques Morelembaum o ajudou a perder o medo da música. Nesse show vocês dispensam apoio de músicos profissionais. Pode falar um pouco dessa sua relação com a música?

Cresceu a partir da banda de "Transa". Ficou mais relax com A Outra Banda da Terra. Com Jaquinho ganhou dimensão inesperada: ele é músico de muito alto nível para ter dado tanta atenção a todos os meus esboços de ideias musicais. Por causa dele, de fato, perdi grande parte do meu medo da música.

Por isso com a bandaCê já comecei levando as canções com formato de arranjo estruturado. Mas sempre realisticamente modesto em relação a minhas capacidades. Quando pensei em fazer show com meus filhos, imaginei que chamaríamos uma banda de amigos instrumentistas. Mas percebi que podíamos estar só nós, quebrando todos os galhos. O resultado é mais vulnerável, quase frágil demais, mas tem um espírito único.

No disco "Araçá Azul" (1973) você gravou uma música em que diz ser "um mulato nato do litoral". Também escreveu e fez canções sobre a questão racial. Como você vê esse debate hoje no Brasil?

Gosto de me saber mulato. Não gosto que desqualifiquem a palavra. A experiência americana de ativismo político racial nos tem sido muito útil. Mas nunca achei que devêssemos nos ater a ela. Quando leio V. S. Naipaul sobre a Martinica, que ele compara negativamente ao Caribe de língua inglesa, de onde ele provém, sinto que o que se vê no Brasil, o que eu vi e vejo em Santo Amaro, tem muito a ensinar ao mundo a esse respeito.

Ou seja, acho que Naipaul sempre achará superioridade no multiculturalismo liberal anglófono e sempre achará meios de dizer que o jeito francês ou espanhol –e, claro, principalmente o português– é pior do que tudo. Devemos ser mais duros com as supostas belezas de nossa situação do que Paul Beatty [autor de "O Vendido"] é com os EUA pós-conquistas dos direitos civis. Mas do nosso jeito, assumindo responsabilidade pelo que historicamente temos feito. Há coisas no livro de Antônio Risério sobre raça no Brasil que iluminam detalhes do que Lázaro Ramos conta em suas memórias.

Sei que muitos ativistas recusarão esta afirmação. Talvez principalmente os americanos que ficam aqui, mesmo que com a melhor das intenções, ensinando que o racismo deles é melhor do que o nosso. Nenhum racismo é melhor.







Caetano Veloso foi fotografado por Fernando Young para a nova edição do livro Verdade Tropical, ao som de JUÍZO FINAL (Nelson Cavaquinho/Élcio Soares), samba de 1973.


O sol... há de brilhar mais uma vez
A luz... há de chegar aos corações
Do mal... será queimada a semente

O amor... será eterno novamente
É o Juízo Final, a história do bem e do mal
Quero ter olhos pra ver, a maldade desaparecer
















Fotos: Fernando Young









Página/12

RADAR

05 de noviembre de 2017

Algunos fragmentos del extenso capítulo inicial que Caetano Veloso agregó en la flamante reedición de sus memorias, aún sin traducción en castellano.

Posverdad tropical

Por Caetano Veloso




El autor leyendo la flamante edición conmemorativa 20 años de su libro. En la nueva tapa, una foto suya de 1968, luciendo el Parangolé P4 Capa 1, 1964, de Helio Oiticica. 


LA VERDAD DEL REGRESO
Volví de mi exilio porque Joao Gilberto me llamó. Creo en Joao de una manera sobrenatural. Mi amiga Barbara Browning, profesora de la Universidad de Nueva York creó, ya en los años 90, un culto dedicado a Joao Gilberto, el divino. Yo lo creé en 1959. Cada vez que leo las quejas del crítico marxista brasileño Roberto Schwartz contra la superstición, recuerdo al psicoanalista Rubens Molina, con quien tuve la mas espontánea y profunda sintonía analítica. Yo le contaba detalles sobre mis vicios mentales (esos de los que hablo en el capítulo sobre la prisión) y él, después de escucharme durante bastante tiempo, dijo: “Superstición es mejor que religión”. No es una frase teórica. Y no es un contrapunto a la afirmación de Levi-Strauss de que los hombres crearon las grandes religiones para liberarse de las supersticiones. O el otro argumento de Olavo de Carvalho al defender la religión ante sus detractores con la afirmación de que quien no tiene religión (o reniega de aquella en la que se crió) deviene preso de supersticiones. No. Era psicoanálisis. En aquel momento, Rubens estaba diciendo todo eso sólo para mi. Podría haberme servido –y me sirvió– para dar cada vez menos peso a los rituales supersticiosos, lo que gradualmente me llevaría a prescindir de ellos. Sin dejar, claro está, de insinuar que la religión es una locura mayor, formateada y compartimentada. En este caso, lo que escuché en el diván resurge apropiadamente: vine a Brasil porque creía supersticiosamente en Joao Gilberto. Y, al sugerir en su crítica de Verdad Tropical que oculto posibles transacciones oscuras que propiciaron ese regreso, Roberto Schwartz me calumnia veladamente porque está preso de la gran religión marxista. En ese momento, él está mas ciego que yo. No hice ningún arreglo con quien quiera que sea para regresar de manera definitiva del exilio. Apenas llegué a Londres, en 1969, Chico Anysio me escribió una carta ofreciendo ayuda para regresar. Sabía de mi tristeza desesperada y decía tener diálogo con personas que podrían resolverlo. Respondí de hecho que estaba muy mal fuera de Brasil, y agradecí la oferta. Pero la rechacé: le dije que no quería nada de los militares que me encarcelaron y cuya política odiaba. Cuando Bethania me dijo que iba a intentar conseguir que viniera para el aniversario del casamiento de mis padres, en 1971, acepté porque era ella. (Bethania también tiene eso que veo en Joao Gilberto: Chico Buarque siempre dice que “a Bethania y a Milton les obedecemos”). Sólo después supe que Bethania hizo algunos arreglos con Benil Santos, que era su representante. Ella me decía que era inaceptable mi ausencia en la misa para nuestros padres. Que ellos se sentirían muy mal si yo fuese el único hijo ausente. Vine. Y fue un terror: preso en la escala del avión, llevado a un departamento en la Presidente Vargas para seis horas de interrogatorio y amenazas, transportado en un celular a la casa de Bethania, con órdenes de ir directo a Salvador, de donde no podría salir, con prohibición de cortarme el pelo y afeitarme la barba, permanentemente seguido por dos agentes de la Policía Federal, prohibido de dar entrevistas excepto por escrito y revisadas por esos agentes, obligado a hacer dos programas en la Globo “para que todo parezca normal”. ¿Será que Benil ganaba algo con eso? Me duele pensar que fuera así: es un colega compositor y me caía bien. Lo que describe el historiador Elio Gaspari sobre el mundo de corrupción que era la dictadura militar me lleva a creer en esa posibilidad (tengo pena por esos pobres diablos que salen a las calles a pedir el regreso de la dictadura contra la corrupción: Lula y Dilma fueron los únicos que en mucho tiempo dejaron trabajar al Ministerio Público y a la Policía Federal en paz). Benil asesoraba también a Chico Alysio, o por lo menos eso fue lo que entendí (inclusive años después, cuando Chico, medio mamado, dijo en televisión que yo era un ingrato, que él y Benil me habían traído del exilio y producido mi show en el Canecao –cosa que no sucedió en ese viaje– y que ahora yo cantaba “Debaixo dos caracóis” agradeciendo a Roberto Carlos...). Cuando volví fue porque Joao me aseguró que todo sería lindo, que nadie me trataría mal, que en el aeropuerto sólo encontraría sonrisas. ¿Demasiado kitsch para Schwartz? Dedé y yo quedamos impresionados con la precisión de esas predicciones. Pero vine con miedo. Arreglamos un encuentro con Violeta Arraes para tener por lo menos un cuadro más realista. Violeta nos dijo que había hablado con Luis Carlos Barreto, que le dijo que todo podría salir bien. Hoy Jorge Mautner me dice que Violeta, mucho antes, en nuestro verano en Cataluña, le pidió que nos disuadiera de volver, aun cuando eso fuese posible, porque permanecer exiliados “dramatizaría la dictadura”. Si volviésemos, cierta forma de resistencia se perdería. Pero ni él ni ella nos dijeron nada de eso en esa época. Tengo la certeza de que no hubiese venido si hubiese sabido de cualquier interés de los militares en vernos aquí. Vi todo como parte del arbitrio ilógico de la dictadura, sobre lo cual cuento todo en el capítulo de la prisión. Estas son todas las entrañas íntimas de mi regreso para cantar con Joao y Gal, que determinó mi decisión de regresar definitivamente. Una vez aquí, nunca me vino a buscar ninguna autoridad, por mínima que fuese. Con la excepción del agente de la censura que quiso prohibir mi show de regreso por culpa de la palabra “reggae”: los que cortaron –en la canción ya grabada por Bethania– versos de “Negror dos tempos”, así como la palabra bofes en “Deus e o diablo” lo hicieron sin necesidad de informármelo personalmente. 

EL BUEN CAMINO
Mi ciudad de Santo Amaro da Purificacao (que, en un texto semipoético de los años 60 deformé en “Santo Amargo da Putrificacao”) es tal vez la mas contaminada del mundo por residuos de mercurio, horror que se debe a la instalación de una fábrica de plomo, una conquista del estado de Bahía para industrializar nuestro Municipio. Cuando leí en un libro de divulgación científica llamado Breve historia de casi todo, de Bill Bryson, que el plomo fue utilizado para mejorar la potencia de la nafta por un empresario norteamericano que murió por las consecuencias de su invento en su propio organismo pero que, aún sabiendo de los males que causaba ese descubrimiento, insistió en seguir enriqueciéndose con el agregado de plomo, pensé que toda la energía que yo invierto en componer y cantar, viajar y tocar en vivo, debería haberla empleado en luchar contra ese estado de cosas en mi propia ciudad: imaginé una acción propiamente política en el ámbito municipal. Estaba de viaje por Europa cuando escuché sobre eso por primera vez. Fue Violeta Arraes la que me alertó. Al regresar al Brasil, la única cosa que hice al respecto fue un samba. “Purificar o Subaé” es el título que le puse (y que constituye su estribillo). Fue larga la lucha legislativa en los Estados Unidos para prohibir el plomo en la nafta. En países como Brasil todavía se admite un porcentaje de plomo equivalente a la que fue estipulada allá como límite, antes de la prohibición total. 
Tengo 75 años. No veo cómo podría volver a vivir en Santo Amaro sólo para luchar por la limpieza de la tierra y por el castigo a los responsables. Podría haber vivido una vida mas centrada en algo objetivo. Pero me vuelvo loco por las canciones. Mientras escribo, Brasil está en perpetua convulsión y hay demasiadas cosas sugiriendo que no hay motivos para ser optimistas. Para curar los momentos de amargura, recuerdo una frase de Fernando Pessoa citada por Eduardo Gianetti: “Nos extraviamos a tal punto, que debemos estar por el buen camino”. 
En los últimos tiempos, mi inclinación hacia la izquierda se vio obligada a explicitarse, dada la intensidad con la que las fuerzas conservadoras se levantaron en Brasil. Para mucha gente eso fue un combustible para la polarización y el regreso de las clasificaciones y descalificaciones fáciles. En mi caso, el desprecio por la aristocracia boba de los izquierdistas no justifica una adhesión a los planes siniestros de la derecha. 

UN DISCO CASI PERFECTO
Fina estampa es tal vez el único de mis discos que me gusta escuchar. Nunca lo pongo en el tocadiscos, pero si alguien lo hace, me sorprendo con “Recuerdos de Ypacaraí” y “María Bonita”. Y me gusta casi todo lo que escucho. Los arreglos de Jacques Morelenbaum son de lo más inspirados. Pero en la canción del título, el deslumbrante vals de Chabuca Granda (uno de mis mayores amores latinoamericanos), me equivoco en la letra. Y Jaquinho, que aprendió la canción a través de una grabación de María Dolores Pradera, repitió la introducción creada para esa versión, creyendo que se trataba de la versión de la autora. Pero, en su mayor parte, Fina estampa es casi pura belleza.

SABER SAMBAR
Cuando escribí este libro, pensé en llamarlo Boleros y civilización, un viejo juego de palabras mío de 1968 (que hubiese aparecido en la contratapa de un disco que no hice porque la prisión interrumpió mis planes de composición), como un guiño al famosísimo titulo Eros y civilización, de Marcuse. Pero el editor norteamericano me dijo que en Estados Unidos nadie pensaba en Marcuse. Otro título que imaginé fue Meu tropo. Recientemente encontré, en Google, referencias a un libro de epistemología titulado Tropical Truth(s). Es un estudio sobre tropos, las figuras del lenguaje, en su relación con la verdad. Así que mi libro, finalmente bautizado a partir del bolero “Vereda tropical”, es mi tropo, mi monstruosa metáfora (¿o metonimia?), al adjetivar su propia verdad. Cuando salió, edité un disco del que gusto más críticamente que de Fina estampa, aunque lo encuentro mucho menos agradable de escuchar: lo bauticé Livro. Hice muchos otros discos y shows en los años que siguieron a los que cuento en Verdad tropical. Escribir sobre eso sería como hacer otro libro. Puedo apenas decir algo que debe, en este último párrafo, orientar a quien me lea. Un ejemplo de mi juicio, de mi proceso de concientización y de cómo soy estimulado –lo que explica toda mi política y mi profecía– es este: hace pocos días vi a Marisa Monte cantando acompañada por Paulinho da Viola, Pretinho da Serrinha, Dadi y otros músicos. En un momento, ella ensayó unos pasos de samba. Ella sabe sambar. Roberta Sá, cantante más joven que ella, sabe sambar. Carmen Miranda no sabía sambar. Hasta donde yo se, tampoco lo sabía Aracy de Almeida, a la que Noel Rosa prefería a Carmen, que fue bautizada como “el samba en persona”. Ni Linda Batista. Ni Dalva de Oliveira. O Angela María. Parece que la primera cantante profesional de samba, estrella de la industria cultural, en saber sambar fue Elza Soares. Hoy, muchas chicas de clase media, actrices de cine y televisión, negras, mulatas o blancas, saben el paso básico del samba carioca. Carmen Miranda no lo sabía. En el palco de Radio Nacional, vi a Jorge Veiga esbozar pasos de escola do samba. Los cantantes del grupo Fundo do Quintal, de los años 90, son bailarines refinados de samba. Pero la costumbre de que las personas de clase media aprendan a bailar samba comenzó a mediados de los años 60, con la moda del samba de morro (iniciada por Nara Leao) y el restaurante Zicartola, en el que el compositor Cartola presentaba otros sambistas. Helio Oiticica, en ese período, se hizo pasista de Mangueira. Las generaciones que vinieron después aprendieron a sambar. Yo sé sambar, desde chico, en el estilo Reconcavo Bahiano. Bethania y Gal aprendieron algo de eso. El samba volvió a las calles de Salvador al comienzo de los 90, con el grupo Gera Samba, que se convirtió en E o Tchan. Antes, estaba restringido a las casas de camdomblé. Las cantantes de samba carioca comenzaron a sambar a partir de fines de los años 60. Carmen Miranda no sabía sambar. Eso, para mí, marca un cambio profundo en la historia de nuestra cultura popular.




7/12/2017


Debate no Instituto Moreira Salles (IMS) - Rio de Janeiro

Coordenado por Eucanaã Ferraz



Fotos: Facebook - Uns




Eucanaã Ferraz, Caetano Veloso e Rafael Julião


Tatiana Bacal, Fred Coelho, Paulo Da Costa Silva, Eucanaã Ferraz, Caetano Veloso, Rafael Julião,  Francisco Bosco e Antonio Cicero



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