miércoles, 24 de agosto de 2016

2011 - TROPICÁLIA - UM CALDEIRÃO CULTURAL



Escrita por Getúlio Mac Cord, a obra que explica o surgimento do movimento e o desmembramento de seus personagens tem orelha escrita pelo músico Jards Macalé e prefácio de Tom Zé com capa do ilustrador Elifas Andreato



MAC CORD, Getúlio. Tropicália: um caldeirão cultural. Rio de Janeiro: Ed. Ferreira, 2011. 



O TEMPO
21/10/2011

Entrevista
DANIEL BARBOSA

A Tropicália por seus agentes



A paixão pela música e pela cultura brasileiras levou o engenheiro Getúlio Mac Cord a dedicar 30 anos de sua vida a uma pesquisa sobre o movimento que sacudiu o país no fim dos anos 1960. Os muitos depoimentos que colheu foram reunidos em livro. Nesta entrevista, o autor adianta um pouco do conteúdo da publicação, cujo lançamento em BH acontece no dia 4/11/2011.

Getúlio Mac Cord
Escritor e pesquisador
"Tropicália - Um Caldeirão Cultural" é resultado do trabalho de uma vida, certo? Esse livro sintetiza 30 anos de pesquisa?
Quando eu tinha 17 anos, fiz a primeira entrevista com o Paulinho da Viola. Eu sabia que ele morava num lugar chamado Solar da Fossa ou Solar Santa Terezinha, na entrada de Copacabana - como era muito barato, os artistas descobriram e começaram a ir morar lá. O Paulinho morou num quarto em frente ao do Caetano. Eu queria saber como era o então bancário Paulinho da Viola querendo ser sambista e como era o atrevido Caetano querendo fazer uma revolução na música brasileira. A minha história é esta: a de um menino de 17 anos que queria descobrir o Brasil. E como a Tropicália envolvia muita coisa, muitas linguagens, achei nela um canal acertado para isso. Descobri um Brasil de vanguarda, que dá certo.

Quando surgiu a ideia de escrever um livro sobre o assunto?
Eu já tinha a intenção de fazer um livro desde a primeira entrevista. Fui colhendo depoimentos, mas de uma maneira aleatória. Eu não tinha estrutura, tinha que ir cavando as entrevistas sem o respaldo de nenhuma mídia.

Como você chegou aos personagens que poderiam falar sobre a Tropicália?
Se existe um interesse, você tem que estar munido para falar a mesma língua do entrevistado. Fui caminhando nesse sentido. O saudoso poeta Haroldo de Campos, por exemplo, foi dar uma palestra na UFRJ. Fui lá, falei da pesquisa que estava fazendo e perguntei se a gente poderia ter uma conversa. Como foi produtiva, por meio dele cheguei ao Décio Pignatari. Fui fazendo essas pontes. Conversando com um e com outro, fui ganhando credibilidade para chegar a vários.

Há algum depoimento que tenha sido particularmente revelador para você ou que, por algum motivo, pode ser considerado especial?
Olha, um dos meus entrevistados que revelou mais coisas - e que permanece desconhecida, porque se exilou na época da ditadura -, foi o Kléber Santos, o cara que dirigiu o Teatro Jovem, que não existe mais no Rio de Janeiro. Era uma das trincheiras da esquerda no Rio, e foi onde aconteceu o Rosa de Ouro, um dos shows mais importantes da história da MPB, que revelou Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Clementina de Jesus e Nelson Sargento. O Kléber era um dos diretores desse espetáculo. E os baianos também se apresentaram muito por lá. O olhar do Kléber partia dos bastidores, vendo aqueles meninos começando e sentindo que eles iam propor um outro caminho. Outro depoimento de peso foi o do saudoso empresário Guilherme Araújo, que trabalhou com todos os baianos na época e já tinha experiência com os artistas da Bossa Nova.

Imagino que nem todo mundo que você ouviu foi simpático à Tropicália. Quais são as vozes dissonantes, que mais criticam do que aplaudem?
Entrevistei o José Ramos Tinhorão, que sempre foi um crítico ferrenho da Bossa Nova e da Tropicália. Ele é um cara extraordinariamente aprofundado em tudo, sabia de coisas que poucas pessoas me disseram, como, por exemplo, a questão do envolvimento de empresas multinacionais e do patrocínio para os artistas da Tropicália. A Rhodia, por exemplo, fazia megaeventos, e contratava os tropicalistas para participar. Teve o "Momento 1968", em plena ditadura, que se inseriu nesse contexto. Entrevistei outra pessoa que já se foi e que trabalhava justamente com o pessoal da Rhodia, o Cyro Del Nero. Ele mexia com cenografia, trabalhou na TV Excelsior, na Globo, e é outra pessoa especial, que infelizmente não está mais aqui para eu agradecer.

O livro faz um paralelo entre a Tropicália, a Semana de 1922 e o movimento antropofágico. Quais são os principais pontos de convergência entre eles?
Há um depoimento em que o Caetano diz que, se fosse para resumir a Tropicália numa palavra só, seria "Oswald". Desde o início, meu clique para fazer esse livro era procurar ver pelo lado antropofágico da coisa, no sentido de que, devorando várias coisas, várias referências, a Tropicália se fez.

Você acha que a música acabou se tornando o principal emblema - ou pelo menos o mais visível - da Tropicália?
A música é uma arte muito popular e, naquele momento, os shows de MPB enchiam ginásios. Mas o teatro seguia ali, em paralelo. Zé Celso, que é outro entrevistado, fez uma revolução resgatando, por exemplo, "O Rei da Vela", mas sob um prisma completamente original. Se você vai para o cinema e pega "Terra em Transe", do Glauber, é a mesma coisa, o cara explorando aquela linguagem do Brasil de uma grandeza sensacional. Glauber com "Terra em Transe", Zé Celso com "O Rei da Vela" e mesmo Chico Buarque, com "Roda Viva", são emblemas. O Chico, como músico, ficou de fora da Tropicália, mas eu sempre disse que ele era, sim, da Tropicália. Chico e os baianos já eram amigos desde antes da Tropicália e quando ele os viu se lançando naquele movimento, perguntou:
O que é isso? Em determinado momento, foi cada um para seu lado. Quando Chico reviu os tropicalistas, levou um susto. Para o público, tinha uma coisa meio Emilinha Borba e Marlene - ou era a turma do Chico ou o pessoal do Caetano. Tem aí outra relação com os modernistas. Na época da Semana de 1922, ou você era do Mário de Andrade, mais centrado e aplicado, ou se alinhava com o iconoclasta Oswald.

Qual é, na sua opinião, o principal legado da Tropicália?
Se eu for dizer um grupo que seja descendente direto da Tropicália, digo sem dúvida que é o Uakti, pela experimentação. Apesar de ser um grupo instrumental, de não compor normalmente canções, eles trazem o legado da experimentação. Mas eu fecho meu trabalho chegando ali na Vanguarda Paulista, do Grupo Rumo, Arrigo Barnabé, Premeditando o Breque e Itamar Assumpção, que seguiram com esse legado da Tropicália.

Quando se fala em Tropicália, costumam vir à baila outros movimentos mais ou menos contemporâneos - a Bossa Nova, a Jovem Guarda, o Clube da Esquina. É possível mensurar, comparativamente, a importância de cada um deles para a história da MPB?
Vou responder de uma forma meio banana: cada um tem a importância que tem. Todos esses movimentos foram fundamentais, a Bossa, a Jovem Guarda, a Tropicália e, embora algumas pessoas não considerem, o Clube da Esquina também, que eu acho absolutamente fundamental, menos na área comportamental, mas muito na música, sem a menor dúvida. E repito: o Clube tem lugar certo em termos de movimentação da MPB. Entrevistei um professor de literatura, o Luiz Ricardo Leitão, e ele fala dessas dinâmicas dos movimentos culturais. Esses de que estamos falando, cada um seguiu seu caminho, daí a tal linha evolutiva da MPB. O Augusto de Campos sacou isso e criou esse termo. Quando, muitos anos mais tarde, eu entrevistei o Luiz Tatit, ele falou que hoje há tanta gente que não dá mais para falar de linha evolutiva, mas de plano evolutivo, porque são muitos em muitas direções.






“Orelha di Jards”

Não sou tropicalista e nunca o fui. No entanto tive contato direto com os tropicalistas, alguns meus parceiros de poesia e música (Capinan, Torquato, Rogério Duarte, Hélio Oiticica, Rubens Guershman, Glauber Rocha, os maestros Rogério Duprat, Júlio Medaglia, entre outros). 
Aliei-me a Gal Costa quando, na ocasião da prisão de Caetano e Gil; e, se em algum momento fui tropicalista, foi no desagravo a eles no Maracanãzinho na minha musica com Capinan Gotham City. Fui exageradamente tropicalista, o que me valeu a fama de “maldito”, pecha que me acompanhou durante anos (não só a mim como a meus colegas pós-tropicalistas Luis Melodia, Sérgio Sampaio, Jorge Mautner – este foi pré), entre outros. O autor deste livro, Getúlio Mac Cord, colheu depoimentos da maioria dos envolvidos direta e indiretamente no processo tropicalista. Nunca vi tanta obstinação!!!
Getúlio batia na porta das pessoas, nem sempre receptivas e, durante os últimos anos, debateu-se na editorialização deste Tropicalia: Um Caldeirão Cultural.
Estes depoimentos fazem, às vezes, 20 anos de idade; mas trazem a luz sentimento da época em que foram tomados.
Hoje o Tropicalismo, já fágicamente deglutido, conta com este material para melhor entendimento e consulta daquele momento e sua importância na História da Música Popular Brasileira e adjacências.

Pronto Mac Cord, com um abraço
Di
Jards Macalé.





 
Apresentação do livro "Tropicália Um Caldeirão Cultural" 
de Getúlio Mac Cord 

Getúlio Mac Cord é radialista, pesquisador de MPB e engenheiro
Já aos 17 anos, fez sua primeira entrevista com Paulinho da Viola, pois este já conhecia Caetano Veloso desde a época anterior ao Tropicalismo.
Getúlio sonhava em escrever um livro que pudesse, de certa forma, descobrir o Brasil em toda sua amplitude cultural. Ele sentiu que, através da música que ele já amava tanto, essa resposta poderia ser dada.
E, com o instigante e amplo movimento da Tropicália, essa resposta foi examinada.
De lá para cá muita água correu por baixo da ponte e esse especialista em manutenção passou 30 anos pensando este livro e colhendo depoimentos do que há de melhor no cenário cultural brasileiro. Para ele, a Tropicália é um regurgitar de 22, numa clara referência à Semana de Arte Moderna daquele ano e ao movimento antropofágico de Oswald de Andrade.

Tropicália – Um Caldeirão Cultural contém, além da pesquisa do autor, uma coletânea de depoimentos históricos que remete a uma reflexão sobre a época, sem deixar de ter uma visão crítica sobre o período ou trazer à tona curiosidades e surpresas.

Para as 40 entrevistas feitas foram necessárias mais de 50 horas de conversas, gravadas em mais de 50 fitas, 55 viagens, aproximadamente 4056 shows, incontáveis recortes de jornais e revistas, em quase 300 páginas. Ufa!… Haja trabalho!
Tudo isso “descobrindo métodos ao trilhar o caminho”, conclui Mac Cord.
Um cara bom de papo – essa expressão poderia muito bem sintetizar a personalidade de Mac Cord, mas ele é muito mais. Carioca da Tijuca nasceu em 23 de março do mesmo ano em que Jânio Quadros renunciaria à presidência do Brasil, não por acaso o nacionalismo de Mac Cord está na razão direta do conteúdo de sua obra, ou mesmo do que seu temperamento revela e muito além do que seu prenome imprime.

O Mac Cord é de origem escocesa e fala pouco no sangue flamenguista do autor.
Compositor, ele também é do samba, mas quando se pergunta qual sua Escola de Samba, ele responde mineira e poeticamente: “Nasci Mangueira, Portela também sou”.
Bem humorado! O mesmo bom humor marca o tom que Mac Cord cuida de levar para o interior do seu Tropicália, Um Caldeirão Cultural, coisa que consegue sem muito esforço, até mesmo pelo alto astral dos depoimentos, onde desfilam personalidades como Rogério Duprat, Jorge Mautner, Jards Macalé, Capinan, Guilherme Araújo, Sérgio Dias, Sérgio Ricardo, José Ramos Tinhorão, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Tom Zé, de quem Getúlio ganhou o prefácio onde este afirma:

“Além das revelações dos artistas participantes e de coadjuvantes expressivos, é bom que o tema tenha sido tratado com clareza orteguiana, como a do autor, pinicando o leitor com a vontade de saber mais na próxima página”.

Agora é ler e confirmar!”

Ricardo Moraes




27/7/2011 
Rede Bahia

Tropicália: livro apresenta uma nova visão sobre o movimento cultural


O lançamento da obra acontece na quinta-feira, dia 14, na Livraria Cultura

Emília Oliveira

Uma nova visão sobre a Tropicália. Esta é a proposta do músico e escritor Getúlio Mac Cord, que há 30 anos pesquisa o movimento e resolveu reunir tudo que descobriu no livro "Tropicália: um caldeirão cultural". O lançamento da obra acontece na quinta-feira, dia 14, na Livraria Cultura, onde o autor está disponível a partir das 18 horas.

"Tropicália: um caldeirão cultural" é uma grande coletânea de depoimentos de personalidades que viveram os bastidores de um dos maiores movimentos culturais do país. O livro traz mais de 40 entrevistas de figuras como o cantor e compositor Jards Macalé, do diretor e ator José Celso Martinez e do maestro e compositor Rogério Duprat. No fim da década de 60 os holofotes estavam voltados para nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Tom Zé, mas àqueles que ficaram "por traz das cortinas" também têm muito a contar.

A obra contém declarações surpreendentes. Jards Macalé, por exemplo, afirma que ele e muitos de seus parceiros da época foram rotulados como não-comerciais e ainda sofrem as consequências. "Eu gravo pouco porque determinadas pessoas das gravadoras até hoje acham que nós não somos comerciais. Eu, Jorge Mautner, Luís Melodia e Sérgio Sampaio somos considerados malditos. Eu não acho nada disso. Qualquer faixa de nossos discos pode fazer sucesso. Basta ligar o rádio e comparar. Há coisas boas, mas a grande maioria é uma porcaria", desabafa.


Getúlio Mac Cord

"Tropicália: um caldeirão cultural" é um retrato fiel do período que misturou manifestações tradicionais da cultura brasileira a inovações estéticas radicais. Para o autor, o tropicalismo, embora tenha sempre sido associado à política, foi em sua essência um movimento a altura da Semana de 22 e do movimento antropofágico de Oswald de Andrade. "Havia sim uma insatisfação com a ditadura e os horrores dos militares na época. Mas a Tropicália ultrapassou essa questão. Foi além. Tratou de repensar a nossa cultura, uma reflexão cultural 40 anos depois da semana de 22", afirma Mac Cord.




21/05/2011 15:32:03
Apoiado em depoimentos, livro tenta desvendar o tropicalismo
'Tropicália – Um Caldeirão Cultural' traz declarações de Caetano, Arnaldo Baptista e Rogério Duprat, entre outros
Pedro Alexandre Sanches, repórter especial iG Cultura

   


 
AE - Caetano Veloso e Gilberto Gil em 1972

O novo livro “Tropicália – Um Caldeirão Cultural” (ed. Ferreira, 430 págs.), do carioca Getúlio MacCord, foi construído ao longo de 32 anos, contados a partir de uma entrevista do autor com o não-tropicalista Paulinho da Viola, em 1978. De lá para cá, ele colecionou depoimentos de um leque variado de personagens, desde Cláudio César Dias Baptista, irmão mais velho dos irmãos Mutantes Arnaldo e Sérgio, até os protagonistas inevitáveis Caetano Veloso, Gilberto Gil e Tom Zé.

Hoje com 50 anos, Getúlio é definido na contracapa como radialista, pesquisador de MPB, compositor, engenheiro e especialista em refrigeração. É, de certa forma, um outsider, e isso fica perceptível na parte inicial do livro, na qual procura traçar um resumo histórico do movimento iniciado em 1968. Sua narrativa é irregular, desencontrada, e pouco avança em relação a tudo o que já foi pisado e repisado à exaustão em solos tropicalistas.

Mas aí há a segunda parte do trabalho, dedicada a transcrever (novamente de modo mais ou menos acidentado) os depoimentos prestados ao autor pelos atores tropicalistas, tanto os principais quanto os coadjuvantes. Aí o Caldeirão Cultural de Getúlio esquenta.

O crítico musical José Ramos Tinhorão, notório detrator da bossa nova e da tropicália, aparece logo de início, numa entrevista datada de 1982. Ele tece considerações conservadoras, tanto quanto lúcidas, em reação a teses tipo “o mundo é uma aldeia” dos anos 1960, de teóricos como Marshall McLuhan e Herbert Marcuse: “Universalidade é, no plano ideológico, uma coisa que corresponde aos interesses das multinacionais. (…) Qualquer fronteira, qualquer originalidade regional prejudica o interesse da multinacional”.

O sabor começa a se revelar no depoimento (de 1983) de Kleber Santos, que nos anos 1960 dirigia no Rio o Teatro Jovem, ponto de confluência e debate para os futuros tropicalistas. Conta Kleber, por exemplo, sobre Gal Costa: “Ficávamos falando para ela ir à cidade fazer um teste para cantora na gravadora Philips (…). Mas Gal tinha preguiça de ir. As pessoas davam dinheiro para ela ir à cidade e ela não ia”. A informação soa involuntariamente humorística em tempos atuais, quando Gal provoca encrenca no Twitter acusando cidadãos baianos (como ela) de “preguiçosos”.

Kleber rememora a rixa inicial de Elis Regina com o grupo tropicalista: “Foi intolerante com Gil e Caetano, logo no começo. Qualquer comportamento diferente era confundido com o uso de drogas, e a Elis, na época, era a careta das caretas”. Ironicamente, não seria nenhum tropicalista, mas antes Elis que morreria de overdose, em 1982, colocando fim abrupto ao conceito MPB como era conhecido desde meados dos anos 1960.

MPB e cafonice

Caetano aparece incomumente didático, num mix de depoimentos colhidos em 1989 e 1996. Narra com clareza, momento por momento, a gênese do movimento, e parece lamentar o fato de a tropicália ter se descolado traumaticamente da esquerda emepebista de 1967.

Segundo Caetano, seu parceiro Gil convocara reuniões que ocorreram na casa do compositor bossanovista Sérgio Ricardo, com o objetivo de atrair toda a chamada MPB universitária dos 1960 para os ideais da revolução tropicalista. “Quando nós fizemos, até eles acharam como se tivessem sido surpreendidos e traídos, mas não é verdade, porque o Gil fez um esforço grande para convencer todos a fazermos, juntos, o tropicalismo. Queria que fosse feito pela geração toda”, afirma.

Um breve depoimento de 1991 introduz a figura do antitropicalista Sérgio Ricardo, que passaria à história como o homem que quebrou o violão no mesmo festival (de 1967) que consagrou Gil com “Domingo no Parque” e Caetano com “Alegria, Alegria”. “Castrado o processo cultural pela ditadura, optou-se por importar cultura do exterior e em breve o que fosse nacional na sua essência seria chamado de cafona”, afirma Sérgio, numa aproximação entre MPB nacionalista e “cafonice”.
 
  
AE - Os Mutantes em 1968 / Arnaldo Baptista

Depoimento levemente apimentado é o do caçula dos Mutantes, Sérgio Dias (de 1991), no qual sobram críticas ao ex-homem forte da indústria fonográfica André Midani e à ex-companheira de banda Rita Lee. “André Midani foi desumano ao botar aquela capa ‘Arnaldo Loki? Baptista’, com aquela interrogação. Aquilo foi de uma maldade sem par”, queixa-se, mencionando o primeiro álbum solo de Arnaldo, de 1974, que antecipou uma fase de distúrbios psiquiátricos e tentativa de suicídio do irmão.

Sérgio desmente afirmação de Rita de que o casamento com Arnaldo, na época dos Mutantes, fosse uma farsa. E dispara: “Eu nunca quis ir à imprensa desmascará-la, porque acho isso muito feio”. As intrigas entre ex-Mutantes parecem intermináveis, como demonstrou em 2006 a reunião do grupo (sem Rita), truncada pouco tempo depois pela ruptura e saída de Arnaldo. Rita segue adiante ignorando solenemente intrigas e acusações, qual fosse monstro sagrado da MPB parecido com os que ela ironizava em 1976, no rock “Arrombou a Festa”.

Serena é a participação de Gil no livro, em depoimento de 1987. Sem pronunciar nenhuma frase bombástica, ele relata com franqueza a industrialização de sua carreira a partir dos anos 1970 e as concessões que tal processo acarretou. Fala pouco, mas fala mais que neste 2011, quando, ex-ministro da Cultura, tem mantido silêncio diante da sucessão de controvérsias protagonizada por sua sucessora Ana de Hollanda.

Elitismo

O livro de Getúlio acumula méritos ao listar entre os personagens ouvidos artistas de outras áreas da cultura que em algum momentos se engajaram à revolução tropicalista, como o diretor teatral José Celso Martinez Corrêa, o cenógrafo Cyro del Nero e a estilista Regina Boni, ou figuras de bastidor, como o empresário original dos tropicalistas, Guilherme Araújo, morto em 2007. 


AE - O maestro Rogério Duprat



Nesse “grupo B” pode-se classificar também o maestro erudito Rogério Duprat, confeccionador de muitos dos arranjos hoje clássicos do cancioneiro tropicalista. Seu depoimento é dos mais substanciosos, contundentes e atuais.

“A classe média intelectualizada sempre foi como é hoje: elitista. Ou seja, ela classifica como brega ou como cafona as coisas que não interessam a ela”, afirma Duprat, em opinião que coincidiria com as do Caetano de 1968 ou de 2011. “Quando a classe C toma conta de uma linguagem, as classes A e B rejeitam. Rejeitam e inventam um nome para ridicularizar”, provoca, cutucando um nervo que dói ainda hoje, o da elitização e do isolamento progressivo da sigla MPB.

Há poucos dias, Caetano praticou mais uma vez o esporte de causar espécie, ao afirmar que a internet “é uma bolha mítica”. “Sou velho o suficiente para dizer que é bobagem”, disse em entrevista à “Folha de S. Paulo”, soando mais como José Ramos Tinhorão ou Sérgio Ricardo do que como Caetano Veloso.

Rogério Duprat não concordaria com ele. Sai de sua boca, em “Tropicália – Um Caldeirão Cultural”, a seguinte proposição, que parece feita sob medida para o século 21: “Talvez no século que vem se considere esta a grande era da coletivização da produção. Quem quiser ser compositor, que seja. Quem quiser faturar status de grande artista, de gênio, que fature. Mas, para mim, tudo isto é baboseira e palhaçada. Isto tudo acabou e esqueceram de enterrar”.

Tais argumentos foram formulados por Rogério Duprat quando a internet nem fazia parte do cotidiano dos terráqueos, em 1987. E o maestro tropicalista está morto desde 2006.










Gilberto Gil

David Byrne, 10/7/2011
Arnaldo Antunes

Augusto de Campos

Capinan, Getúlio e Macalé

Jorge BenJor

Júlio Medaglia


Luiz Caldas, Getúlio e Ninho Moraes



2012

O livro Tropicália, Um Caldeirão Cultural, aparece "misteriosamente" sobre a mesa de Jô Soares durante a entrevista em que ele recebe Henrique Dantas, diretor do filme Os Filhos de João,  junto a Tom Zé e Moraes Moreira

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