lunes, 19 de diciembre de 2011

1984 - VELÔ - Show




“Igualmente incerto permanece se a civilização mundial será em breve subitamente destruída ou se se cristalizará em uma longa duração que não resida em algo permanente, mas que se instale, muito ao contrário, em uma mudança contínua em que o novo é substituído pelo mais novo”.


[No show Velô, Caetano falava duas vezes: uma, no início, esse texto de Heidegger e, em outro momento, “um trecho de O homem sem qualidades, de Robert Musil (adoro esse livro), que era algo sobre o homem que, habituado aos pântanos, é incapaz de reconhecer profundidade quando vê a imensidão brilhante do océano”.]



LP - Nov/84




Velô -con Banda Nova-, se estrenó en mayo en el Palace (San Pablo).




"Eu me lembro dos primeiros ensaios com a Banda Nova, num estúdio na Barra da Tijuca. Ricardo Cristaldi, Tony Costa, Tavinho Fialho, Marcelo Costa e Zé Luiz. Eu tinha decidido lançar todo o repertório do novo álbum em shows, antes de gravá-lo. O álbum veio a se chamar 'Velô' e foi lançado no começo dos anos 1980. Mas os arranjos todos estavam prontos mais de um ano antes: de fato, fizemos a excursão primeiro e só depois entramos em estúdio."









23/6/1984 -  Jornal do Brasil















1984
Revista Manchete
n° 1.680
30 de junho de 1984




CAETANO POLÍTICO
entre os plenos
e podres poderes

Reportagem: Mitico Yoshijima / Foto: Ruy de Campos

Os fios brancos nos cabelos já são visíveis. O olhar cansado e as profundas olheiras são marcas da velocidade alucinante de seu show Velô, em São Paulo, que em nada se assemelha à falada vagareza baiana. Caetanear é difícil. Requer habilidade transcendental para descobrir o mistério que envolve o brilho dos olhos cor de ónix, de camaleão, iluminados pelo seu rosto magro. Mago, magia. "Não sou cultor do mistério, embora acredite que exista." Mas ele bem que gosta de um enigma. Do contrário não causaria tanta inovação e tanta polêmica em tudo o que faz, e diz, principalmente. Porque Caetano é a própria palavra. E mais fácil falar Caetano. Suas músicas são a voz que faz sua boca saborear o gosto estranho, "me interesso mais na busca do caminho que não tem fim", esquisito, e sua língua roçar o indefinido, o diferente, enfim, outras palavras. E criar "confusões de prosódia e uma profusão de parodias".


"Eu me permito cometer pequenas ousadias, como ser diferente, fazer letras um pouco fora do usual, do esperado." Pequenas surpresas que algumas vezes incomodam e acabam resultando em detenção é exílio voluntário, como aconteceu em 1968, quando ele se foi para Londres, onde ficou hibernado por algum tempo, até a poeira assentar e as coisas esfriarern. Mesmo assim - talvez por isso mesmo- esse leãozinho indomável continua polemizando. E em seu novo show (sucesso em São Paulo, agora no Rio) lança novidades, músicas como Grafitti, Sorvete, Vivendo em Paz, Quereres, Comeu, Pulsar, O Homem Velho, Shy Moon, Língua e, principalmente, Podres Poderes:

"Enquanto os homens exercem seus podres poderes/ motas e fusca avançam sinais vermelhos/ e perdem os verdes/ somos uns boçais/ queria querer gritar setecentas vezes/ como são lindos, como são lindos os burgueses/ e os japoneses/ mas tudo é muito mais/ será que nunca faremos senão confirmar/ a incompetência da América católica/ que sempre precisará de ridículos tiranos?/ será, será que será, que será, que será/ será que essa minha estúpida retórica/ terá que soar, terá que se ouvir/ por mais zil anos?/ enquanto os homens exercem seus podres podeies/ índios e padres e bichas/ negros e mulheres/ fazem o carnava/ queria querer cantar afinado com eles/ silenciar em respeito ao meu transe/ num êxtase ser indecente/ mas tudo é muito mau/ ou então cada paisano e cada capataz/ com sua burrice farão jorrar sangue demais/ nos pantanais, nas cidades, caatingas/ e nos Gerais/ enquanto os homens exercem seus podres poderes/ morrer e matar de fome, de raiva e de sede/são tantas vezes gestos naturais/ eu quero aproximar meu cantar vagabundo/ daqueles que velam pela alegria do mundo."

Um Caetano agora pelas diretas. "Fui totalmente simpatizante e participante da campanha pelas diretas, por duas razões: porque ela expressa o desejo de votar para presidente da República e depois porque é um modo civilizado, calmo, de demonstrar que a gente não acredita que a Revolução de 64 veio para salvar o Brasil de alguma coisa má. Que por mais enganados que pudessem estar alguns dos líderes dessa evolução a esse respeito, as reformas que o Brasil necessitava - e continua necessitando, talvez mais do que nunca - e os desejos da população para que essas reformas fossem realizadas, a Revolução de 64 veio como uma violentação repressora desses desejos. Por outro lado, a gente ouve falar do dinheiro norte-americano envoívido em golpes de estado na América do Sul. Tuda isso faz com que a gente, mesmo não sendo político, atuante, sinta que, embora a Revolução de 64 expresse algo que também é o Brasil, a meu ver, não expressa o Brasil' que nós desejámos."

Apesar de nunca se ter imaginado no poder ("O imaginário é sempre utópico"), Caetano, se assumisse, faria uma melhor distribuição de renda, como primeira providência a ser tomada, evitando assim grande arte das queixas, que ele diz ter milhões e milhoes. ("Mas muitas pessoas tem muito mais queixas do que eu.") Sua maior queixa é de que hoje tenha tanta gente com o direito de se queixar num país como o Brasil- disse numa entrevista recente. Apesar de tudo, nunca teve vontade de morar fora do Brasil. "Já fui preso em 69, quer dizer, tinha tudo para ter ódio dos militares e da góverno. Mas não é assim. Tive medo e ódio. Mas, ao mesmo tempo, acho que também fui crescendo, vendo as coisas, sabendo um pouco mais. Percebi que essa situação, esse momento, representa o Brasil."


Caetano diz também ter grande desconfiança do comunismo e do socialismo. "Sempre tive e hoje tenho muito mais. Tenho também horror ao anticomunismo, tenho pavor desse negócio. Acho que o Brasil é um país muito grande, plural. Tenho medo, me preocupa, porque não sei, não entendo de economia e me sinto perdido, não posso falar numa boa. Tenho preguiça natural para a política."

Suas opiniões continuam chocando: "Embora tenha tido alguns problemas através de minha carreira, tanto com a opinião pública, quanto com as autoridades e também com a imprensa, não posso me queixar. Sou relativamente bem aceito. De maneira geral, sou um sujeito que exerce uma profissão agradável - num país de gente muito pobre - que dá para comprar um automovel, casa boa, televisão em cores e vídeo-cassete."

Os problemas a que Caetano se refere são conhecidos de todos. Discussões com Fagner, Paulo Francis, Décio Pignatari e José Guilherme Merquior.

"Há muita confusão. Nunca conversei com José Guilherme. Não é verdade que eu não goste de quem estuda, como foï mencionado por ele. "Se Caetano não gosta de quem estuda, o problema é dele." Mas quem começou tudo foi Caetano, como ele mesmo admite: "Fui eu quem fui achar de falar dele."
"Até concordo, quando ele diz que somos pseudo-intelectuais de miolo mole. Acho que somos mesmo, pois fazemos músicas semi-eruditas. De repente até acho legal a opinião dele. Todos esses problemas para mim já são fato consumado. Mas continuam alimentando minhas discussões com esse pessoal." E Caetano bota um ponto final geral: "Fagner me caluniou; Décio Pignatari também (e eu respondi). José Guilherme Merquior foi a único, de todos eles, que não mentiu."



Com Velô - título bolado através da abreviação da palavra velocidade, gíria constante na linguagem do filho Moreno, dos surfistas e das tietes que fazem parte da entaurage de Cae e cuja pronúncia afrancesada, segundo o cantor; contribuiu para a escolha definitiva do título - Caetano fez as pazes com a imprensa. Arrasou. A crítica o elogiou. Ao contrário do seu último recital, Uns, do qual os especialistas não gostaram, o que irritou Caetano. esta vez, como sempre acontece, ele deu a volta por cima, a toda velô, velocidade.

No show, muita cor, luz (predominante o lilás. Inconscientemente? Ou numa homenagem ao grande amigo Djavan?) e nomes, como na música Língua, que surpreendeu a todos. Ele continua polêmico em tudo o que faz, diz, e principalmente quando canta: "Gosto de sentir minha língua roçar/ A língua de Luís de Camôes/ Gosto de ser e de estar/ E quero me dedicar/ A criar confusões de prosódia/ E uma profusão de parôdias/ Que encurtem dores/ E furtem cores como camaleões/ Gosto do Pessoa na pessoa/ Da rosa no Rosa."
Decididamente, este é o ano sim de Caetano Veloso.



Foto: Ruy de Campos













































Marcelo Costa e Caetano - Teatro Castro Alves

















Foto: Gilda Midani















13/12/1984 - Velô na danceteria Radar Tantã, São Paulo





























 



 











 







 

 
















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